Por: José Campos e Sousa, Business Developer da Átomo Capital Partners
Os desafios que permeiam a transição energética são ingredientes fundamentais que moldam uma narrativa em evolução. As complexidades inerentes ao desenvolvimento de uma infraestrutura assente nos renováveis assumem, por vezes, o papel de elementos dramáticos num enredo promissor, cheio de ambições, aspirações e uma boa dose de problemas.
No que toca às ambições e aspirações, Portugal tem estado na vanguarda da incorporação das diretivas europeias nas políticas energéticas nacionais, demonstrando grande compromisso com o cumprimento das metas traçadas a nível europeu. Em 2019, como um dos primeiros Estados-Membros a transpor a Diretiva das Energias Renováveis (REDII), lançou as bases do autoconsumo coletivo e das comunidades de energia renovável (CER) refinadas posteriormente no DL 15/2022 que lhes concedeu direitos explícitos, atribuindo-lhes capacidades de produção, consumo, partilha, armazenamento e venda de energia excedente.
Os méritos e os benefícios do autoconsumo de energia serão já sobejamente reconhecidos por todos. As vantagens para o autoconsumidor são claras e a equação que o coloca no centro do debate sobre a transição energética tem potenciado o rápido crescimento deste tipo de solução. Para além das evidentes poupanças potenciadas pelos reduzidos custos da tecnologia, o autoconsumo incute também um sentido de controlo e independência, aliviando os consumidores das incertezas do mercado associadas às fontes de energia convencionais e representando uma clara mudança de paradigma, já que a abordagem descentralizada, mais que uma mera estratégia financeira, simboliza uma redefinição estrutural do próprio sistema elétrico e da relação dos consumidores com a energia.
Isto é particularmente evidente quando se fala em CER, uma vez que incorporam mudanças estruturais face aos modelos convencionais, colocando ao nível local, indivíduos, empresas e autoridades, conjuntamente, ao comando dos seus destinos.
Além dos domínios económico e ambiental, as CER são também um importante instrumento de coesão social que permite dar resposta aos desafios das comunidades, contribuindo para o seu desenvolvimento, para o combate à pobreza energética e, consequentemente, para uma maior aceitação social das tecnologias renováveis e do reconhecimento dos seus benefícios a longo prazo. A participação dos cidadãos no mercado da energia é, portanto, uma pedra angular no que diz respeito ao fortalecimento e resiliência dos sistemas energéticos locais acabando também por contribuir positivamente para os esforços de transição a nível nacional.
Mas nem tudo são facilidades. O bottleneck do licenciamento apresenta-se como um desafio para o qual se requer atenção imediata. Muitas das comunidades em funcionamento, na verdade, não o são. Pelo menos para já. As morosidades dos procedimentos têm impedido a implementação generalizada destas iniciativas tornando-se imperativo, para que se realize plenamente o potencial transformador das CER, capacitar as entidades licenciadoras com recursos que garantam processos mais expeditos e menos burocráticos.
Uma abordagem mais ágil e eficiente irá certamente facilitar a implementação destas iniciativas bem como fortalecer a confiança dos investidores, promovendo um ecossistema mais propício ao desenvolvimento destes projetos. À medida que se celebram os progressos alcançados é imperativo olhar para o futuro com uma visão mais ampla e crítica e abraçar a colaboração entre todas as partes interessadas. A descarbonização exige esforços conjuntos, das comunidades locais às entidades governamentais, que sublinhem o compromisso com uma paisagem energética verdadeiramente democratizada e resiliente.