O que está pensado para uma maior biodiversidade e restauro da natureza?
Incluído no Pacto Ecológico Europeu (GreenDeal), o programa LIFE, já com 30 anos de existência, é atualmente o único instrumento financeiro da União Europeia (UE) que se dedica exclusivamente ao ambiente e à ação climática. Foi em torno deste programa e de outras iniciativas da UE que visam contribuir para travar e inverter a perda da biodiversidade e a degradação dos ecossistemas, que vários especialistas se juntaram para falar da sua importância. Esta conversa, moderada por Vítor Batista, representante da EDP, decorreu no segundo painel “Novos voos na Distribuição”, promovido no passado dia 10 de outubro, segunda-feira, no âmbito da comemoração dos 20 anos da Proteção da Avifauna na Rede de Distribuição, uma parceria que junta a E-REDES e o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), a Quercus, a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) e a Liga para a Proteção da Natureza (LPN).
De acordo com Humberto Delgado Rosa, Diretor para a Biodiversidade da Direção Geral de Ambiente da Comissão Europeia, no quadro financeiro atual, há um “sinal muito claro” que o LIFE não é só para se manter, como também para ser reforçado: “Ganhou em verbas e em mais competências”. Neste sentido, o LIFE continua a ser um “bom destino” pelos objetivos em discussão, tendo ainda a vantagem de ser flexível, desde os “pequenos projetos” até aos de “maior dimensão”, bem como de “todo o tipo de utilizador” poder recorrer ao programa, refere. Nesta equação, acresce uma vantagem adicional às empresas, pois estas já perceberam que havia chamada para a “ the next big thing”: a perda da biodiversidade. “A verdade é que começam a introduzir abordagens regenerativas de contabilidade de capital natural no seu próprio planeamento, para avaliar os seus riscos dependências e impactos. Vão ter auto-vantagens em relação a outras”, acredita.
Transformar dados em conhecimento
Nesta redefinição de estratégia e ação em prol da biodiversidade, Pedro Beja, representante do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO) da Universidade do Porto, optou por abordar o papel da academia, defendendo a simbiose que deve existir entre as empresas e as instituições: “O tempo da academia e o tempo das empresas é completamente diferente, pois têm lógicas e formas de funcionamento diferentes, havendo um processo de aprendizagem mútuo de se ajudarem em ambos os casos”. Tendo por base a área da biologia, Pedro Beja considera que a abordagem deve assentar em que “cada impacte ou cada intervenção no território pode ser encarado com uma experiência científica”, como por exemplo “uma medida de compensação, uma barragem ou uma intervenção”. Esta experiência deve ser apreendida a vários níveis, sendo que o primeiro passa pelo “esmagamento do dia-a-dia”, isto é, “coisas decididas com pouca informação no curto prazo”, sendo que o papel passa por “encontrar tudo o que existe para trás, no sentido de dar opiniões informadas, guiar intervenções com a coragem de saber que não há informação suficiente”, mas em que as decisões têm de ser tomadas. O segundo nível são os problemas de médio-prazo, ou seja, “processos mais longos em que se pode testar e fazer experiências segundo metodologias científicas para aprender o máximo possível”. O responsável nota que a função da academia passa por “ajudar a fazer o planeamento”, tomando as “intervenções o mais informativas possível, com informação robusta que convença os terceiros”. O terceiro nível assenta na “criação de condições” para resolver problemas que ainda não se sabem que existem: “Uma parte desta relação com a EDP (E-REDES) foi a de criar condições e conhecimento para o curto e médio prazo, começando a poder abordar problemas que há 10 anos não sabíamos que existiam e agora existem como, por exemplo, “instalar fotovoltaicas, instalar redes de uma forma mais amiga da natureza”, entre outros. Neste processo, há vários aspetos a ter em conta, como a forma de como a informação recolhida deve ser disponibilizada: “Gastamos milhões de euros em recolher informação biológica que acaba nos relatórios da APA ou noutros sítios que envolve muita gente e que não serve ninguém”, lamenta. A “integração da informação”, onde se verifica que há uma série de estudos feitos em que os dados não são utilizados, nem integrados é um dos aspetos: “Os estudos ficam inconclusivos porque a informação é insuficiente”, atenta o responsável. Que acrescenta que todos os dados e informação devem ser analisados e trabalhados com os jovens, tendo estes a capacidade de “transformar dados em conhecimento: temos de envolver mestrados e treinar pessoas na resolução de problemas para a geração seguinte”. A “monotorização e as compensações” que poderiam ser melhoradas por parte das empresas foi algo defendido pelo investigador, reforçando que, através de um “melhor desenho”, é possível obter-se “melhor informação com mais custo-eficiente”.
Conservação da natureza e proteção da biodiversidade
Do lado do ICNF e sobre o que está pensado no curto e médio prazo em prol da biodiversidade, Carlos Albuquerque recorda que já decorreu a “primeira geração de alargamento ou de criação da Rede Natura 2000”, consistindo em “identificar, a partir das listas de critérios e parâmetros, o que era a diretiva das aves e habitats”: “Desatamos a classificar áreas e, depois, não tivemos a capacidade de ter a mesma velocidade de a gerir e reconhecer os valores que estão dentro e atingir os objetivos da Rede Natura”. Portanto, “uma aventura de alargar a Rede Natura sem sabermos naquilo que nos vamos meter é sempre algo que nos deixa numa atitude de reserva”, refere o responsável, destacando, contudo, que “há sinais de esperança”, com iniciativas que ultrapassam o contexto de áreas protegidas e de Rede Natura para pôr um primado da conservação da natureza e proteção da biodiversidade: “Vamos ter áreas que resultam em áreas que a biodiversidade está em primeiro plano”. Algo que é fundamental é ter a “métrica de 30% de áreas classificadas até 2030 e 30% dos habitats bem geridos”, sendo “números concretos e um caminho a seguir”, afirma.
Nesta intervenção, Carlos Albuquerque aproveitou ainda para se referir à nova Lei do Restauro, frisando a possibilidade de estabelecer os critérios para o Plano Nacional de Restauro, envolvendo todos os agentes, parceiros, sociedade ou ONG e tendo em conta as orientações da Comissão: “É em sede de iniciativas mais abertas, em que todos sabemos falar a mesma linguagem, que naturalmente vamos conseguir promover o restauro até 2030 e, assim, viver em harmonia com a natureza em 2050”.
Parcerias, escrutínio e transparência
Lembrando o sucesso dos Plano de Promoção de Desempenho Ambiental (PPDA) e a possibilidade de ser reintroduzidos novos planos ou semelhantes, Jorge Esteves, em representação da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), afirma que o regulador “nunca diz não a algo que correu bem”, sendo que “temos que começar por aprender e fazer o balanço positivo que teve”. A “importância das parcerias que foram criadas e que foram consolidadas por causa do PPDA” é um dos aspetos a ter em conta nesse balanço, sendo que Jorge Esteves sublinhou também o “painel de peritos e interessados que discutiram em comum e conseguiram criar os projetos e levar até ao fim”, além do “escrutínio e a transparência” com que todo este processo aconteceu. Mas hoje existem soluções e situações idênticas que, no entender do responsável, devem ser mais bem aproveitadas e provavelmente mais participadas, neste mesmo sentido de “juntar parcerias, colocar os peritos, e de escrutínio e transparência.” Estes momentos são os planos de desenvolvimento e investimento nas redes: “É o momento em que todos podemos intervir, dar opiniões, ajudar os operadores de rede a ir pelos caminhos certos e, em última análise, ter a possibilidade de escrutínio e transparência permitindo que estejamos confortáveis com o investimento que teremos de pagar”.
No entanto, é necessário criar um equilíbrio: “A responsabilidade de arrancar com estes projetos não pode ficar só nas costas dos operadores da rede de distribuição”, frisa, acrescentando que o primeiro passo deve assentar no “envolvimento da sociedade portuguesa e europeia em encontrar os cenários do desenvolvimento que pretendem acontecer” e, a partir daí, deverão ser uma “base” dos planos que os operadores de rede deverão apresentar. Nesta lógica, Jorge Esteves dá o exemplo da revisão do Plano Nacional de Energia e Clima, como sendo uma “oportunidade para uma boa discussão a nível nacional de quais são os cenários e o que pretendemos do ponto de vista de evolução energética para ajudar a criar os caminhos para depois os operadores proporem os seus planos”.
*Ao longos dos próximos dias a Ambiente Magazine vai partilhando notícias sobre o evento que marcou os 20 anos do Programa Avifauna