Enquanto a Comissão Europeia (CE) avança com novas regras sobre o chamado financiamento “sustentável” na bioenergia e na silvicultura, uma coligação de organizações não governamentais europeias, entre as quais a associação ZERO, estão a contestar as medidas da Comissão por não serem científicas e por violarem claramente o Regulamento Taxonomia subjacente que foi promulgado pelo Parlamento Europeu.
“Em vez de dar aos investidores a garantia de que os seus investimentos são genuinamente ‘verdes’ e amigos do ambiente, a Taxonomia transformou-se num grande exercício de greenwashing. Acreditamos que os critérios adotados para a bioenergia e a silvicultura são ilegais, pelo que estamos a pedir contas à União Europeia (UE)”, declara Elsie Blackshaw-Crosby da ONG The Lifescape Project, organizadora e co-autora da contestação.
Num comunicado, a ZERO lembra que o Regulamento Taxonomia 2020 visa estabelecer um sistema de rotulagem para que investidores e consumidores saibam que atividades económicas são boas para o ambiente.
O pedido para a revisão dos critérios florestais e bioenergéticos, apresentado pelas ONG, dá início a um processo vinculativo, ao abrigo do qual os critérios administrativos podem ser contestados. “Se a CE se recusar a proceder à revisão solicitada, a queixa será levada ao Tribunal Geral, constituindo-se como um dos primeiros processos submetidos por Organizações não Governamentais de Ambiente, ao abrigo do Regulamento Aarhus, recentemente alterado”, lê-se no mesmo comunicado.
Para designar as atividades florestais como “sustentáveis” e contribuir para a mitigação das alterações climáticas, os critérios da taxonomia requerem apenas reduções marginais nas perdas de carbono em comparação com cenários de “business as usual”. Para a energia a partir de biomassa, os critérios da taxonomia são quase idênticos aos critérios de sustentabilidade altamente controversos contidos na diretiva da UE de 2018 sobre energias renováveis – Diretiva das Energias Renováveis (RED II) – critérios que foram considerados pela CE como não protetores, pelo que propôs alterações aos mesmos em julho de 2021.
O pedido de revisão, lê-se no comunicado da ZERO, salienta que os critérios “não incluem prioridades reconhecidas da UE”, tais como o “fim do corte de árvores em florestas primárias”, e como “a taxonomia se destina a ser aplicada internacionalmente, poderia então dar um “selo verde” a esse abate”. O documento salienta igualmente que “o Regulamento Delegado não incluiu os critérios exigidos para a forma como a silvicultura e a bioenergia podem ajudar na “adaptação” às alterações climáticas”.
O pedido de revisão destaca ainda alguns dos muitos avisos à CE sobre os impactos climáticos da bioenergia, incluindo uma avaliação de impacto da CE de 2016 que alerta que o facto de o corte e a queima de florestas para combustível aumenta as emissões em comparação com os combustíveis fósseis, reduz o armazenamento de carbono florestal e degrada os ecossistemas e a biodiversidade.
Para a ZERO, o financiamento “verde” da Europa não deve apoiar projetos florestais ou bioenergéticos que prejudiquem ecossistemas, aumentem o risco de grandes incêndios florestais e agravem as alterações climáticas. Da redução da biodiversidade à poluição do ar em cidades como o Fundão, devido à produção de eletricidade a partir de biomassa, sabemos que estes projetos têm consequências devastadoras.
Referindo-se aos critérios de biomassa da RED II adotados na Taxonomia, Mary Booth da Partnership for Policy Integrity afirma que “a Comissão Europeia rejeitou provas científicas a favor de ferramentas de financiamento que irão apoiar os poluidores à custa do planeta. Este é um trabalho de cortar e colar a partir de critérios já desacreditados e com legitimidade zero”.
Já Elin Götmark da ONG sueca Protect the Forest constata que “a Comissão Europeia violou a confiança do público e violou a lei ao avançar com um esquema regulamentar que faz greenwashing da poluição atmosférica e continuará a exploração das florestas como habitualmente. O Regulamento Delegado de Taxonomia deve ser alterado pela Comissão ou contestado em tribunal”.
A queixa é apresentada pelas Organizações Não Governamentais Save Estonia’s Forests, ROBIN WOOD (Alemanha), Clean Air Committee (Holanda), Workshop for All Beings (Polónia), ZERO (Portugal), 2Celsius (Roménia), e Protect the Forest (Suécia), às quais se juntaram um grupo de 50 ONG que também subscreveu a carta aberta para a CE, declarando o seu apoio à revisão e contestação que é agora apresentada. Como suporte legal, juntaram-se duas equipas de advogados, Clementine Baldon da Baldon Advocats e Peter Lockley e Ben Mitchell da 11KBW que lideraram o caso, com apoio jurídico e científico do Lifescape Project e da Partnership for Policy Integrity.
A organização de direito ambiental ClientEarth, também está a apresentar um pedido de revisão interna com fundamentos semelhantes, concentrando-se na rotulagem ilegal de bioenergia, plásticos de base biológica e químicos utilizados para tornar os plásticos “sustentáveis” na taxonomia da UE.