Seca precoce na Península Ibérica, nevão histórico na costa leste norte-americana, incêndios florestais quase constantes na Amazónia, tempestades tropicais cada vez mais frequentes na África Austral, novos recordes de poluição atmosférica na Ásia Meridional… A lista é longa e eu poderia continuar a enumerar várias outras ocorrências equiparavelmente inéditas e desastrosas, verificadas somente neste 2022 de tenra idade.
Os efeitos das alterações climáticas de origem humana são evidentes, ocorrendo hoje a olhos vistos. Mais de quatro décadas de esforços de mitigação – ou devo dizer “esforcinhos”? – têm-se mostrado ineficazes e de pouca firmeza para minimizar os impactos da época do Antropoceno.
Nações e corporações do tamanho de nações continuam a oscilar em torno de um compromisso genuíno de combate às alterações climáticas. Após uma COP 26 agridoce e relatórios como o mais recente do New Climate Institute, que revela falsas promessas climáticas feitas por diversas entidades, indicam que a redução efetiva de emissões de carbono continuará a ser adiada e como resultado, o aquecimento planetário intensificar-se-á durante as próximas três décadas. Isto significa que a mitigação por si só, embora ainda tão necessária como sempre, já não será suficiente para evitar ocorrências como as supramencionadas ou as futuramente expectáveis.
“Temos de nos adaptar às alterações climáticas.” Estas não são minhas palavras, mas as de Petteri Taalas, o Secretário-Geral da Organização Meteorológica Mundial. De facto, a conjuntura internacional tem-se pronunciado progressivamente sobre tal e tudo indica que este será finalmente o ano da adaptação climática. Na COP 26, as nações desenvolvidas prometeram duplicar o seu financiamento para apoiar a adaptação dos países em desenvolvimento mais vulneráveis e o relatório do Grupo de Trabalho II do IPCC, a ser divulgado nas próximas semanas, centrar-se-á em grande parte sobre a necessidade de implementar estratégias de adaptação e avaliar vulnerabilidades territoriais daqueles mais inermes.
A questão que paira, e que certamente terá atravessado a mente de alguns leitores, é porquê só agora? As palavras de Taalas deveriam ter sido proferidas há 40 anos, aquando do início dos “esforcinhos” de mitigação, mas isso nunca aconteceu. Pelo contrário, durante algum tempo debater adaptação tornou-se um verdadeiro tabu entre ambientalistas e decisores políticos.
Para os ambientalistas, a ideia de adaptação era encarada como o inverso da mitigação, uma vez que tal implicava aceitar as consequências das alterações climáticas, pressupondo uma admissão de derrota e a aceitação do fado humano. Para os decisores políticos, a adaptação representava um custo económico adicional que poderia ser evitado caso as alterações climáticas fossem travadas através da mitigação de emissões. Bem, todos nós sabemos como correu este plano, certo?
Um cocktail de otimismo excessivo e sovinice conduziu-nos à situação atual, onde as alterações climáticas estão a bater à porta e a levar a casa inteira. O planeta está a evoluir para cenários nunca antes testemunhados que exigem não só uma gestão ativa das influências humanas, mas também a adaptação das sociedades a mudanças imprevisíveis, mas irrefutáveis. Embora a adaptação não irá colocar fim a visitas inesperadas, permitirá que a casa permaneça intacta por um maior intervalo de tempo.
Se devidamente executadas, as ações de adaptação potencializam a construção da capacidade de resiliência e permitem a aplicação de uma lógica reflexiva suscetível de se ajustar à dinâmica flutuante das alterações climáticas e, consequentemente, proporcionar uma maior habilidade de resposta face a ameaças iminentes.
Todavia, caso não exista um justo equilíbrio entre os esforços de adaptação e os de mitigação, não há como escapar aos cenários mais catastróficos. Imagine que tem um problema de canalização, onde a água não escoa devido a um entupimento. Poderá tentar desobstruir os canos, realizar uma junção ou até mesmo substituí-los por outros de maior diâmetro, no entanto se não parar de despejar todo o tipo de resíduos para a bacia, os canos voltarão a entupir-se e a bagunça poderá ser ainda maior.
Ações ponderadas, deliberadas e acima de tudo equilibradas são já hoje mais cruciais do que nunca. A chave para lidar com as alterações climáticas assenta num velho bordão contenciosamente atribuído a Fernando Pessoa: “Esperar pelo melhor e preparar-se para o pior.” Através de mitigação poderemos fazer melhor, mas somente através de adaptação que poderemos manejar aquilo que se aproxima. Fazer um sem o outro é negligenciar um Sistema da Terra progressivamente mais complexo, e aparentemente os atores internacionais têm vindo lentamente a aperceber-se disso. Para onde tal nos irá conduzir? Ainda não podemos afirmar com certeza. Se poderia ter sido feito antes, caso não fossem os suspeitos do costume da sobrestimação e avareza desmedida? Certamente!