Por: João Pedro Cruz, Vice-Presidente da Câmara Municipal de Mangualde
A resolução do problema do sistema de abastecimento de água para consumo humano de Fagilde que abastece Viseu, Mangualde, Nelas e Penalva do Castelo, ou seja, cerca de 150 mil residentes, foi um processo complexo, que durou anos, iniciado por oito municípios, mais do que aqueles que pertenciam ao sistema de Fagilde, mas que culminou, após intensas negociações e estudos, num documento orientador e estratégico única e exclusivamente para o sistema de Fagilde e para os municípios que são por este abastecido.
Do estudo e das soluções apresentadas destacava-se a solução da agregação dos municípios de Mangualde, Viseu, Nelas e Penalva do Castelo para o abastecimento em alta, com um modelo de governança, com um EVEF e respetiva evolução tarifária que impactava um plano de investimentos de aproximadamente 75 milhões de euros segregados em investimentos em cada concelho, na modernização do sistema multimunicipal, na resiliência e ligação a outros sistemas de abastecimento de água e por fim na obra mais importante para a região: A construção de uma nova barragem de Fagilde.
A barragem de Fagilde, propriedade do estado português é uma barragem em fim de vida, com problemas estruturais identificados que só podem ser resolvidos com uma nova barragem. Só deste modo é possível assegurar as condições mínimas para que a região tenha uma maior capacidade de reservas e mais resiliência para fazer face ao aumento das assimetrias espaciais e temporais deste recurso causados pelas alterações climáticas. Não queremos mais barragens. Queremos sim substituir uma barragem insuficiente por uma nova que satisfaça as necessidades da região.
Só é possível mitigar os problemas de escassez hídrica na região com a construção desta infraestrutura tutelada pelo estado e por isso da sua inteira responsabilidade concretizar o investimento tão necessário. O problema de Fagilde nunca foi um problema de falta de água, mas sim um desequilíbrio entre as disponibilidades e necessidades para consumo humano.
Dos estudos realizados e dos compromissos com o governo tudo apontava para que o problema de Fagilde fosse resolvido. Tudo mudou com as autárquicas em 2021. Tudo mudou com o falecimento do até então presidente da Câmara Municipal de Viseu, Almeida Henriques.
Douro e Paiva surge por geração espontânea como a solução milagrosa para a região. Trata-se de um retrocesso brutal no trabalho que foi elaborado, por técnicos, autarcas e consultores no planeamento estratégico, no modelo económico e de gestão dos recursos hídricos da região.
Douro e Paiva significa para os municípios do sistema perder a independência da água como recurso de produção indispensável para quase todas as atividades humanas, mas também ele próprio como um recurso económico e de relevante fator de coesão e competitividade para a região. Não queremos que sejam uns escritórios quaisquer no Porto, a mais de 150km de distância, a decidir a gestão da água com origem nos rios Coja, Dão e seus afluentes. Não sabemos sequer, hoje, passados mais de dois anos, qual o impacto e evolução de tarifário, se os investimentos no território se mantém, se há ou não nova barragem, se a nova barragem, se o novo projeto da barragem sofrerá “downgrade” com a necessidade de garantir rácios de rentabilidade económica de uma torneira em Viseu sem sabermos, ainda hoje, com que caudal chegará.
Temos sim a certeza de que as leis da natureza, o difícil transporte em grandes quantidades e por distâncias longas de água tem custos de investimento e operação enormes e que se refletirão no tarifário.
Temos sim a certeza que a construção de uma conduta para Viseu é uma ameaça real à construção de uma nova barragem de Fagilde. Haverá dinheiro para todos estes investimentos? O que se priorizará?
E por isso o investimento de dezenas de milhões de euros na adução de água de S. João da Madeira/Oliveira de Azeméis para Fagilde é, no meu ponto de vista um erro catastrófico para a região de Fagilde. É contranatura, não cria redundância e terá um impacto financeiro muito negativo no bolso dos consumidores com a agravante de não ficarem assegurados os investimentos necessários nos concelhos e na região que estavam preconizados no plano de investimentos que todos os municípios acordaram.
A ligação de subsistemas não pode servir para interesses económicos, para pressionar autarquias a precipitarem tomadas de decisão sobre matérias estratégicas sem o suporte de fundamentação técnica e financeira, nem para hipotecar a resolução dos problemas estruturais que temos na gestão hídrica do território. Não haverá soluções mais vantajosas social, económica e ambientalmente? Há sem dúvida soluções mais sustentáveis e que se revestem de melhor interesse público do que o enorme desafio do alargamento do Douro e Paiva ao sistema de Fagilde.
O caminho tem que ser feito garantindo que o foco esteja na construção de uma nova barragem que duplique ou triplique a capacidade de armazenamento e reserva na região. Este investimento essencial tem que ser gerador de dinâmicas e boas práticas em todo o ciclo urbano da água local. Políticas de economia e escala na otimização e eficiência de todo o sistema em alta e baixa com a modernização da ETA de Fagilde, automação, telemetria e gestão dos sistemas para reduzir perdas e fugas; políticas de circularidade na utilização de águas cinzentas nos edifícios, na reutilização de águas residuais nomeadamente para fins industriais retirando stress à albufeira de Fagilde, no aproveitamento de águas pluviais; políticas de sensibilização ambiental para a poupança e otimização do uso dos nossos recursos hídricos, políticas no setor primário na promoção e criação de charcas para uso agrícola e abandono de culturas que promovam a utilização abundante de água.
Este é o caminho para o uso eficiente e sustentável dos recursos hídricos na região de Fagilde onde os municípios não podem perder o seu estatuto de entidades gestoras de água salvaguardando assim os melhores interesses da sua região e populações.
A água é um bem insubstituível e neste caso específico inegociável.