Um dos desafios que a agricultura enfrenta é a falta de recursos humanos e mão-de-obra qualificada. A isto, soma-se o desinteresse cada vez maior dos jovens para enveredar por este caminho. Quisemos perceber os motivos que estão na origem desta realidade e o que é ser um jovem agricultor em Portugal.
Para ser atrativo, qualquer setor precisa de “estabilidade” nos mercados e nas políticas de apoio, bem como de “boas infraestruturas coletivas”, algo que não acontece em Portugal: “Os nossos regadios são muito deficitários e insuficientes e muitas das estruturas comerciais, que escoam a produção dos agricultores, estão a necessitar de se modernizar, de valorizar os produtos pela qualidade e reconhecimento, pela transformação e pelo marketing”, começa por afirmar Firmino Cordeiro. No entender do diretor-geral da AJAP – Associação dos Jovens Agricultores de Portugal, é necessário fazer um “enorme esforço” para que o setor em Portugal, tal como noutros países da Europa, atinja “maturidade de estabilidade e atratividade”, capaz de “criar junto dos mais jovens mais apetência e procura”. O responsável dá como exemplo os domínios da tecnologia, da digitalização e automação: “É, por si só, um bom atrativo, mas não chega”. Sendo já reconhecido o potencial da agricultura para Portugal e para o resto do Mundo, o diretor-geral da AJAP não deixa de alertar para os desafios e limitações que as alterações climáticas têm trazido, nomeadamente a “fragilidade a que temos exposto os recursos naturais”, nomeadamente o “solo”, as “intervenções negativas nos ecossistemas e na biodiversidade”, associado às “secas profundas” com consequências para a produção agrícola. A isto, soma-se o “crescimento da população mundial” que se tem verificado e que se vai intensificar, obrigando a “produzir o mais possível com menos recursos”, refere. Para Firmino Cordeiro, estes são desafios que vão obrigar a “politicas de incentivo” aos jovens inovadores, empreendedores e possuidores de conhecimento: “O Governos tem de apoiar mais o setor agrícola em todas as suas componentes, pois está muito aquém das necessidades, das expetativas dos agentes do setor e do desenvolvimento e organização do território de que o país tanto carece”. E os incêndios que têm devastado o país são o exemplo do “pouco que se tem feito”, lamenta.
“Um setor depreciado no passado, mas que está em transição”. Esta é a imagem que os jovens têm sobre o setor da agricultura. Quem o diz é Jaime Ferreira, presidente da Direção da Agrobio (Associação Portuguesa de Agricultura Biológica), reconhecendo que os jovens começam a ver que se trata de uma atividade com “oportunidades de trabalho e fundamental para a Alimentação”, um dos principais desafios da Humanidade. Contudo, este passado negativo é, ainda, um entrave para muitos jovens escolherem a agricultura como profissão: “Apesar de ser um setor empreendedor e com futuro, ainda subsiste, de alguma forma, vestígios da imagem passada (“envelhecido e baixo rendimento”), sobretudo junto dos pais e mesmo na comunidade escolar (ensino básico, preparatório e secundário)”, refere Jaime Ferreira. A mudança de paradigma deve passar por um trabalho de “informação e de sensibilização” junto da comunidade escolar, onde se deve privilegiar ações práticas, como “visitas a explorações agrícolas” ou “conversas com os agricultores”. Na ótica da informação, o responsável defende a necessidade de se reforçar e mencionar o “papel do agricultor na sociedade” e, em particular, na “produção de alimentos essenciais à nossa subsistência”. A isto, junta-se a importância de se explicar “o que é a atividade agrícola, como se desenvolve, o seu contributo para o Ambiente, as novas formas de fazer agricultura e, em particular, a Agricultura Biológica”.
A “instabilidade” e os “baixos rendimentos” são dois dos motivos que tornam a agricultura pouco atrativa, resultando no afastamento dos jovens à atividade. Adélia Vilas Boas, da Direção da CNA, acredita que o “risco associado à atratividade” é um fator demovedor: “Na agricultura, tudo pode mudar de uma hora para a outra pela instabilidade nos mercados, pelas questões climáticas, pragas e doenças ou regras fiscais em constante alteração”. Mas a principal razão prende-se com os rendimentos baixos da atividade: “Um trabalho ou uma atividade tem de ter um retorno financeiro que permita uma vida estável e digna e na agricultura é cada vez mais difícil. Até tem piorado com o aumento brutal dos custos de produção, enquanto os preços pagos à produção se mantêm iguais há anos”, atenta. Outro aspeto prende-se com o “encerramento de Serviços Públicos no Mundo Rural” que tem “comprometido a qualidade de vida de quem vive nas aldeias” e, mais uma vez, “afastando os jovens”, constata. Tornar a agricultura mais atrativa implica, desde logo, a “melhoria de preços à produção que, na agricultura, são muito baixos, garantindo justiça na distribuição de valor ao longo da cadeia de produção–distribuição–comercialização agroalimentar”, por exemplo, através da “criação de uma lei que proíba que se pague aos agricultores abaixo do seu custo de produção”. A isto, soma-se a necessidade de “dinamizar os circuitos curtos agroalimentares, com apoios aos mercados locais ou com a preferência obrigatória por produtos alimentares de origem local no fornecimento de cantinas e refeitórios de entidades públicas”, acrescenta. Também ao nível dos apoios, Adélia Vilas Boas defende que “os projetos de instalação e de investimento devem ser ajustados à realidade da Agricultura Familiar” e serem “criadas condições para que as explorações continuem a ser viáveis além dos cinco anos de compromisso obrigatório”, assim como é necessário “dar assistência e condições aos agricultores na fase inicial, uma vez que acabam por não auferir qualquer rendimento”. Outra medida a ser tomada centra-se no “maior investimento em serviços públicos essenciais”, como “centros de saúde, creches, infantários e escolas para que as crianças possam estudar nas suas aldeias, transportes, correios, sem esquecer a cobertura de internet”, exemplifica.
Quem parece corroborar com a mesma ideia são os jovens André Oliveira, agricultor biológico, e Paulo Mota, agricultor com produção convencional e biológica em diferentes sistemas de produção: “Os jovens que olham para o setor vêm-no como pouco rentável, muito dependente de trabalho manual, praticado pela população envelhecida e desvalorizado socialmente e, por isso, com poucas perspetivas de abraçar a atividade no seu futuro profissional”. Algo que também tem contribuído para o afastamento dos jovens ao setor é a “imagem” que se tem colocado ao setor, como sendo “pouco amigo do ambiente e que contribui muito pouco para a sustentabilidade do planeta”, lamentam. Outra razão é o facto de a agricultura ser um setor peculiar: “Não permite muitas vezes tirar férias quando a maior parte da população as goza, não existem fins de semana nem feriados, o que também contribui para tornar a profissão de agricultor pouco apelativa aos jovens”. Algo que estes jovens defendem para que a mudança de paradigma aconteça é, precisamente, “ensinar cedo os jovens e divulgando informação credível ao resto da população”, sobre a “importância do setor” para a “soberania e segurança alimentar” e para a “sustentabilidade económica, social e ambiental das regiões”. Tal como os demais setores da economia, “a agricultura em Portugal soube modernizar-se, incorporou muita inovação tecnológica que torna as tarefas mais fáceis para o agricultor, aumentando a eficiência na gestão dos recursos e a produtividade e um maior retorno económico”, referem, acrescentando que, “para tal, tem contribuído bastante o maior conhecimento científico na área das ciências agrárias e a evolução da tecnologia aplicada”.
“Ser um jovem na agricultura é como as primeiras gotas de chuva depois de um longo verão”. Quem o diz é João Fachadas Pessoa, engenheiro Agrónomo, que não tem dúvidas sobre a importância da agricultura: “É a mais nobre atividade que podemos escolher”. Ainda assim, a idade média dos agricultores portugueses está a caminhar para os 70 anos: “O que mais ouvimos dos nossos governos são ´grandes projetos de apoio à instalação de jovens na agricultura´ e, penso que o grande problema é serem mesmo só projetos”, lamenta. Na verdade, os “novos jovens agricultores são praticamente só filhos e netos de agricultores”, refere João Fachadas Pessoa, constatando que “a principal dificuldade continua a ser o custo de aquisição da terra. É praticamente impossível um jovem comprar terra e conseguir pagá-la com o valor que a terra gera a produzir alimentos”. Apesar do “ótimo trabalho” que as faculdades têm feito, o engenheiro agrónomo do Instituto Superior de Agronomia lamenta que, após o curso, o “choque” da realidade é assustador: “Se não tivermos familiares no setor, a probabilidade de algum dia virmos a ser de facto agricultores é extremamente baixa”. Se “a única forma de fazer uma pequena fortuna na agricultura é começar com uma grande fortuna”, está tudo explicado: “A agricultura é uma atividade económica e, para ser atrativa aos jovens, tem de dar retorno económico”.
O que é que os jovens podem dar ao setor?
Apesar dos riscos já enunciados da profissão, ser um jovem agricultor é “sinónimo de liberdade, de afirmação pessoal e empresarial, de compromisso com o país e a região onde tudo acontece e de sucesso, se a previsibilidade e a gestão equilibrada fizerem parte do seu dia-a-dia”. É nesta ótica que Firmino Cordeiro acredita que os jovens podem dar ao setor da agricultura “esperança aos territórios rurais, mais desenvolvimento e crescimento económico, mais emprego, conhecimento, tecnologia, inovação e digitalização e exportações”.
Reiterando a mesma ideia, Jaime Ferreira considera que ser jovem agricultor, é ter nas “mãos” a oportunidade de “contribuir para a alimentação saudável da Humanidade, em respeito pelo Ambiente e em estreito compromisso responsável com a sociedade”. E, por isso, os jovens são essenciais para a “renovação da atividade”, que está muito envelhecida e, em particular, podem transmitir “nova energia, vinda de novos conhecimentos, domínio de tecnologias, nova visão sobre o futuro e papel do agricultor na alimentação e no Ambiente”.
É na “vitalidade” e no “rejuvenescimento” que Adélia Vilas Boas se centra para justificar o valor que os jovens que queiram enveredar pela agricultura podem dar ao setor: “O rejuvenescimento do tecido agrícola garante a continuidade da produção de alimentos, da construção da Soberania Alimentar do país e a vitalidade do mundo rural”. Sendo a Agricultura Familiar o modelo que incorpora efetivamente os jovens e as suas famílias no mundo rural, a responsável defende a necessidade de “solucionar a perda de rendimento” de que padece.
O “atrevimento, dinamismo e predisposição para o maior risco associado à inovação, propondo abordagens diferentes para resolver os constrangimentos da agricultura”, são os valores destacados pelos jovens André Oliveira e Paulo Mota, que sublinham a facilidade com que introduzem “conhecimento técnico e tecnológico atualizado” a nível da produção e da comercialização: “Um exemplo é a digitalização do setor, que é essencial assegurar, até porque torna a atividade mais atrativa aos jovens”. Desta forma, ser jovem agricultor é ser disruptivo e fugir das atividades “tradicionais” dos jovens urbanizados: “É ter a oportunidade de viver na natureza e produzir alimentos saudáveis e sustentáveis”, afirmam.
Também João Fachadas Pessoa acredita que os jovens têm um grande potencial para dar em todos os setores de atividade: “Estão mais capacitados pelas universidades, com ideias irreverentes e sem os tabus do passado, e por terem a energia para mudar aquilo que até agora ninguém pensou mudar”. No desígnio de “garantir a sustentabilidade dos ecossistemas e das gerações futuras”, os jovens agricultores têm a missão e a obrigação de passar das palavras aos atos, sucinta o jovem.
*Este artigo foi incluído na edição 95 da Ambiente Magazine