#Opinião: “A Biodiversidade tem preço?”
Por: Susana Pinto Coelho e José Diogo Sampaio
A biodiversidade é fundamental para o bem-estar humano, a produção de oxigénio, a purificação da água, a estabilidade do clima, a fertilização dos solos, e a produção alimentar e de matérias-primas. Mas hoje a biodiversidade está em crise – 60% das espécies e 77% dos habitats encontrão-se em estado de conservação predominantemente desfavorável e se mantivermos a trajetória atual, cerca de 40% das espécies serão extintas até ao final do século. A sua preservação deve ser, portanto, prioritária.
A União Europeia iniciou o seu compromisso de proteção da biodiversidade em 1979, com a aprovação da diretiva sobre proteção das aves selvagens. Posteriormente, em 1992, foi adotada a diretiva que estabeleceu a proteção de mais de mil animais e espécies vegetais e mais de duzentos tipos de habitat, que deu origem à criação da rede Natura 2000. Mais recentemente, em maio de 2020, a Comissão Europeia adotou a Estratégia de Biodiversidade para 2030.
Portugal seguiu o exemplo e o Ministério do Ambiente e Ação Climática promoveu e publicou o estudo “Biodiversidade 2030: Nova Agenda para a Conservação em Contexto de Alterações Climáticas” “Biodiversidade 2030”). Este estudo, em conformidade com a Estratégia Europeia de Biodiversidade 2030, estabeleceu quatro objetivos estruturais para a conservação da natureza e da biodiversidade em Portugal até 2030: reforçar a coerência das áreas protegidas; gerir com eficácia a biodiversidade protegida; restaurar populações e ecossistemas naturais degradados; e financiamento para a biodiversidade.
Relativamente a este último ponto, tem vindo a despertar crescente interesse a criação de mercados de biodiversidade e créditos de biodiversidade. Esta discussão não é nova. Na verdade, os mercados de biodiversidade têm a sua origem nos anos 90 nos EUA com o advento do chamado habitat banking e a aprovação da estratégia nacional de no net loss – isto é, o promotor de projetos, em caso de danos ao ecossistema, estaria obrigado a garantir um benefício equivalente (break even). No modelo americano, o habitat banking funciona como, uma modalidade indireta de compensação através de um sistema de mercado no qual por cada ação que beneficie a preservação da biodiversidade, os bancos geram créditos que serão subsequentemente colocados no mercado para que os lesantes adquiram os mesmos e cumpram a imposição legal de compensação.
A Comissão Europeia tem vindo a pronunciar-se de forma cautelosa sobre este modelo, ressalvando sempre o caráter subsidiário e excecional do sistema de mercado. A título de exemplo, o Documento de orientação sobre o n.º 4 do artigo 6.º da Directiva “Habitats” (92/43/CEE), indicava que o “habitat banking como medida compensatória (…) apresenta um interesse bastante limitado”. Esta posição justificava-se pelo receio do habitat banking representar uma derrogação do próprio sistema de conservação das áreas especialmente protegidas e a ideia de que os mercados de biodiversidade correspondiam a um processo de liberalização dos danos à biodiversidade. Por outro lado, a Diretiva 2004/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa à responsabilidade ambiental em termos de prevenção e reparação de danos ambientais, a Comissão Europeia e a Diretiva 2011/92/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente, não afastam a possibilidade de recorrer a novas soluções de mercado.
Apesar da postura cautelosa e moderada da Comissão Europeia, vários países europeus iniciaram experiências de mercado a nível nacional inspiradas no modelo americano – é o caso da França, da Alemanha, da Inglaterra e da Espanha. Em Portugal esta possibilidade foi suscitada no estudo Biodiversidade 2030 que refere expressamente que a criação de “um mecanismo deste género bem afinado, estável e que funcione, seria a maneira de se trazer alguns valores intangíveis que os ecossistemas dão para as contas do mercado”.
Não obstante esta tendência parecer estar a ganhar tração, falta ainda à União Europeia um quadro normativo específico, que estabeleça o enquadramento dos mercados de biodiversidade com diretrizes claras e uniformes.
“Biodiversidade” é uma expressão simples para uma realidade altamente interligada de ecossistemas. Os atores políticos devem, portanto, evitar basear a sustentabilidade do sistema em mecanismos meramente métricos ou reduzir ecossistemas complexos a um simples valor monetário.
De todo o modo, no contexto de uma degradação da biodiversidade sem precedentes, a preservação dos ecossistemas não pode esperar mais tempo. A biodiversidade poderá não ter um preço, mas terá certamente um custo.