Que a água é um recurso vital já ninguém tem dúvidas. Muitas vezes fica é esquecido o papel que este recurso desempenha enquanto suporte dos ecossistemas. Foi em jeito de reflexão que José Pimenta Machado, vice-presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), abordou o tema “Gestão Integrada das Bacias Hidrográficas” numa sessão promovida esta terça-feira, 10 de janeiro, no Pavilhão da Água, no Porto, no âmbito dos 45 anos da APRH – Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos.
Anualmente, consome-se o equivalente a “duas barragens do Alqueva”, sendo que o “setor da agricultura é responsável pela maior fatia (74%)”, seguindo-se o setor urbano e, depois, a indústria. Ao nível de perdas de água, Pimenta Machado chama a atenção para os níveis dos sistemas urbanos que rondam os 25%: “Há sistemas que conheço onde as perdas de água são acima dos 50 e 60%”. Apesar da agricultura registar perdas entre os 35 a 45%, o vice-presidente da APA relembra que, nos anos 50, os sistemas foram desenhados com a preocupação de se poupar energia e não água: “(Ainda assim), há um esforço neste setor que tem apostado na modernização”.
Sobre os Planos de Gestão de Região Hidrográfica, cuja consulta pública terminou no final de 2022, o engenheiro lamenta a “fraca participação” da sociedade e especialmente dos setores que mais água usam, apelando à APRH para “fomentar e impactar” estas áreas a participar nestes planos. No que à qualidade da água diz respeito, registou-se que, no primeiro ciclo, a qualidade situava-se nos 52%, ao contrário do terceiro ciclo, onde, apesar dos investimentos feitos, se nota uma degradação substancial, registando-se 45% da qualidade da água. Esta degradação, tal como explica Pimenta Machado, deve-se à avaliação: “No primeiro ciclo, foi feita uma avaliação pericial e não uma avaliação do estado físico ou químico através de análises. Já no terceiro, investiu-se muito em análise e, hoje, o conhecimento é melhor”. Outro aspeto a ter em conta é que “os últimos cinco anos foram secos”, tendo uma “relação direta” com a qualidade das massas de água, acrescenta.
Chuvas intensas: Barragem da Bravura, no Barlavento, recuperou apenas 3%
Nesta reflexão, o vice-presidente da APA deu ainda nota do “conjunto de vagas de calor” que se fizeram sentir em 2022: “O mês de dezembro foi o mais quente em Portugal Continental”. De acordo com os dados, nos últimos 20 anos, registou-se uma redução na precipitação na ordem dos 20 a 30% e, nos últimos cinco, a precipitação foi abaixo da média: “2020 foi o terceiro ano hidrológico mais seco” Mesmo com as chuvas que se fizeram sentir no final do ano (dezembro foi mesmo o segundo mês com maior precipitação desde 2000) e, agora, neste início de 2023, Pimenta Machado refere que há barragens em Portugal que pouco recuperaram, sendo que país se pode dividir em “duas realidades: o norte do Tejo e o sul do Tejo”. Apesar da Barragem do Alqueva ter sido uma “boa exceção”, a Bacia do Sado e Mira ou, no Algarve, a Barragem da Bravura, no Barlavento, apenas conseguiram uma recuperação de 3%, situando-se nos 11,10%. Já na região Norte, Pimenta Machado dá nota que na Barragem do Alto Lindoso, a 1 de outubro, estava em 20%, estando agora nos 95%. “O rio Lima subiu 34,6 metros”, neste período de chuvas mais intensas, precisa.
Na resposta aos períodos de seca, desde 2019 que a APA tem implementado um conjunto de medidas inovadoras. Pimenta Machado dá o exemplo dos Planos de Região de Eficiência Hidrográfica para o Algarve: “Se hoje o Algarve tem 200 milhões de euros aprovados no PRR foi porque alguém fez um Planos de Região De Eficiência Hidrográfica para a região”. O responsável dá ainda nota que será, da mesma forma, lançado já este mês de janeiro um plano para o Tejo: “A aposta deve ser mesmo na eficiência”. Já na gestão de cheias, a APA mantém uma relação articulada com o IPMA e com a Proteção Civil no sentido dar resposta aos eventos, assim como com Espanha. Ainda assim, o vice-presidente da APA atenta na necessidade de haver prevenção, proteção e preparação para a minimização de cheias, no sentido de dar uma resposta antecipada e robusta aos municípios e às populações: “Tão importante é aprender com os eventos extremos”, alerta.
Aproveitando o tema da seca, o engenheiro alerta para a urgência de se “mudar o chip” de uma vez por todas, pois, nesses períodos, o que mais se ouve é “pôr mais água no sistema”, seja através de “mais barragens” ou, então, através de “dessalinizadoras”, mas aquilo que deve ser feito é “usar melhor a água que temos”. É mesmo na “gestão eficiente e sustentável” que Pimenta Machado se debruça, pois só “sendo mais eficientes” é que “vamos garantir a sustentabilidade de recursos hídricos”. A isto, soma-se a necessidade de haver “mais planeamento” e “mais informação”, algo que só é possível com “mais monitorização”: “Só se mede o que gere”, atenta Pimenta Machado, destacando, ainda, a importância de se apostar mais na inovação e no uso de mais soluções de base natural. Finalmente, o engenheiro atenta nas alterações que se vão sentindo cada vez mais no clima, tratando-se de uma realidade cada vez mais presente: “No Inverno, é certo que chove mais, mas temos de aprender que a chuva é mais concentrada e isso é um desafio para quem gere as infraestruturas públicas”, remata.