No seminário promovido esta semana em Lisboa pela APEMETA, sobre Gestão de Resíduos Urbanos e Industriais, João Letras, diretor do Departamento de Gestão de Resíduos da Sociedade Ponto Verde (SPV) abordou a temática da Economia Circular que tem como desafio e intenção globais manter o valor dos materiais, produtos e recursos, manter os centros de decisão industrial na Europa e reduzir a produção de resíduos. No entanto, numa análise mais ponderada ao novo pacote de medidas, o responsável aponta para a necessidade de “medidas concretas para ‘fechar o ciclo’ dos materiais, promovendo uma verdadeira economia circular”. João Letras lembrou ainda que, com metas de reciclagem mais exigentes, vai-se verificar uma disponibilidade “muito maior e crescente de matérias-primas reciclas” e isso implicará a sua reintorudção na economia. “o mercado europeu vai ser inundado de matérias-primas recicladas que vão ter de ser reintroduzidas na economia e esta reintrodução não está ainda totalmente pensada”, alertou o responsável. O orador reconhece que a Comissão Europeia vai tentar dar o exemplo com as compras públicas verdes, tentando promover o consumo de matérias-primas recicladas, introduzindo também critérios no financiamento dos Estados Membros, “mas deixa a política fiscal a cargo de cada um dos Estados”, acrescenta.
No que se refere à questão da durabilidade, a SPV admite que a intenção é boa, no sentido de aumentar a vida útil dos produtos mas, no que diz respeito a fluxos específicos de resíduos, como os REEE (resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos) há que ter em conta o desafio de se conseguir que o aumento da vida útil dos equipamentos não leve a manter no mercado soluções tecnológicas desatualizadas ou menos eficientes do que as que atualmente estão disponíveis. “Esta medida merece um planeamento cuidado, e isso não está garantido no texto, para não ter um efeito adverso nos ciclos de inovação”, sublinha João Letras.
Por sua vez, no que se refere aos requisitos para sistemas de Responsabilidade Alargada do Produtor (R.A.P.) há uma tentativa de harmonização para que todos os Estados Membros caminhem no mesmo sentido, mas o responsável da SPV adianta que há que ter em conta alguns aspetos, tais como o facto de os sistemas de RAP poderem ver “a sua responsabilidade de custeio alargada ao suporte dos custos totais de gestão dos resíduos abrangidos”. Por outro lado, a introdução da noção de custos otimizados é encarada pela SPV como algo positivo. Já o tema da transparência pode vir a ser problemático para sistemas com concorrência e esta questão merece também “ser focada na gestão de resíduos a montante, quando existe um exclusivo para a recolha e tratamento dos resíduos”, esclarece o orador.
Outro aspeto abordado por João Letras é o facto de os produtores que produzam menos de 20 toneladas por ano estarem isentos de registo. “Poderá ser relevante estudar melhor a medida antes da mesma ser aplicada porque produtores com menos de 20 t/ ano ainda podem ser bastantes e estamos a deixar de fora uma parte considerável”, frisa.
Uma lacuna apontada pela SPV é saber quais os requisitos aplicáveis a países sem RAP. A SPV defende ainda um maior detalhe sobre a autoridade independente exigida em Estados Membros com sistemas de RAP, em concorrência, e alega que não é claro que na divulgação pública das listas de clientes e ecovalores pagos se se trata de valores unitários, totais ou pagos por cliente, sendo um potencial problema em sistemas com concorrência.
Um último ponto abordado por João Letras diz respeito às novas metas e método de cálculo, e aqui o responsável da SPV reconhece que há metas de reciclagem mais ambiciosas mas “arrisco dizer que a meta para 2030 é quase irrealista para alguns materiais”. Para 2030, a meta apontada pela Comissão Europeia é de 85% para metais ferrosos, alumínio, vidro e papel e cartão, sendo 75% para madeira e de 55% para o plástico. Ora, em Portugal, por exemplo, as metas de alumínio “são particularmente difíceis de atingir”, explica o orador. E recorda que há um risco das metas serem atingidas a um custo elvado para os produtors e, consequentemente, para os consumidores. “Preocupa-nos o facto de não ter sido realizado nenhum estudo prévio sobre o impacto económico-financeiro das novas metas”, conclui João Letras.