#Opinião: Autoconsumo – Descarbonização bottom-up
O consumo de electricidade proveniente de energias renováveis, para além de um imperativo, é claramente uma tendência mundial. Em Portugal, onde se assumiu o compromisso de transitar para uma economia neutra em carbono até 2050, a aposta na produção de energia solar fotovoltaica tem sido bastante evidente, captando o interesse de grandes investidores e produtores independentes de energia que contribuíram para o enorme sucesso dos dois primeiros leilões de capacidade solar, resultando na atribuição de cerca de 1800 MW de reserva de capacidade de injecção na Rede Eléctrica de Serviço Público e ajudando na concretização do trabalho que tem vindo a ser desenvolvido no âmbito da dinamização do sistema eléctrico e da democratização do acesso a energia limpa, fiável e renovável.
Não fará, no entanto, sentido falar em democratização se as condições de acesso à produção de energia renovável não forem verdadeiramente transversais tanto ao nível dos intervenientes, como ao nível da escala. A escala do consumidor será, possivelmente, um dos principais pontos de charneira no que diz respeito ao longo caminho rumo à descarbonização da economia e tem sido notório o esforço a nível legislativo no sentido de se simplificar cada vez mais os processos administrativos associados à implementação de soluções de autoconsumo.
E porquê o autoconsumo?
Este conceito de consumo de energia incentiva o investimento na produção de energia limpa permitindo aos consumidores grandes economias de energia e a minimização da sua exposição ao mercado, reduzindo substancialmente os seus custos com electricidade. A existência de um claro benefício para o autoconsumidor é a principal razão para que o autoconsumo se afigure como uma alavanca fundamental na aceleração da transição energética, e Portugal, que em termos de produção fotovoltaica descentralizada conta à data com uma potência instalada de cerca de 260,000 kW, pela sua localização geográfica, pelo clima e principalmente pelo alinhamento com os compromissos e objectivos ambientais da Europa em matéria de energia, reúne todas as condições para ocupar um lugar cimeiro no processo de descarbonização em curso.
Contudo, um dos principais desafios para massificação do autoconsumo é o facto de em alguns sectores haver uma clara divergência entre os horários de procura e produção. É este o caso com o sector residencial, por exemplo, onde os picos de procura se dão de manhã e ao fim do dia quando a produção de energia fotovoltaica é ainda relativamente baixa, se bem que, o expectável é que esta se torne uma solução cada vez mais viável para este sector à medida que o preço das baterias, que permitirão o armazenamento da energia produzida, se for tornando cada vez mais competitivo.
Já no sector industrial o caso muda de figura. Aqui, o autoconsumo é claramente uma tendência emergente. Contrariamente ao sector residencial, o horário em que os painéis solares produzem energia coincide com os períodos tarifários onde as empresas adquirem a energia mais cara e tem-se assistido a um cada vez maior interesse por parte das mesmas em gerar e consumir energia verde, potenciado em grande parte, e mais recentemente, pela escalada galopante dos preços da energia, mas principalmente pela crescente competitividade dos custos de produção de energia solar, relativamente aos preços de compra no mercado.
O incentivo a estes consumidores para que tomem decisões activas sobre os seus hábitos de consumo acaba por ser benéfico sob vários prismas, pois para além de conduzir a benefícios energéticos e económicos directos para as empresas, por via da redução de custos operacionais, resulta também, a uma macro escala, numa redução dos picos de produção e consumo em benefício da rede e na consequente mitigação do esforço e custos inerentes à transição de um sistema energético convencional para um sistema orientado para a energia renovável. A descentralização é, por isso, numa óptica de implementação bottom-up, um importante e cada vez mais relevante passo na construção de um sistema eléctrico mais fiável, económico, eficiente e geograficamente abrangente.
A proliferação deste tipo de solução, em anos recentes, deve-se em grande parte ao preço dos sistemas solares fotovoltaicos que se tem tornado cada vez mais competitivo, registando-se uma queda de cerca de 90% na última década, de 2.00€/W para 0.20€/W, segundo dados da International Energy Agency. Esta queda abrupta no preço da tecnologia permite que hoje em dia se consiga facilmente atingir valores de produção de energia entre os 35€/MWh e os 45€/MWh, considerando instalações no solo ou em rooftop, valores muitíssimo atractivos e drasticamente diferentes dos preços de mercado. Para além de proporcionar electricidade a baixo custo às empresas, o autoconsumo também as escuda, a longo prazo, da volatilidade dos preços da energia.
Para o dimensionamento de uma central fotovoltaica de autoconsumo será sempre essencial conseguir balancear produção e consumo, procurando-se aquilo que será o ajuste óptimo. É precisamente no cruzamento da informação de consumo com a estimativa de produção que se reflectem as poupanças resultantes da instalação da central, sendo que quanto mais aproximados forem estes resultados, maiores serão os benefícios a retirar da mesma.
A disponibilidade de recursos financeiros alternativos é também um dos factores determinantes para a dinamização da implementação de soluções de autoconsumo. Apesar de os ganhos financeiros subjacentes a estas soluções serem de facto muito interessantes, apresentando uma elevada taxa de retorno do investimento com um cash flow positivo a ser facilmente atingido em 3 a 5 anos, poderá dar-se o caso de um consumidor não ter capacidade, ou mesmo especial interesse, em financiar um projecto de autoconsumo. Para estes casos existem modelos de negócio alternativos, como os Power Purchase Agreements (PPA), por exemplo, que oferecem uma solução integrada para as empresas que procuram o financiamento, instalação, operação e manutenção das centrais, garantindo-se o fornecimento de energia renovável a um preço de desconto relativamente à tarifa actual.
Os PPA’s determinam condições comerciais e contratuais para a compra e venda de energia renovável gerada nas instalações de autoconsumo e resultam numa situação de benefício mútuo não só para o autoconsumidor, que para além de se posicionar como um agente activo no processo de transição energética consegue poupanças significativas na sua fatura de electricidade, mas como também para o investidor, que ao assegurar um contrato de venda de energia ao longo da duração do PPA obtém para si um interessante retorno financeiro.
O rápido declínio dos custos de investimento em electricidade renovável está, de facto, a criar novas oportunidades para os consumidores se tornarem produtores de energia, permitindo-lhes agora, mais que nunca, contribuir activamente para o funcionamento eficiente do mercado energético. Os ratings ESG, cada vez mais relevantes a nível global, têm também impulsionado as empresas a focar-se na avaliação do seu impacto sobre o ambiente e a centrar-se cada vez mais na temática da descarbonização como um dos bastiões das suas agendas de sustentabilidade. Neste sentido, espera-se que o autoconsumo, à boleia de uma crescente dinamização das redes e dos mercados, venha a desempenhar um papel cada vez mais significativo na promoção de um mercado de electricidade renovável, oferecendo uma valiosa contribuição para os múltiplos desafios de sustentabilidade ambiental que nos reserva a primeira metade do século XXI.
[blockquote style=”3″]A partir de agora e num formato bimestral, a Ambiente Magazine, contará com o testemunho de um representante da Worx Real Estate Consultants ou da Átomo Capital Partners, que falará sobre os mais diversos temas ligados à sustentabilidade e ao ambiente.[/blockquote]