No Algarve “o regadio tem vindo a desenvolver-se nos últimos anos muito na base da iniciativa individual dos agricultores”

Na passada sexta-feira, 31 de março, a CAP (Confederação dos Agricultores em Portugal) promoveu uma conferência na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, para falar da gestão da água no setor agrícola. Neste encontro foi apresentado o documento estratégico “Água e Agricultura”, de Pedro Cunha Serra, que já ocupou a presidência do Instituto Regulador de Águas e Resíduos ou do Grupo Águas de Portugal e que ainda coordenou os trabalhos de elaboração do Plano Nacional da Água.

Num texto que contempla a importância da gestão da água na atividade agrícola, há um foco principal no Plano Nacional de Regadios (PNR), que apresenta um roteiro por quatro regiões distintas (zonas homogéneas), cada uma “com características próprias no que toca aos solos, às culturas praticadas, à acessibilidade e abundância dos recursos hídricos e ao tipo de propriedade”.

A Zona Homogénea 1 estende-se ao Algarve e Sudoeste Alentejano e assinala “os casos dos perímetros de rega do Mira, do Alvor, de Benaciate e de Silves, Lagoa e Portimão”. Como Pedro Cunha Serra avança no documento, “a aposta vai para a melhoria da eficiência hídrica e energética, com a redução das perdas de água na adução e a promoção de métodos de rega mais eficientes”.

No Algarve, onde o regadio não se circunscreve aos perímetros de rega enunciados no PNR, o próprio regadio “tem vindo a desenvolver-se nos últimos anos muito na base da iniciativa individual dos agricultores que recorrem aos recursos hídricos dos aquíferos da região”. Está a falar-se de dezenas de milhares de hectares de regadio particular, contra apenas cerca de 6.400 hectares de regadio público.

Pedro Cunha Serra dá ainda ênfase ao perímetro de rega do Sotavento Algarvio, que “é já muito eficiente na forma como utiliza a água, estando no entanto a área regada ainda longe de ter atingido os valores da área equipada de projeto, embora tenha vindo a crescer nos anos mais recentes graças à introdução de novas culturas, com destaque para o abacate, e ainda pela expansão do regadio de outras frutícolas destinadas a satisfazer a procura dos mercados da Europa Central”. 

Já no Algarve e Mira a situação “merece alguma preocupação”. Em 2018 e em 2020 “esteve-se à beira da rutura e esgotamento dos recursos devido à competição que se instalou entre os seus vários utilizadores”, todos eles com uma presença forte na região: os municípios, o turismo e a agricultura. 

Tendo em vista encontrar soluções para o défice hídrico que se vive na região do Algarve, a APA (Agência Portuguesa do Ambiente) desenvolveu, com a colaboração da DGADR (Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural), um Plano Regional de Eficiência Hídrica, que apontou soluções como a dessalinização, a reutilização das águas residuais tratadas e o reforço da captação de água nos afluentes da margem direita do rio Guadiana.

Neste seguimento, o documento estratégico dá conta que se a água dessalinizada, que é uma das soluções que está a ser ponderada para suprimir o défice hídrico, for dedicada ao abastecimento urbano e consumo humano, e se a água residual com origem nas ETAR da Águas do Algarve, que é já hoje objeto de um tratamento avançado devido às exigências de qualidade colocadas a estes efluentes que são descarregados no litoral, “então ficarão facilmente disponíveis mais umas quantas dezenas de milhões de metros cúbicos de águas superficiais e subterrâneas que poderão ser utilizadas na agricultura”.

Na verdade, “os agricultores do Algarve não ficaram à espera do Estado e avançaram para a modernização das suas práticas agrícolas e para a inovação, pois cada gota de água que extraem dos aquíferos ou das albufeiras da região tem os seus custos suportados por eles”. Todavia, há centenas de agricultores que dependem de soluções também públicas, de muito menor dimensão, como charcas, pequenos açudes e barragens, captações de águas subterrâneas.

Quanto à bacia do Mira, uma das primeiras obras integrantes do Plano de Rega do Alentejo, o respetivo perímetro de rega, cujas necessidades hídricas dependem fundamentalmente das águas represadas na albufeira de Santa Clara, “é hoje muito procurado para a plantação de culturas de alto rendimento, tais como a relva para campos de jogos, as florícolas, a batata doce, os mirtilos e as framboesas”. Assim, aponta-se a necessidade de reforçar a origem desta água, pelo alteamento da barragem, pela reabilitação e impermeabilização do canal condutor geral ou pela instalação de uma estação elevatória.

O PNR admite financiar praticamente todos os sistemas públicos de rega de alguma dimensão. Mas para que o objetivo seja alcançado “vai ser necessário resolver o problema do défice hídrico estrutural que se observa na região”. Um passo para essa cooperação existe neste momento na forma da Comissão de Gestão de Seca do Algarve, criada em 2019, que tem vindo a funcionar como plataforma de diálogo entre parceiros sobre a gestão dos recursos hídricos da região.

 

*Este artigo teve como fonte o documento estratégico “Água e Agricultura” e centra-se na zona algarvia.