O setor florestal tem cada vez mais um lugar cimeiro na agenda política. A Ambiente Magazine quis saber junto de João Ferreira do Amaral, professor catedrático do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa, quais os desafios e oportunidades de um setor que, cada vez mais, está a merecer a atenção de todos.
“É um dos mais importantes de toda a estrutura produtiva”, diz o docente, destacando que, em ano normal, o setor florestal “contribui com cerca de 10% para as exportações de mercadorias”, algo que é “fundamental” do ponto de vista ambiental. E, além da redução de carbono que é uma das “componentes básicas da economia circular”, este setor tem um “impacto muito positivo na economia do interior do país”, sustenta. Assim, do ponto de vista do docente, nenhum outro setor de atividade apresenta todas estas valências em simultâneo. Além de que, toda a “fileira florestal” está “crucialmente dependente da produção das florestas” do país, refere.
Questionado sobre aquele que parece ser o grande problema do setor, João Ferreira do Amaral considera que tem que ver o facto de “não produzir o que poderia produzir em termos económicos” e “em termos da sua função de sumidouro de carbono”, algo que está interligado como o “desinvestimento de décadas na floresta” e na “consequente desorganização” que a atividade evidência. Assim o crescente “desinteresse generalizado”, quer por parte dos sucessivos governos, quer por parte de muitos proprietários, originou ao chamado círculo vicioso: “A ausência de investimento na floresta origina maior risco em termos de incêndios, pragas e doenças, o que, por sua vez, desincentiva ainda mais o investimento”.
Compensações vs Penalizações
A questão que se coloca é: “Como é que se faz uma boa gestão da floresta nacional?”. Tratando-se de um setor cuja atividade produz “externalidades positivas e negativas importantes”, o docente diz que, necessariamente, tem de haver uma “regulação estatal afirmativa”, ao contrário de outros setores. Assim os “efeitos positivos”, ou seja as “externalidades positivas”, como por exemplo os “efeitos benéficos da retenção de carbono”, devem, segundo João Ferreira do Amaral, ser “compensados pelo Estado” e os “efeitos negativos (por exemplo, quem não cuida da sua floresta pode ajudar a propagar um incêndio para as explorações de quem cuida) devem ser penalizados”. Para além da gestão “macroflorestal” que é da “responsabilidade do Estado” e que na sua “esmagadora maioria é propriedade de privados”, o docente afirma que existe, igualmente, o “nível microflorestal da gestão do proprietário”, tal como em todos os outros setores de atividade. E dado o facto de muitas explorações não terem dimensão suficiente para permitirem uma gestão adequada existe, ainda, o “nível mesoflorestal, da gestão agrupada que é essencial desenvolver”, acrescenta. Mas, infelizmente, em “todos estes níveis tem havido insuficiência de gestão”, refere, destacando, desde logo, o “Estado que se desinteressou pela floresta durante muitas décadas” e “só terá acordado com as tragédias de 2017”.
Relativamente à recuperação do país no pós-pandemia, não restam dúvidas de que o setor florestal tem muitas valias económicas e, que, uma “aposta persistente” será uma das “mais ganhadoras a prazo”, refere. Mas, “não é evidentemente um setor que se possa desenvolver de um ano para o outro”, sustenta. Há ainda quem fale da necessidade de um novo modelo de negócio. João Ferreira do Amaral considera que, o modelo económico deve, acima de tudo, assegurar uma “agenda muito exigente e diversificada” que “não se compadece com instituições administrativas fracas” e “desleixo político”. Assim, primeiramente, o Estado deve garantir que existem as condições básicas para que o investimento na floresta seja rentável: “Não nos podemos deixar enganar sobre esta matéria”, sustenta. E, segundo o docente, qualquer património e, em particular, o património florestal só será preservado e desenvolvido se tiver sustentabilidade económica: “Sabemos isso relativamente ao património histórico edificado e também relativamente às próprias florestas em resultado do desinvestimento das últimas décadas”. Assim sendo, cabe ao Estado “realizar mais rapidamente do que tem sido feito um cadastro da propriedade nas zonas que o não tenham”, bem como “instituir um sistema de compensação das externalidades positivas e efetivar aquilo que já existe relativamente às penalizações das externalidades negativas”. Além disso, o Governo deve “apoiar a gestão agrupada e incentivar a florestação de forma harmónica” tendo em conta, em especial, “as espécies que atualmente têm mais impacto económico”, como o “pinheiro bravo, o eucalipto e o sobreiro”. Depois, o Estado deve, também, “persistir na redução do risco sistémico” (proveniente de factores gerais que não têm a ver com a gestão individual), em particular, no “combate aos incêndios” e às “pragas e doenças”, acrescenta. Finalmente, reforça o docente, deve “incentivar a certificação florestal” e “apoiar o desenvolvimento do conhecimento sobre florestas e incêndios”, tal como se “começou a realizar com a recente fundação do laboratório colaborativo ForestWise”.
E os agentes envolventes? João Ferreira do Amaral refere que, o fundamental, é que “os proprietários de explorações de dimensão muito reduzida se resolvam a fazer parte de uma organização de gestão agrupada” e que “todos os proprietários avancem no sentido de certificar as respetivas explorações”. Por isso “é tão importante que o Estado”, através de “instrumentos fiscais ou financeiros” incentive ambas as coisas, reforça.
[blockquote style=”2″]Há debilidades (na democracia) que não devem ser escamoteadas[/blockquote]
Relativamente a outros países, o docente destaca que a “cobertura florestal” em Portugal é “mais importante do que na maior parte dos países da União Europeia” havendo “capacidade para aumentar” ainda mais. Além disso, recorda o responsável, a “nível da fileira da cortiça somos líder mundial”.
A nível político, João Ferreira Amaral considera há “debilidades que não devem ser escamoteadas”. E uma delas é na generalidade a “míope nos prazos políticos” ou seja, “as necessidades de longo prazo são muitas vezes preteridas face à luta política de curto e médio prazo” que é a “essência da alternância democrática”, refere. Sendo o setor florestal, pela sua própria natureza, um setor que “exige políticas de prazo longo sofre bastante com esta debilidade da democracia”. Mas, a problemática pode ser ultrapassada, se “houver um largo consenso político sobre os objetivos do desenvolvimento florestal”; se “o Estado, para efetivar a macrogestão do setor, criar instituições administrativas sólidas e tecnicamente capazes, relativamente protegidas das danças de lugares decorrentes da alternância política”; e se “continuarem a existir e a ter intervenção activa associações de agentes económicos e de cidadãos em geral no âmbito da floresta e do ambiente”. E com os fundos comunitários decorrentes do Plano de Recuperação e Resiliência “passou a ser possível dotar a ação do Estado na floresta com financiamento suficiente”, deixando, portanto, de “haver a desculpa da falta de dinheiro”, declara. E, vinca o docente, se a política florestal não avançar é porque os políticos falharam: “Por isso não tenho dúvidas que a política florestal ou a ausência dela será importante na avaliação futura da capacidade da atual geração de políticos”.
Que cenário prevê para daqui a 30 anos?
Prevejo que a força das coisas irá prevalecer e que iremos ter um setor florestal sustentável do ponto de vista económico, social e ambiental contribuindo ainda mais do que contribui hoje para a nossa economia e para o bem-estar ambiental do país.