Os oceanos e mares mundiais melhoraram em contaminantes antigos mas pioraram em tudo o resto, desde a acumulação de plástico aos fármacos encontrados na água, alerta uma especialista portuguesa na área da contaminação de recursos marinhos.
Maria João Bebianno, diretora do Centro de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Algarve e a única especialista portuguesa no grupo de 25 peritos da ONU que estão a elaborar uma avaliação global do estado dos oceanos, disse à Lusa que têm existido medidas “que melhoraram alguns contaminantes antigos” e existe um maior conhecimento em diversas áreas “especialmente na composição da água, na composição física, química e biológica”. “Onde [o estado dos oceanos] piorou é tudo o resto, há uma grande preocupação. E piora, precisamente, porque hoje há mais dados, há mais conhecimento”, argumentou a professora catedrática, doutorada em ecotoxicologia.
Com os avanços na tecnologia e recursos de investigação, os cientistas que trabalham com veículos submersíveis, “têm feito descobertas inéditas e surpreendentes, quando procuram outras coisas ligadas à parte biológica ou dos recursos naturais”, revelou. “Temos um saco de plástico detetado na fossa das Marianas [o local mais profundo dos oceanos, no Pacífico], a 11 mil metros de profundidade. E outras coisas, latas de Coca-Cola intactas a essa profundidade”, notou.
Se Maria João Bebianno enaltece o “excelente trabalho realizado na Europa nos últimos 40 anos” que tem resultado em melhorias na componente ambiental dos contaminantes mais antigos, é crítica da situação em outros pontos do planeta. “Os chineses nada fazem e a agressão ambiental desde a Índia até à China reflete-se toda aqui. E não é só o problema dos plásticos, há outras coisas mais preocupantes do que os plásticos, como os fármacos, que não se veem”, avisou.
A cientista frisou que “o desenvolvimento social tem grandes implicações nos oceanos” e deu o exemplo de fármacos que chegam ao mar “com o mesmo efeito que têm nas pessoas e alguns transformam-se até em outras substâncias mais tóxicas”. “Temos estado a estudar, por exemplo, o impacto dos medicamentos contra o cancro, que têm no mar os mesmas efeitos que nas pessoas que os tomam em terra, vão destruir células boas e células más”, avisou Maria João Bebiano, considerando que isso resulta numa espécie de quimioterapia forçada a peixes e outros organismos marinhos.
A contaminação do oceano também inclui produtos de higiene pessoal, desde pasta de dentes, a espumas de barbear e perfumes, entre outros “que as estações de tratamento não tratam”, à exceção das existentes na Suécia. “E a produção de perfumes é o único setor em que não se conhece a composição química do aroma. É segredo, é como tentar saber a fórmula da Coca-Cola, não se consegue perceber o que contém um perfume de marca”, exemplificou.
A solução, notou, não passa só por colocar todos os países de acordo sobre os passos a dar e as decisões que têm de ser tomadas: “São precisas novas tecnologias em terra para não deixar chegar os contaminantes ao mar. E aí temos um país precursor, que é a Suécia, que tem novos sistemas de tratamento [de resíduos] e estão a tratar coisas que os outros não tratam. Mas sozinhos, isolados, não vão resolver nada, porque a água mexe-se, o problema é esse”, ilustrou a especialista.
Na contaminação oceânica há também áreas do planeta onde existe “um buraco imenso de dados e informação” como junto ao continente africano. “Quando falamos com alguns países africanos, eles dizem-nos ‘estamos nas tintas para o oceano, a gente precisa é de alimento para a população’. Mas o que estamos a assistir é que há cada vez mais recursos vivos que têm contaminações elevadas por via de doenças e outros contaminantes e a produção de alimento diminuiu”, alerta Maria João Bebianno.
A investigadora da Universidade do Algarve coordena dois dos 31 capítulos da segunda avaliação global do estado do oceano – um sobre resíduos sólidos, como plásticos e outros materiais, lançados “deliberadamente” no mar e outro sobre contaminantes que chegam ao oceano a partir de terra ou da atmosfera – cujos resultados deverão ser divulgados em Lisboa, em junho de 2020, na Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, dedicada ao desenvolvimento sustentável dos mares e recursos marinhos.
A primeira avaliação foi concluída em 2016, reportando a dados recolhidos até 2010 e resultou num documento de três quilos, com mil páginas e a colaboração de quase meio milhar de cientistas. A segunda edição compila dados reunidos ao longo dos últimos 10 anos “já até 2019 e pretende demonstrar o que aconteceu após a primeira avaliação”, frisou Maria João Bebiano. Uma terceira avaliação está em preparação para o período 2021-2030, durante a vigência da Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável, instituída pela ONU.