#Opinião: Conferência de Bona – Uma Perspetiva Política das Negociações sobre o Clima

A Conferência de Bonn, inicialmente concebida como uma reunião técnica, acabou por se tornar um ambiente cada vez mais político. Os debates neste evento foram caracterizados por compromissos, ameaças e tentativas de bloquear as discussões sobre determinados tópicos.

Neste contexto, o processo de tomada de decisão foi repleto de desafios, resultando na falta de consenso sobre aspectos técnicos cruciais que seriam fundamentais para facilitar as futuras negociações no Dubai. Este ensaio explora as principais conclusões da Conferência de Bonn, analisando também a crescente complexidade e politização dos debates sobre as questões climáticas.

  • As complexidades dos debates sobre o clima:

A Conferência pôs em evidência a crescente complexidade e politização das negociações sobre o clima. À medida que a fase de implementação do Acordo de Paris se desenrola, os debates tornaram-se mais difíceis. As questões relativas aos Contributos Determinados a Nível Nacional (CDN) que não funcionam e ao ónus financeiro da aplicação do Acordo de Paris tornaram-se centrais para os debates. Estes debates permearam todos os níveis de negociação, desde workshops a diálogos técnicos, indicando a necessidade de soluções sólidas e de responsabilidade partilhada.

  • Mitigação e adoção da agenda:

A Conferência assistiu a confrontos sobre a adoção da agenda da reunião, reflectindo a natureza política dos debates. A União Europeia (UE) insistiu na inclusão do Programa de Trabalho sobre Mitigação na agenda, apesar da falta de um mandato claro da anterior Conferência das Partes (COP). O Grupo dos 77 (G77) defendeu outras agendas prioritárias, salientando em particular a necessidade de um ponto relacionado com as finanças. Por fim, as partes concordaram em adotar a agenda sem os novos pontos sobre mitigação e finanças. No entanto, as discussões sobre mitigação tiveram lugar incidentalmente em diferentes pontos da agenda, como a Transição Justa, as medidas de resposta e o equilíbrio global do Acordo de Paris.

  • Adaptação:

Os debates sobre a adaptação durante a Conferência de Bonn giraram em torno do objetivo global de adaptação. Um programa iniciado na COP em Glasgow estabeleceu um prazo para a definição deste objetivo até 2024. No entanto, o progresso para chegar a esta definição, estabelecer métricas e medir a realização do objetivo ao longo do tempo foi lento. Os países em desenvolvimento apresentaram propostas concretas para medir os objectivos de adaptação, mas enfrentaram uma resistência significativa por parte dos países desenvolvidos. Só no último dia da conferência é que as partes concordaram em levar um documento informal para a COP 28. Este documento contém opiniões expressas e serve como ponto de partida para as discussões no Dubai, abordando a formulação do objetivo global de adaptação, os seus indicadores e métricas e as prioridades globais de adaptação.

  • Perdas e danos:

A agenda formal de negociações da Conferência de Bonn incluía a operacionalização da Rede de Santiago sobre Perdas e Danos. As discussões centraram-se principalmente na determinação do secretariado responsável pela coordenação da rede, com o Banco de Desenvolvimento das Caraíbas e um consórcio constituído pelo UNDRR e pelo UNOPS como candidatos concorrentes. Apesar de muita divisão, não se chegou a um consenso e a decisão foi adiada para a COP 28. As discussões e decisões serão refletidas num projeto de documento para orientar as futuras negociações.

  • Transição justa:

As discussões em torno do recém-criado Programa de Trabalho para a Transição Justa foram produtivas, embora com posições divergentes sobre a sua definição e âmbito no âmbito da UNFCCC. A agenda da Transição Justa também se sobrepôs às medidas de resposta, que abordam os impactos económicos e comerciais das ações de atenuação nos países em desenvolvimento. Os debates abordaram questões como os mecanismos de ajustamento das emissões de carbono nas fronteiras, incluindo o Mecanismo de Ajustamento das Emissões de Carbono nas Fronteiras (CBAM) da UE. A Conferência decidiu abordar as potenciais sobreposições entre estes tópicos no contexto do plano de trabalho das medidas de resposta na COP 28. Os resultados dos debates foram registados numa nota informal, que serviu de base para a adoção de uma decisão na COP 28.

  • Transparência:

A agenda de transparência da Conferência de Bonn centrou-se nas necessidades de informação dos países em desenvolvimento no âmbito da Convenção sobre o Clima e do Acordo de Paris. Os debates tiveram como objetivo melhorar o apoio financeiro, o reforço das capacidades e a transferência de tecnologia para permitir que os países em desenvolvimento cumpram eficazmente as suas obrigações de comunicação. Os países em desenvolvimento sublinharam a necessidade de recursos financeiros adequados para melhorar as suas capacidades de apresentação de relatórios, enquanto os países desenvolvidos salientaram a importância da transparência e da responsabilização no acompanhamento dos progressos realizados na consecução dos objectivos climáticos.

  • Financiamento:

A questão do financiamento continuou a ser um tema polémico durante a Conferência . Os países em desenvolvimento manifestaram a sua preocupação com a falta de progressos no cumprimento dos compromissos financeiros assumidos pelos países desenvolvidos no âmbito do Acordo de Paris. Apelaram a um maior apoio financeiro para permitir uma ação climática e medidas de adaptação eficazes. No entanto, os debates sobre o financiamento foram muitas vezes postos de lado ou adiados, refletindo os desafios para se chegar a um consenso sobre este aspecto crucial das negociações sobre o clima.

Em suma, a Conferência de Bonn pôs em evidência a crescente complexidade e politização das negociações sobre o clima. Os debates caracterizaram-se por compromissos, conflitos sobre a adoção da agenda e desacordos sobre questões fundamentais como a atenuação, a adaptação, as perdas e danos, a transição justa, a transparência e o financiamento.

A falta de consenso e o adiamento de decisões importantes sublinham os desafios que se colocam à obtenção de acordos globais sobre a ação climática. À medida que as negociações avançam para a próxima COP no Dubai, é imperativo que as partes ultrapassem as suas diferenças e encontrem um terreno comum para fazer avançar os objectivos do Acordo de Paris e enfrentar a urgente crise climática.

 

Biografia do autor: João Maria Botelho é investigador no centro de conhecimento NOVA Business Human Rights and the Environment, NOVA OCEAN e é também membro do Conselho Consultivo do NOVA Green Lab da Universidade NOVA de Lisboa. É Advisor em ESG and Impact Investment na Syntegral e, agora, Climate Advocate na rede LACLIMA (Latin American Climate Lawyers Initiative for Mobilizing Action).