Foi criada há 20 anos por um grupo de empresários portugueses que percebeu que o século XXI iria assentar em dois vetores: a transformação digital e a transição para a sustentabilidade. Hoje, o Business Council for Sustainable Development (BCSD Portugal) é a maior associação empresarial de empresas multinacionais em prol da sustentabilidade. Faz parte da rede global WBCSD (World Business Council for Sustainable Development), criada há 26 anos e que resultou de um compromisso da Cimeira da Terra que ocorreu em 1992, no Rio de Janeiro. Para assinalar esta duas décadas, convidamos João Wengorovius Meneses, secretário-geral do BCSD Portugal, para uma entrevista, onde, por um lado, ficou claro o orgulho e o otimismo no caminho que as empresas têm pela frente e, por outro, o pessimismo nos compromissos mundiais face ao Acordo de Paris.
Certamente que se recorda do primeiro dia em que aceitou o cargo para presidir o BCSD Portugal. Por que motivo aceitou?
“Aceitei o desafio porque acredito muito em soluções de emprego que tenham um propósito. O que me realiza, efetivamente, é poder através do meu trabalho dar um contributo para algo maior do que vender produtos ou bens de grande consumo no mercado. Este é um emprego que tem essa dimensão de propósito, uma identidade maior do que um emprego convencional de gestão”.
Como é que é presidir o BCSD Portugal? Que responsabilidade acarreta?
“Como todos os empregos, como todos os cenários profissionais, nunca há soluções perfeitas e todos nos confrontamos no dia-a-dia com desafios. Este [cargo] tem dois tipos de desafios diferentes: os de- safios micro e os macro. Do ponto de vista micro, a nossa missão é ajudar as empresas a serem mais sustentáveis e esse é um grande desafio para as empresas. Em Portugal, as empresas não são todas iguais – há pequenas, médias e grandes empresas, os setores são muito diferentes entre si e as geografias de atuação também – e é um desafio ser capaz de encontrar interesses comuns e conciliá-los em prol de uma causa maior, a sustentabilidade. Já do ponto de vista macro, há o desafio de não nos deixarmos esmorecer, abater, frustrar e desistir, dada a dificuldade que a agenda da sustentabilidade tem, a nível global, tanto na dimensão ambiental, como na social. Por exemplo, do ponto de vista social, podíamos resolver desigualdades de forma tão simples e continuamos e ganhar a não tomar decisões em prol dos mais pobres e excluídos.
Ao longo destes 20 anos, que feitos marcantes conseguiu esta associação? Que mudanças estruturais foram conseguidas em prol do ambiente?
“O BCSD Portugal tem evoluído na sua forma de atuar. Nos primeiros quinze anos, o trabalho foi, sobretudo, de sensibilização, formação das empresas e de juntar um grupo de empresas significativas: hoje, temos 134 membros que representam cerca de 10% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional. Mas as empresas, há 10 ou 15 anos, não tinham o grau de maturidade, de compreensão do tema da sustentabilidade e da urgência de ação, que têm hoje. Por exemplo, o programa “Young Leaders” ajudou na formação de futuros gestores, engenheiros e designers, que hoje já assumem lugares de responsabilidade nas empresas. Mas, hoje, percebemos que temos de dar às empresas mais do que “apenas” conhecimento, temos de lhes dar acesso a soluções para que possam avançar na jornada para a sustentabilidade e transformar as suas cadeias de valor. Isso faz-se de conhecimento: continuamos a dar formação mais especializada, densa e completa, mas também damos a possibilidade às empresas de desenvolverem projetos concretos e, ao adotarem esses projetos, tornarem os seus modelos de negócio mais sustentáveis. Por exemplo, o “act4nature”, lançado em França em 2018, é um projeto onde, para serem signatárias, as empresas têm de assinar dez compromissos genéricos de proteção e valorização da natureza e, além disso, têm de adotar, pelo menos, duas medidas muito concretas de valorização da biodiversidade. Outro exemplo é o Pacto da Mobilidade Empresarial de Lisboa (PMEL), que lançámos com a Câmara Municipal de Lisboa e com o WBCSD, para ajudar as empresas a fazer a transição para soluções de mobilidade mais sustentáveis. Nesse pacto, existem 24 medidas possíveis – tais como, equipar a empresa com duches para quem vai de bicicleta, ter frotas de bicicletas, ter parqueamento especial para carros elétricos ou carregadores – e as empresas que querem ser signatárias terão de adotar pelo menos duas medidas. Vamos agora lançar este projeto na cidade de Braga. Quer no “act4nature”, quer no PMEL, que já são iniciativas do BCSD Portugal da nova geração, não há mesmo espaço para greenwashing, porque as empresas signatárias têm mesmo que adotar medidas validadas por um “Advisory Board” composto por especialistas isentos. Dando mais um exemplo, na Conferência Anual do BCSD Portugal, que teve lugar no final de novembro, lançámos o portal Jornada 2030 , o qual partiu da Carta de Princípios do BCSD Portugal, mas a levou mais longe em termos de concretização, transformando-a em 20 objetivos, metas e indicadores. As empresas, agora, têm uma bússola, com metas, objetivos e indicadores para que possam transformar as suas cadeias de valor. Através do portal, podem fazer um autodiagnóstico do seu grau de maturidade, do ponto de vis- ta da sustentabilidade e naquilo em que pontuam pior e, de acordo com esses indicadores , melhorar. Hoje a nossa atuação tem de ser de capacitação para a ação. Talvez por isso o BCSD Portugal acabe de ganhar o prémio Euronext Lisbon, na categoria “Sustainable Finance”, com o seu novo portal sustainablefinance.pt, o qual pretende ser um marketplace de soluções práticas de financiamentos para as empresas”.
Que mais-valias continua a ter uma empresa que se junta ao BCSD Portugal em prol da luta pela sustentabilidade ambiental?
“As empresas têm dois tipos de motivação. Por um lado, têm os stakeholders a pedir-lhes que façam esta transição, nomeadamente, os clientes a quererem consumir com propósito e com impacto positivo, os reguladores a exigir cada vez mais, os investidores a pedir que não tenham só retorno económico, e os colaboradores que querem trabalhar num espaço com propósito. De facto, há cada vez mais empresas que não querem ser as melhores do mundo, mas sim as melhores para o mundo. O século XX viu aparecer e crescer o fenómeno das empresas centradas na produtividade e no lucro, o século XXI vai ver aparecer e crescer outro tipo de empresas, com outro tipo de ambição. Por outro lado, a sustentabilidade é uma enorme oportunidade de investimento e negócio. As aplicações dos fundos europeus têm um valor recorde para a década de 2030 e, basicamente, há duas agendas na atribuição desses fundos – transformação digital e sustentabilidade social e ambiental. As empresas já perceberam que as finanças do futuro também serão verdes e, portanto, se querem financiar os seus negócios têm de ser mais verdes, ou seja, há cada vez mais oportunidades de financiamento que procuram projetos e modelos de negócio sustentáveis”.
No processo de transição do modelo linear para um modelo circular, o que difere de uma peque- na e média empresa para uma grande empresa?
“A circularidade é um tema que, para além de de- pender da empresa (dimensão micro), também depende de dimensões mais meso e macro, que não são diretamente controláveis pelas empresas. Por exemplo, Portugal tem falhado as metas euro- peias do PERSU e, do ponto de vista sistémico (macro), ainda não temos o sistema suficientemente bem montado ou oleado. Há muitas afinações que temos de fazer, para que se possa tornar o nosso modelo económico mais circular. E isto não é responsabilidade direta das empresas: é do Estado ou dos Organismos Públicos. A nível meso, há uma dimensão que ainda não está assegurada que é o papel que cabe às associações empresariais setoriais. Faz muita falta ter mais associações empresariais setoriais a fazer parcerias com faculdades ou centros de investigação para investigar novos materiais e soluções de design, por exemplo. O tecido empresarial português é eminentemente pequenas e médias empresas que não têm capa- cidade de inovação e desenvolvimento, tendo de o fazer, de forma agregada, através das associações empresariais dos vários setores. Por último, ao nível micro, surgem as empresas. A este nível, o nosso tecido empresarial ainda é muito conservador e pouco dado à inovação. Ao nível micro, falta disponibilidade para inovação em sustentabilidade. A circularidade obriga à inovação”.
Esta é a primeira parte da grande entrevista que foi incluída na edição 92 da Ambiente Magazine.