“Não podemos ter todas as nossas fichas a pensar que há uma tecnologia milagrosa que nos vai safar de tudo”
Foi lançado na passada sexta-feira, 18 de junho, o CIRCO Hub Portugal, um programa que surgiu, em 2015, nos Países Baixos e que se baseia na aplicação do design e design thinking ao desenvolvimento de produtos, serviços e modelos de negócio circulares. Em Portugal, desenvolve-se no âmbito de um Protocolo de Colaboração Técnica e Financeira entre o Fundo Ambiental, o LNEG (Laboratório Nacional de Energia e Geologia), o IAPMEI (Agência para a Competitividade e Inovação) e a APA (Agência Portuguesa do Ambiente) e consiste na implementação do programa holandês CIRCO.NL (Creating Business through Circular Design).
Na sessão de abertura, Inês dos Santos Costa, secretária de Estado do Ambiente, começou por lembrar que, nas últimas décadas, o conceito sustentabilidade tem sido usado em contextos distintos, acabando, muitas das vezes, por se transformar num conceito “green moching” das empresas, indústrias, entidades, atividades ou projetos: “As várias interpretações e multiplicidades de assuntos em torno da sustentabilidade acaba com que olhemos para a árvore, mas que falhemos a ver a floresta”. E, na verdade, sustenta Inês Costa, isso é a chamada “visão sistémica”, que é “dar um passo atrás e ter a humildade de reconhecer que o problema é multidimensional e, talvez, mais abrangente do que o foco na descarbonização do sistema energético, por exemplo”. Por isso, acredita a secretária de Estado do Ambiente, o CIRCO será uma “oportunidade boa” para abordar os fatores que fazem sentido pensar em conjunto: “Vai ser interessante para as empresas, gestores e designers que vão abraçar este desafio”.
Mas voltando à temática, Inês Costa reitera pela necessidade da “sustentabilidade” em “pensar numa nova forma de visualizar” e, ao mesmo tempo, “entender que não é um alinhamento momentâneo”, mas sim um “organismo vivo com vasos comunicantes nos vários sistemas: temos de transpor isto para as várias fases da nossa sociedade”. Aliás, reforça a responsável, o gráfico da oferta e da procura não está a flutuar no infinito: “Há um círculo à volta e que se chama círculo natural”. Por isso, aos dias de hoje, “um gestor de uma empresa, um arquiteto ou um engenheiro que não compreenda a termodinâmica de sistemas naturais e como tem influência na sociedade e na economia é, de facto, alguém que não está preparado para atender aos desafios a que hoje já estamos a ser sujeitos”, defende. Depois, “não podemos fazer depender (a sustentabilidade) unicamente das novas tecnologias e dos novos materiais”, atenta, reiterando que “muito está na conceção: não podemos ter todas as nossas fichas a pensar que há uma tecnologia milagrosa que nos vai safar de tudo e mais alguma coisa”. Em alguns aspetos, até pode ser possível, reconhece, dando como exemplo a descarbonização da economia: “Mas o mesmo não se aplica quando falamos de resíduos, poluição, recursos ou materiais que estão a desaparecer, como os microchips, que, a nível global, começa a haver falhas no fornecimento”. Portanto, Inês Costa defende que as questões tecnológicas nem sempre podem ser a respostas para tudo: “Temos de redesenhar a maneira como produzimos, como consumimos, como colocamos o produto no mercado e como é que o gerimos ao longo do seu ciclo de vida”. Tão importante, quando se fala em economia circular, precisa a secretária de Estado do Ambiente, é a forma como se pode alterar o “fabrico” ou o “tecido económico e social”, de forma a que seja custo-eficaz e racional (reduzir, reutilizar e remanufaturar): “Temos, de facto, que tornar outra vez lógico aquilo que é mais eficaz e mais eficiente para o nosso dia-a-dia, sem desperdiçar graus de bem-estar social que dependemos”. E, por isso, aqueles que devem ser os princípios que devem orientar a mudança, assentam, essencialmente, no modo como se “desenha, concebe, usa e gere”, apontando para a “durabilidade, suficiência, localização” e para “eliminar materiais tóxicos” do sistema de valor: “Temos de trabalhar as energias renováveis, ter atenção a origem dos materiais e ter um sistema de produção que consegue devolver mais do que aquilo que tira”, sustenta.
Voltando ao CIRCO, Inês Costa acredita que todas as “interações” que surgirão deste programa farão “crescer o grupo de pessoas” que fazem as coisas acontecer: “São mudanças estruturais em que vamos perceber que as empresas, engenheiros, designers, gestores e economistas têm que começar a preparar-se a sério para conseguir entregar valor, assumindo estes princípios até fim”. Em suma: “Não podemos continuar a dizer que queremos caminhos verdes ou queremos ser ambientalmente mais ecológicos, mas depois não estamos dispostos a mudar”, remata.
O CIRCO tem como objetivo principal incentivar a economia circular através do design, recorrendo a um programa de formação testado e com uma elevada taxa de sucesso. As entidades / empresas que participarem no programa, vão contribuir para o desenvolvimento de uma economia mais circular, em que os produtos e materiais são reutilizados e retêm o seu valor. Em Portugal, a formação inicia-se em setembro de 2021 e destina-se a empresas responsáveis pela fabricação de produtos e profissionais de design que tenham interesse em aplicar estratégias e práticas para desenvolver o seu negócio de acordo com princípios de economia circular.