Por: Paulo Praça, presidente da ESGRA – Associação para a Gestão de Resíduos
A atividade de gestão de resíduos urbanos consiste no desenvolvimento de um conjunto de operações que integram as etapas de recolha, transporte, triagem, valorização e eliminação dos resíduos que resultam do consumo de bens e serviços por parte da população. Os sistemas de gestão de resíduos englobam dois grandes fluxos em função do tipo de recolha efetuada: recolha indiferenciada e recolha seletiva, atualmente, vidro, papel e plástico, mas a curto prazo outros como os resíduos orgânicos (restos alimentares e de jardinagem), os têxteis, colchões e mobiliário…
Trata-se de uma atividade fundamental ao bem-estar geral e segurança das populações, à saúde pública, às atividades económicas e à proteção do ambiente, sendo por isso classificada como um serviço um serviço público essencial de caráter estrutural, razão pela qual o seu exercício está sujeito a um conjunto de princípios, entre os quais se destacam a universalidade de acesso, a continuidade, eficiência e qualidade do serviço e a equidade de preços.
Nos últimos 20 anos assistiu-se a uma evolução significativa desta atividade, em particular no período de 1995 e 2005, com o início de um novo modelo de gestão de resíduos urbanos, culminando com o encerramento de todas as lixeiras em Portugal e a construção de infraestruturas adequadas de gestão de resíduos urbanos, permitindo que atualmente toda a população de Portugal continental se encontre coberta por entidades responsáveis por assegurar a gestão dos resíduos urbanos produzidos.
A prestação dos serviços de gestão de resíduos encontra-se classificada com as designações de alta e baixa, consoante as atividades realizadas pelas várias entidades responsáveis, que correspondem, respetivamente, às atividades grossista e retalhista na gestão de resíduos urbanos. Os serviços em alta são, na sua maioria, compostos por entidades de maior dimensão, que abrangem um maior número de municípios, ao passo que os serviços em baixa, por norma, abrangem apenas um município.
Assim, atualmente, existem 237 entidades gestoras em baixa, a maioria de pequena dimensão, restringindo-se ao universo municipal, e responsáveis pela recolha indiferenciada, e 23 entidades gestoras de serviços em alta, denominados Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos.
Nos últimos 30 anos foi-se assistindo a uma mudança na importância atribuída ao Ambiente que trouxe, entre muitos outros aspetos, a necessidade de assegurar uma adequada gestão dos resíduos produzidos quer por questões de qualidade de vida, ar e saúde, mas mais recentemente pela tomada de consciência da sua importância, na medida em que da qualidade do seu desempenho pode resultar a possibilidade de transformação de resíduos em produtos e deste modo, contribuir para a diminuição da extração de matérias primas críticas e escassas que importa salvaguardar, para o bem do Planeta e da vida.
“O país e o setor enfrentam desafios muito complexos e enormes dificuldades, não só porque os desafios aumentaram e constata-se que na última década houve uma estagnação”
A degradação da qualidade do ambiente e da quantidade de recursos naturais e das matérias primas levou a uma mudança de paradigma e à necessidade de serem estabelecidos limites e objetivos muito exigentes, de modo a dar resposta à situação de emergência ambiental em que vivemos.
Neste contexto, também a atividade de gestão de resíduos urbanos se encontra sujeita a grandes desafios e metas de desempenho extremamente exigentes, na sequência das medidas que têm sido adotadas ao nível da União Europeia que assumiu a liderança em dar prioridade à mudança de paradigma de desenvolvimento, com vista à transição de um modelo de desenvolvimento linear para um modelo de economia circular, com o firme propósito de desacelerar o desgaste do planeta e recuperar a sua degradação.
Apesar da significativa evolução do setor da gestão de resíduos em Portugal, neste momento, o país e o setor enfrentam desafios muito complexos e enormes dificuldades, não só porque os desafios aumentaram e constata-se que na última década houve uma estagnação do desenvolvimento do setor, como existe um conjunto de circunstâncias muito variadas e origens diversas e dispersas das quais depende o cumprimento dos objetivos e metas a que o setor de gestão de resíduos urbanos se encontra sujeito, e que importa ponderar de forma muito séria e assertiva.
Para se ter uma dimensão do nível de grandeza da exigência que o setor enfrenta e do esforço a que está sujeito é exemplificativa a distância a que se encontra da meta de deposição de resíduos em aterro, se tivermos presente que Portugal deposita atualmente em aterro mais de 50% dos resíduos urbanos que produz, quando em 2035 terá que reduzir este valor até 10% da quantidade total de resíduos urbanos produzidos.
Ora, para almejar tal nível de desempenho é necessário que sejam adotadas muitas medidas, não só ao nível do investimento como da atenção que é dada ao setor dos resíduos urbanos em matéria de política pública nacional, não sendo suficiente que apenas sejam adotadas medidas de natureza de política pública ambiental, mas também ao nível fiscal, económico, de ordenamento de território, de modo a traçar um plano nacional de reorganização dos espaços que tenha uma perspetiva global de necessidades de investimento, como também uma maior tomada de consciência do que custa a prestação do serviço público de gestão de resíduos de qualidade, que sendo fundamental, não tem ocupado o mesmo tipo de atenção como em outras áreas, como é o caso da energia. Todos querem uma gestão de resíduos exemplar, mas ninguém quer nas suas redondezas ouvir falar de aterros ou incineradoras, que no último caso referido geram a partir de resíduos um bem tão precioso como é a energia.
Tratando-se de um serviço prestado através de um complexo sistema logístico e tecnológico que compreende as etapas de recolha, transporte, triagem, valorização e eliminação dos resíduos provenientes das habitações, e semelhantes a estes em natureza ou composição, o setor de resíduos contribui significativamente para o desenvolvimento económico e social do País, tanto pela capacidade de gerar atividade económica e de criar emprego e riqueza, como pela crescente melhoria que tem conferido às condições de vida da população, gerando externalidades económicas noutros setores. Ora, do seu sucesso e contributo essencial para permitir a valorização dos resíduos produzidos com a consequente diminuição da extração de matérias primas escassas e críticas em prol de um futuro mais verde, depende um investimento proporcional em toda a linha, desde as infraestruturas, mas também à adoção dos incentivos e instrumentos adequados a alcançar uma diminuição da sua produção, o que implica uma alteração de natureza comportamental por parte de toda a sociedade, já para nem repetir que aplicar metas europeias implica modelos de desenvolvimento e suportar custos com a mesma grandeza.
*Este artigo foi publicado na edição 99 da Ambiente Magazine