Por Isabel Abalada Matos, sócia fundadora da AMMC LEGAL
O solo é uma das componentes fundamentais para a vida, sendo pela, sua natureza transversal, um recurso sobre o qual assentam políticas públicas, designadamente as políticas do ordenamento do território, do ambiente, da agricultura e das florestas. É também o suporte para o desenvolvimento das atividades económicas com expressão territorial.
O caráter transversal e de suporte que o solo assume pode conduzir a utilizações que degradam a sua qualidade, e que são suscetíveis de acarretar riscos para a saúde humana e para o ambiente.
Aguarda-se a adoção de um regime legal que enquadre de forma integrada as matérias relativas à contaminação do solo, em especial quanto aos valores de referência para a sua qualificação como solo contaminado, às medidas de remediação (reparação) e respetivas responsabilidades.
É verdade que a Diretiva 2004/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, transposta para o direito nacional pelo Decreto-Lei n.º 147/2008, de 29 de julho (regime jurídico da responsabilidade por danos ambientais), disciplina a matéria da reparação do dano ambiental, que pode aplicar-se em situações de contaminação do
solo. Porém, esse diploma, deixa várias questões em aberto, designadamente o que fazer com passivos ambientais anteriores à sua entrada em vigor, que se encontram expressamente excluídos do seu âmbito de aplicação, e também a circunstância de restringir o dano às situações em que que a contaminação represente um risco para a saúde humana, mas já não para o ambiente.
A Comissão Europeia preparou uma proposta de Diretiva neste âmbito: a Diretiva Quadro do Solo. Todavia, os Estados membros não chegaram a acordo quanto ao texto final da proposta e a mesma veio a ser retirada em 2014, após longos anos de discussão.
Em Portugal, em 2015, esteve em participação pública um projeto de decreto-lei que visava regular estas matérias (ProSolos). Por várias razões, entre as quais a imputação desproporcional dos encargos de remediação de passivos ambientais aos proprietários à data em que se deteta a contaminação, o mesmo não chegou a ser aprovado.
Mantém-se, por isso, uma situação de incerteza jurídica, a qual se repercute negativamente nas análises de risco que os investimentos exigem. A falta de clareza quanto aos valores de referência que definem a efetiva contaminação (aplicação da designada norma de Ontário ou outra), a falta de um elenco de medidas de
remediação in situ e ex situ, bem como a complexidade das questões de responsabilidade associadas dificultam o aconselhamento jurídico nesta matéria e causam retração nos investidores.
Com vista a mitigar esta ausência de regulamentação, em 2019, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) disponibilizou um conjunto de documentos administrativos que contêm orientações diversas no que respeita à contaminação de solos entre os quais o Guia técnico – Solos contaminados Análise de risco e critérios de aceitabilidade do risco e o Guia Técnico – Valores de Referência para o Solo; Não obstante, continua a incerteza sobre as circunstâncias em que é exigível uma análise de solo para determinar a contaminação do mesmo.
Algumas Câmaras Municipais como Lisboa e Seixal já contemplam nos seus planos territoriais, as situações em que a análise de solo é obrigatória. É o caso do artigo 25.º do PDM de Lisboa, que determina que caso existam indícios de que os solos se encontram contaminados, v.g. por neles se terem desenvolvido previamente
atividades poluentes, é necessário prosseguir com uma avaliação da perigosidade. Caso exista risco para a população ou para o ambiente, deve proceder-se à descontaminação do solo. No caso do Seixal, em certas unidades operativas de planeamento e gestão, qualquer intervenção urbanística está condicionada a um
estudo prévio da situação de contaminação do solo e, em caso afirmativo, a um plano de descontaminação do mesmo.