por Ana Matias e Gonçalo Carvalho, da Sciaena – Oceanos, Conservação, Sensibilização
A Política Comum das Pescas (PCP) reformada da União Europeia (UE), que entrou em vigor no início de 2014, exige um fim à sobrepesca o mais tardar até 2020. A menos de um mês deste prazo, que progresso foi feito pelos Ministros das Pescas da UE para implementar esta importante obrigação legal? E quais os benefícios ambientais e socioeconómicos que poderão estar a ser adiados? E como podem contribuir as decisões do Conselho dos próximos dias 16 e 17 sobre as possibilidades de pesca para 2020 para a urgente necessidade de lutar contra as alterações climáticas?
A nova PCP entrou em vigor em 2014 e representou uma rutura significativa com o passado, já que continha pela primeira vez enunciados claros sobre objetivos ambientais: prazos legais para o fim da sobrepesca; referências diretas à abordagem ecossistémica e precaucionária; e ferramentas de gestão a longo prazo – os Planos Plurianuais (PPA). Esta ambiciosa mudança de rumo – justificada pelo falhanço das reformas anteriores – está consolidada no artigo 2º, ponto 2, onde se estabelece como objetivo da PCP que os recursos biológicos marinhos sejam explorados de forma a restabelecer e manter as populações das espécies exploradas acima dos níveis que possam gerar o rendimento máximo sustentável (Maximum Sustainable Yield – MSY), sendo que esta deve ser atingida, se possível, até 2015, e, numa base progressiva e gradual, o mais tardar até 2020, para todas as unidades populacionais. (ver aqui)
Infelizmente, o progresso para estas metas tem sido lento e o objetivo sucessivamente adiado, nomeadamente no que toca à principal ferramenta da PCP – o estabelecimento anual de Totais Admissíveis de Capturas (TAC) nas reuniões do Conselho de Agricultura e Pescas (AGRIFISH).
Na sua avaliação anual independente, o Comité Científico, Técnico e Económico da Pesca da Comissão Europeia (CCTEP), analisa anualmente a pressão de pesca no Atlântico Nordeste, comparando-a com os níveis permitidos na PCP. No seu mais recente relatório, O CCTEP continua a concluir que uma grande proporção de stocks continua com capturas além dos níveis permitidos (Figura 1), confirmando assim a afirmação de várias Organizações Não Governamentais (ONG) de que o progresso para a meta da PCP tem sido perigosamente lenta.
Segundo a The Pew Charitable Trusts que, desde 2014, compara anualmente as decisões dos ministros das pescas com os pareceres científicos disponíveis, a proporção dos limites fixados para além dos pareceres científicos está a diminuir. Mas a evolução é demasiado lenta para cumprir o prazo estabelecido pela PCP para acabar com a sobrepesca (Figura 2).
Parte da justificação para este trajeto estará na forma em como as decisões do Conselho são tomadas – à porta fechada e normalmente sem justificação concreta e suportada com dados para a definição de TAC acima dos pareceres científicos. A organização Transparência Internacional investigou e publicou em 2016 um relatório sobre os processos e as decisões dos Conselhos AGRIFISH sobre os TAC e recomendou várias melhorias, poucas tendo sido seguidas. Já em 2019, o Provedor de Justiça Europeu investigou as famosas “maratonas negociais de Dezembro” sobre os TAC e determinou que os documentos e as posições dos Estados-Membros relacionados com os TAC têm de ser tornados públicos quando são disponibilizados ou imediatamente depois.
Enquanto a transparência não melhora, resta-nos avaliar os resultados dos Conselhos e os documentos partilhados em anos anteriores. Num estudo publicado em novembro de 2019, a ONG Client Earth avaliou os documentos dos Conselhos AGRIFISH (obtidos através de um pedido de acesso à informação) e reforçou a falta de progresso para os objetivos da PCP. Mais concretamente, a documentação demonstra que certos estados-membros, de entre os quais Portugal, têm sido mais vocais dentro do Conselho a efetuar pressão para que vários TAC sejam definidos acima dos pareceres científicos, normalmente alegando razões socioeconómicas, geralmente sem apresentar dados ou evidências sólidas para as suportar.
E por que é tão grave este desrespeito pela Ciência e pela legislação, em prol de decisões que apenas beneficiam as pescarias visadas a curto prazo? Num artigo publicado recentemente, o investigador de ciências económicas Griffin Carpenter, da ONG nef, expõe de forma exemplar as várias razões pelas quais os Ministros das Pescas da EU não podem adiar mais o fim da sobrepesca:
- Se os stocks forem mais abundantes será mais fácil capturar o pescado, o que diminuiria o número de saídas de pesca, resultando numa redução de custos para os pescadores;
- A Ciência comprova que, de forma talvez contraintuitiva, stocks mais abundantes irão gerar capturas maiores do que as atuais – e a níveis sustentáveis, o que permitirá aumentar os rendimentos da atividade;
- É urgente reconhecer que acabar com a sobrepesca e assegurar stocks de pescado mais abundantes é mais do que gerir inteligentemente um recurso comum e renovável – é também a forma mais direta e efetiva que temos de melhorar a saúde dos ecossistemas marinhos e aumentar a sua resiliência às alterações climáticas ou à poluição.
Portugal será representado neste crucial Conselho AGRISFISH por um novo Ministro do Mar – Ricardo Serrão Santos – que, durante o seu mandato como eurodeputado, repetidas vezes alertou a Comissão Europeia e o Conselho sobre a necessidade de cumprir a PCP e efetivar todos os benefícios associados. Mas as decisões deste Conselho poderão ter um impacto bem mais amplo. Conforme reconhecido no Relatório Especial sobre os Oceanos e a Criosfera do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, o bom estado ambiental dos oceanos será essencial para lidarmos com as alterações climáticas. Assim, ao decidir acabar com a sobrepesca em 2020, os Ministros das Pescas da UE estarão não só a assegurar a sustentabilidade das pescas europeias, mas a tomar medidas concretas para enfrentar a crise climática que a Humanidade enfrenta.