Opinião: “A (ir)Responsabilidade Alargada do Produtor”

Por Paulo Praça, Presidente da Direção da ESGRA*

Há mais de 25 anos que vigora, em Portugal, o Regime da Responsabilidade Alargada do Produtor, aplicável, designadamente, ao fluxo de resíduos de embalagens, ao abrigo do qual cada produtor, embalador, é responsável pelo financiamento da gestão dos resíduos provenientes dos seus próprios produtos ou embalagens, podendo optar por cumprir esta obrigação individualmente ou aderindo a um sistema integrado de gestão de resíduos para o qual transfere a sua responsabilidade.

No quadro da Responsabilidade Alargada do Produtor, para assegurar a gestão do fluxo urbano mais representativo – os resíduos de embalagens recolhidos e tratados pelos sistemas municipais – foi implementado o Sistema de Gestão de Resíduos de Embalagens (SIGRE), através do qual produtores, embaladores e fornecedores de embalagens, transferem essa responsabilidade para uma entidade gestora licenciada para o efeito, que assume coletivamente essa responsabilidade, mediante a celebração de um contrato e correspondente pagamento de prestações financeiras. Por sua vez, cabe a esta entidade gestora assegurar o pagamento das contrapartidas financeiras àqueles sistemas municipais, os Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos (SGRU), destinadas a suportar os custos com a recolha e tratamento deste fluxo de resíduos.

Portugal foi dos primeiros países europeus a implementar este regime, no quadro da regulamentação da política ambiental europeia, tal como dos países que no mais curto espaço de tempo conseguiu erradicar as lixeiras e dotar o país de sistemas de gestão e tratamento de resíduos urbanos.

Porém, ao contrário dos outros países onde este regime foi implementado na mesma altura, apesar do crescimento significativo de embalagens recolhidas, tratadas e recicladas, não tem conseguido acompanhar a evolução e resultados alcançados noutros países. Existem várias causas, como a ainda insuficiente adesão da população à correta separação e deposição de resíduos, a elevada complexidade do sistema e a necessidade de constante acompanhamento, atualização e investimento para fazer face às exigências de cumprimento de metas e requisitos ambientais a que Portugal, enquanto Estado-Membro da União Europeia, se encontra sujeito e deveria estar comprometido.

O pagamento aos SGRU para suportar os custos da recolha e tratamento de resíduos de embalagens, que é devido por força da responsabilidade alargada do produtor, é fundamental para a operacionalização destas operações.

Acontece que, por incrível que pareça, os valores que continuam a ser praticados decorrem de uma metodologia de cálculo fixada em 2016, totalmente desajustada aos dias de hoje e manifestamente insuficiente para fazer face aos necessários investimentos ao nível da recolha seletiva e tratamento, de modo a que Portugal se possa dotar das condições necessárias para atingir as exigentes metas ambientais europeias.

As metas são europeias, mas os valores que os produtores pagam atualmente estão muito distantes dos custos reais das necessidades de investimento para lá chegar. Um terço da população ainda não tem acesso aos serviços de recolha seletiva de acordo com os indicadores nacionais, o que significa que existe uma enorme necessidade de investimento para o qual devem concorrer as receitas resultantes do pagamento pelo tratamento de resíduos devido ao abrigo da responsabilidade alargada do produtor.

Tratando-se de uma responsabilidade de produtores, embaladores e fornecedores, neste momento, a sua aplicação depende de uma decisão dos membros do Governo responsáveis pela Economia e Ambiente, sobre uma medida há muito preparada pelos organismos responsáveis pela sua elaboração, mas que tarda em ser aprovada, ameaçando a sustentabilidade financeira dos Municípios e agravando o fosso entre a situação atual e os objetivos a alcançar.

*Publicado na edição 105 da Ambiente Magazine