“O greenwashing compromete a confiança nas iniciativas de sustentabilidade”

Cada vez mais se ouve a palavra greenwashing associada a práticas falsas de sustentabilidade promovidas por empresas. Para entender melhor este conceito, a Ambiente Magazine falou com Ana Costa, Sustainability and Blue Economy Director na Beta-i.

Qual a definição de greenwashing?

O greenwashing é a prática de enganar consumidores ao apresentar produtos ou serviços como mais sustentáveis do que realmente são. Envolve alegações infundadas ou exageradas que criam a ilusão de um impacto ambiental positivo, quando, na realidade, estas práticas ocultam ações prejudiciais para o meio ambiente. Exemplos comuns incluem o uso de imagens verdes, rótulos enganosos e a omissão de compromissos reais. Casos de marcas de fast-fashion, que lançam coleções “sustentáveis”, com materiais reciclados enquanto mantêm cadeias de produção insustentáveis, ilustram como o greenwashing mascara impactos reais.

Segundo a Comissão Europeia, 53% das alegações ambientais fornecem informações vagas ou enganosas e 40% não possuem suporte factual. Estes números mostram como o greenwashing é generalizado, desacelerando a verdadeira transformação ambiental e desvalorizando esforços genuínos. Felizmente, estão a ser tomadas medidas para combater esta prática. A Diretiva (UE) 2024/825, aprovada em janeiro de 2024, proíbe alegações ambientais enganosas e exige que as empresas fundamentem as suas comunicações com dados verificáveis. É um passo importante para proteger os consumidores e promover a responsabilidade corporativa.

Como é que o greenwashing se pode tornar numa prática perigosa?

O greenwashing compromete a confiança nas iniciativas de sustentabilidade, criando uma falsa impressão de progresso ambiental. Esta prática desvaloriza esforços genuínos, perpetua práticas insustentáveis e retarda a transição para uma economia verde. Para os consumidores, promove desinformação e dificulta escolhas conscientes, desviando-os de opções genuinamente sustentáveis. Como consequência, muitas famílias acabam por investir em produtos que apenas aparentam ser ecológicos, mas que não cumprem o impacto ambiental prometido.

Para os investidores, o greenwashing distorce a perceção de risco e direciona capital para empresas que não cumprem critérios ESG reais, resultando em alocações ineficazes e aumentando o risco financeiro. Esta dinâmica prejudica também a credibilidade das métricas ESG, atrasando o progresso em financiamento de soluções genuínas.

A nível global, o greenwashing retarda o progresso em áreas críticas como a mitigação das alterações climáticas e a preservação da biodiversidade, desviando recursos de soluções reais. Além disso, esta prática perpetua uma competição desleal entre empresas verdadeiramente comprometidas e aquelas que mascaram os seus impactos negativos com campanhas enganosas.

Com consumidores mais conscientes e uma crescente literacia ambiental, a pressão sobre as empresas está a aumentar. Regulamentações como a Diretiva (UE) 2024/825 e movimentos cívicos estão a exigir práticas mais transparentes, enquanto empresas que abraçam a autenticidade começam a beneficiar de uma vantagem competitiva.

Quais as consequências?

As consequências do greenwashing são profundas, afetando consumidores, investidores, empresas e o progresso global em direção à sustentabilidade. Para os consumidores, promove desinformação, dificultando escolhas conscientes e alimentando a desconfiança em iniciativas ambientais. Este impacto é ainda mais severo quando famílias investem em produtos supostamente ecológicos, que acabam por não ter o impacto prometido, prejudicando financeiramente quem procura fazer escolhas responsáveis.

Para as empresas, as consequências podem ser devastadoras. A exposição de práticas de greenwashing resulta frequentemente em danos reputacionais irreparáveis, perda de consumidores, redução de valor de mercado e penalizações legais. A nova diretiva prevê sanções para práticas enganosas, obrigando as empresas a reverem as suas estratégias de comunicação e marketing. Além disso, empresas que optam por atalhos em vez de transformação real perdem competitividade num mercado que valoriza cada vez mais autenticidade e impacto positivo.

Apesar de tudo isto, os sinais de mudança estão a emergir. O aumento da literacia ambiental entre consumidores e a regulamentação mais rigorosa da União Europeia estão a acelerar a adoção de práticas mais responsáveis. Empresas que priorizam a sustentabilidade genuína não só evitam as consequências negativas do greenwashing, mas também se posicionam como. O futuro pertence a quem aposta na integridade.

Como é que as pessoas podem distinguir a verdadeira transformação sustentável de “propaganda greenwashing“?

Distinguir uma verdadeira transformação sustentável de práticas de greenwashing requer atenção aos detalhes e uma análise crítica das alegações feitas pelas empresas. Organizações genuinamente comprometidas com a sustentabilidade fornecem dados concretos, relatórios auditáveis e metas claras e mensuráveis. Em contrapartida, o greenwashing muitas vezes recorre a generalidades, linguagem vaga e símbolos visuais enganosos, como rótulos verdes sem certificação reconhecida. Para identificar aquelas que são transformações reais, a transparência é um fator essencial. As empresas que estão verdadeiramente comprometidas tornam públicos os seus dados, relatórios de impacto e certificações reconhecidas, como ISO 14001 ou B Corp.

Além disso, a consistência é um elemento-chave: uma transformação sustentável deve ir além de campanhas pontuais e refletir-se em todas as áreas da operação da empresa, desde a cadeia de valor até aos seus produtos finais. Outro indicador importante são as certificações de confiança, como FSC, Fair Trade e EU Ecolabel, que garantem o cumprimento de critérios rigorosos e processos de auditoria regulares.

Os consumidores, quando bem informados, têm o poder de questionar, investigar e exigir maior clareza, desempenhando um papel fundamental na diferenciação entre esforços autênticos e práticas enganosas. O seu papel crítico e ativo é essencial para fomentar um mercado mais transparente e responsável.

Que exemplos reais pode dar desta prática?

O greenwashing está presente em diversos setores e varia desde práticas subtis até casos mais flagrantes. Alguns exemplos que podemos destacar são a indústria da moda – especialmente em marcas fast-fashion – que lança coleções supostamente sustentáveis, utilizando materiais reciclados, mas continuam a operar com cadeias de produção de alto carbono, baixos salários e exploração de recursos naturais em excesso. Também nos produtos de consumo, onde a utilização de rótulos ‘eco’ em detergentes ou cosméticos é frequente, embora falhem em cumprir padrões de produção limpa, testes éticos ou ingredientes verdadeiramente sustentáveis. Além disso, podemos ilustrar o greenwashing com as embalagens plásticas, que muitas marcas promovem como plásticos recicláveis, ainda que os sistemas de reciclagem não suportem os volumes ou materiais promovidos, o que resulta num impacto ambiental contínuo e, nalguns casos, ainda maior do que a matéria prima “original”. Estes exemplos mostram que é essencial investigar além das campanhas de marketing e procurar provas de que os compromissos ambientais das empresas são reais.

Como se pode combater o greenwashing?

Combater o greenwashing exige uma abordagem colaborativa, que envolva empresas, governos e consumidores. Uma das ações mais importantes é o reforço das regulamentações. A implementação de diretivas como a referida é um passo fundamental, pois exige provas concretas para as alegações ambientais. Estas regulamentações não ajudam apenas a proteger os consumidores de práticas enganosas, como também promovem condições de concorrência mais justas entre as empresas. Além disso, a educação e a literacia ambiental desempenham também um papel crucial, uma vez que consumidores bem informados são menos suscetíveis a campanhas de greenwashing. Iniciativas de educação podem ajudar a desenvolver competências críticas, como a análise de alegações ambientais e a identificação de certificações confiáveis. Além disso, a realização de auditorias independentes é essencial para reforçar a credibilidade das alegações feitas pelas empresas. Submeter práticas a avaliações externas não só desencoraja comportamentos enganosos, como também fortalece a confiança dos stakeholders. Os movimentos cívicos têm um papel igualmente relevante. Grupos organizados podem expor práticas de greenwashing, pressionar empresas a adotar mudanças genuínas e amplificar as vozes dos consumidores na exigência por maior responsabilidade corporativa. Por fim, é essencial incentivar as boas práticas. Além de penalizar o greenwashing, reconhecer e premiar empresas que demonstram compromissos reais com a sustentabilidade ajuda a promover exemplos de transformação autêntica. Ao combinar estas ações, será possível construir um mercado mais transparente e responsável, onde práticas sustentáveis genuínas sejam a norma.

O que as empresas devem realmente fazer para tornar a sua atividade mais sustentável e em conformidade com o ESG?

Para alcançarem uma verdadeira sustentabilidade e conformidade com critérios ESG, as empresas precisam de ir além de campanhas superficiais e adotar estratégias robustas e transformadoras. O primeiro passo é realizar diagnósticos completos para mapear os impactos ambientais, sociais e de governança em toda a cadeia de valor, identificando os principais desafios e oportunidades. Com base nisso, as empresas devem definir metas claras e mensuráveis, alinhadas com critérios ESG, acompanhadas de prazos e indicadores que permitam avaliar o progresso de forma objetiva. A adoção de princípios de economia circular é igualmente crucial, pois reduzir resíduos, reutilizar materiais e integrar práticas circulares são estratégias eficazes para minimizar impactos ambientais. Paralelamente, a transparência total deve ser uma prioridade. Relatar desafios e progressos de forma honesta, com dados concretos e validados externamente, não apenas fortalece a confiança dos stakeholders, como também demonstra um compromisso genuíno.

Outro fator essencial é a inovação para a sustentabilidade. Investir em tecnologias e soluções que promovam impacto positivo, como a adoção de energias renováveis e a implementação de processos mais eficientes, deve ser o motor da transformação. Além disso, é fundamental envolver os stakeholders no processo de tomada de decisão, incluindo os consumidores, colaboradores e parceiros. Esta abordagem inclusiva aumenta a legitimidade das práticas adotadas e fomenta um compromisso partilhado.

A verdadeira sustentabilidade é um processo contínuo que exige compromisso genuíno. As empresas que assumam esta responsabilidade estarão mais bem posicionadas para prosperar num mercado que valoriza, acima de tudo, a autenticidade, inovação e impacto positivo.