Portugal carece de critérios uniformizados no que à economia circular. A criação de uma conta satélite é um dos apelos mais desejados pelos players no sentido de se obter estatísticas e dados fidedignos sobre qual tem sido a atuação das empresas, entidades ou indústrias no que à economia circular diz respeito. Acresce que, perante uma crise de matérias-primas, nunca foi tão essencial transitar para um modelo de negócio que seja capaz de regenerar recursos e transformá-los em ativos. Apesar dos atrasos, há bons exemplos de empresas que já iniciaram o seu caminho, tendo em marcha um conjunto de ações e resultados palpáveis dessa mesma atuação.
É o caso da Seda, International Packaging Group, que juntamente com mais dois intervenientes (uma entidade gestora italiana e o Mcdonald’s Itália), está a implementar um sistema de recolha diferenciada pelos mais 600 restaurantes da cadeia de fast-food: “O objetivo é garantir que todos os materiais são postos nos locais corretos”, explica Anselmo Vilardebó, administrador da Seda. Esta implementação, tal como indica o responsável, materializa-se, primeiramente, através da realização de roadshow, promovido pelas três entidades, que percorre todos os restaurantes McDonald ‘s e, onde se dá a conhecer “in loco” o projeto. Uma ambição partilhada por Anselmo Vilardebó é que este projeto seja replicado em Portugal: “Não só na restauração rápida, mas também em centros comerciais”. O responsável lamenta o facto de, em Portugal, existir uma “barreira” ligada às especificações da reciclagem: “A verdade é que na Europa existe uma fragmentação enorme no que diz respeito às especificações técnicas dos materiais que podem ser encaminhados para recolhas e fileiras de materiais diferenciados – papel, plástico, vidro – e, muitas vezes esta fragmentação cria situações caricatas”. A título de exemplo, Anselmo Vilardebó lamenta que, em Portugal, existam especificações da reciclagem que são datadas de 2008: “Estamos em 2022 e no ecoponto azul só podem ser colocadas embalagens que sejam 100% cartão, ao contrário de Espanha, que basta que a embalagem seja maioritariamente papel”.
Perante este cenário, a Seda, em parceria, com a EPA (European Paper Packaging Alliance), através da aliança 4evergreen, estão a desenvolver protocolos a nível de testes para que se possa definir através de um critério harmonizado e objetivo se um determinado material é reciclável ou não é reciclável: “E uma boa notícias é que a 4evergreen Alliance já publicou um guia para conceção de produtos por forma assegurar a sua reciclabilidade, informando sobre o que é ou não reciclável”.
Do lado da Silvex, a empresa, inaugurou, em agosto de 2020, a primeira linha de reciclagem de plásticos pós-consumo com um sistema inovador que permite controlar a qualidade do polímero: “Conseguimos perceber as partes do plástico e, numa linha, conseguimos separar, lavar, secar e voltar a fazer polímero”, explica Hernâni Magalhães, administrador Silvex, destacando a possibilidade de se garantir que “o plástico que recebemos do cliente seja transformado em produto (ativo) para esse mesmo cliente”. De acordo com o responsável, esta solução responde a uma barreira que existe: “Garantir que o plástico de um cliente seja aproveitado para esse mesmo produto e, isto, permite trabalhar com os nossos clientes, garantir recolha desse desperdício e que este produto volte às lojas como produto final”.
[blockquote style=”3″]Medir o impacto ambiental[/blockquote]
No caso da indústria do automóvel, há um conjunto de exigências do ponto de vista dos biomateriais: “É discutido em grande detalhe o ciclo de vida e, esta é uma indústria que não quer de modo nenhum ser acusada de quem enganou o consumidor, pelo que toda transparência é fundamental”, começar por explicar Catarina Dias, gerente de sustentabilidade da TMG Automotive, dando como exemplo a “origem do material reciclado”, tendo em conta as questões de direitos humanos: “Garantir que não usamos trabalho infantil para recolher garrafas”. Assim sendo, nesta indústria as certificações começam a ser muito importantes: “O que vai acontecer nos próximos anos é que não basta exigir aos fornecedores, mas auditar e garantir que estão todos a cumprir com políticas e condutas”. Um projeto que a TMG Automotive está a trabalhar e, que este ano, será comercializado é a incorporação de materiais naturais, como os resíduos da indústria da cortiça, do papel e das malhas recicladas que usam as garrafas de poliéster: “Aqui a importância é medir o impacto ambiental destes novos produtos comparando com as soluções antigas”, explica a responsável, acrescentando que “no processo de desenvolvimento do produto fazemos a avaliação do ciclo de vida e, mesmo havendo impactos ambientais, o foco é a pegada carbónica: este material consegue uma redução de cerca 25% no CO2”.
Sendo que a maior dificuldade da Sonae Arauco é o acesso à madeira reciclada, a empresa tem em marcha duas ações para dar resposta ao desafio. Atualmente, tal com indica Rui Correia, CEO da Sonae Arauco, a empresa integra três centros de recolha de madeira reciclada perto das grandes zonas urbanas: “A madeira reciclada quando chega ao centro é classificada, limpa e pré triturada para depois ser enviada para as fábricas para processamento final”. O projeto passa, assim, por aumentar até “dois centros adicionais” em Portugal, alargando a zona geográfica, de forma a aumentar o acesso à madeira: “O nosso objetivo nos painéis de partículas é aumentar o nível atual que ronda em Portugal os 55% para até 85% de incorporação”. A outra ação tem que ver com a produção de painéis de fibras e com o facto de não existir tecnologia establecida para reutilização desse tipo de painéis: “Candidatamo-nos às agendas mobilizadoras e às agendas verdes do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) para obtermos ajuda e mais conhecimento nestas matérias porque não vamos conseguir resolver sozinhos, pelo que o networking é essencial”.
[blockquote style=”3″]Disrupção na taxa de recolha do vidro[/blockquote]
Fruto do investimento que fazem, a BA Glass íntegra boas unidades de produção de tratamento de resíduos, onde fazem a separação do vidro que se deve usar: “Mas, neste processo há perdas e partículas finas e, por isso, vamos fazer mais um investimento de milhões para poder triturar estas partículas muito finas e converter em pó de forma a ser reutilizadas no processo”, explica Sandra Santos, CEO da BA Glass. Sendo difícil “recolher mais (vidro)”, este investimento vai permitir “usar aquilo que se recolhe e transformar em maiores quantidade de vidro para reciclar”, sucinta. O outro projeto é o “Vidro+” (já anunciado pela Ambiente Magazine) que se vai diferenciar pelo seu carácter coletivo: “É um projeto financiado pelo setor que passa pela compra e, posterior, implementação, nas cidades, de contentores que sejam ajustados àquilo que é a recolha seletiva que os empresários de restaurantes, cafés e hotéis têm que fazer”. Sandra Santos acredita que o projeto será um “exemplo de que a colaboração de todos trará uma disrupção nesta taxa de recolha do vidro” em Portugal.
A economia circular já faz parte da atividade da Galp há vários anos e a unidade de produção de biocombustíveis em Sines é um bom exemplo disso: “Produzimos a partir de óleos alimentares usados e gorduras animais para voltar a produzir combustível que substitui o gasóleo”, afirma Teresa Abecasis, membro do Conselho Executivo da Galp, destacando que a empresa tem uma “produção de 30 a 40 mil metros cúbicos de produto que coloca em circulação”. Para além de se evitar que seja utilizado mais petróleo, a Galp contribui para o tratamento destes resíduos: “Tratar de uma tonelada de água com óleos numa ETAR tem um custo quase equivalente a comprar o próprio óleo e, por isso, é o custo de tratamento do resíduo que também é evitado no momento em que conseguimos fazer esta incorporação”, sucinta.
Esta partilha de projetos foi feita, recentemente, na “Conferência Smart Growth: O papel da Economia Circular” promovida pela Associação Smart Waste Portugal, em parceria com a Fundação de Serralves. Subordinado ao tema “Novos Modelos de Negócio Rumo à Circularidade” coube a Ana Isabel Trigo Morais, CEO da Sociedade Ponto Verde, o papel de moderar o debate.