Desde a sua criação, em 1942, até hoje, a Mútua dos Pescadores fez o seu caminho com os pés bem assentes na terra e os olhos no mar. Há 79 anos com o mar como horizonte, o mesmo mar de onde sempre se quer regressar, em segurança, e que tem orientado a sua história.
Um mar carregado de vida e de esperança, de aventura, conhecimento, ciência. E de risco, sobretudo para quem depende dele para viver. Símbolo de uma gesta complexa que revelou também o lado negro da nossa história nacional, de escravatura e violência contra outros povos. Um mar que também permaneceu para muitas comunidades da nossa costa como seu sustento. De comunidades e famílias. Um mar ameaçado também pelas indústrias crescentes nalgumas zonas do País, que afastaram o peixe e contribuíram para empobrecer os homens. Que não obstante, não se acomodaram e preconizaram algumas das mais emblemáticas lutas ambientais, como aquela que ficou conhecida como a “primeira greve verde” do País, que aconteceu em Sines em 1982, fruto de descargas poluentes na costa Norte. Um imenso complexo portuário e industrial imposto pelo governo de Marcelo Caetano no início da década de 70, provocando um choque social e ambiental tremendo, expropriando terras aos pequenos e médios agricultores e causando pressão ambiental sobre os recursos marinhos, impactando com isso a vida desses agricultores e pescadores. Em nome na mesma gesta marítima, sob a égide do progresso. Como se o progresso pudesse acontecer à margem da vida das pessoas. E como se a vida das pessoas pudesse acontecer à margem dos recursos disponíveis.
E sobre este mar simultaneamente símbolo e fonte de vida para todos nós continua este jogo de contradições, opondo-se agora os pescadores aos cientistas, como se não fosse a linguagem e o saber, a cultura de ambos as ferramentas essenciais para a proteção deste recurso comum. Enquanto continua a pesca ilegal a concorrer para a sobre-exploração dos recursos, o problema dos plásticos, em particular dos micro-plásticos que são absorvidos pelos animais e outros seres marinhos e entram na cadeia alimentar, bem como outras fontes de poluição industrial.
A história ensina-nos que todas as soluções à margem das pessoas são estéreis e que o compromisso das organizações e pessoas deverá ser antes com a construção de soluções ao serviço das pessoas e do bem comum.
Na Mútua tem sido esse o mote. Assim foi quando em 1974, fruto do 25 de abril, deixa de ser uma Mútua a que os pescadores estavam obrigados a vincular-se, para passar a ser a Mútua de adesão voluntária. Ou quando em 2000, numa lógica de alargamento e especialização, respondendo a necessidades objetivas nas comunidades ribeirinhas, passa da proteção dos pescadores e das suas embarcações, para a proteção de todas as atividades marítimas, não só do trabalho, mas também do lazer, da Náutica de Recreio e das diversas atividades Marítimo-turísticas. Ou ainda em 2004, quando se transforma na 1.ª cooperativa de utentes de seguros portuguesa. E finalmente, quando, seguindo sempre a linha da costa, estende a sua missão à proteção de todas as pessoas e dos seus bens, das suas habitações, de todas as atividades económicas, das associações, das entidades do setor público e do setor cooperativo e social.
Sempre Mútua e solidária com as suas comunidades, o seu grande segredo é estar ao lado das pessoas no momento certo. Ao longo da sua história apoiou os pescadores, suas famílias e organizações; desenvolveu e apoiou iniciativas no âmbito da segurança marítima um pouco por todo o país. E em nome desta segurança tem estado também ao lado de iniciativas de carater ambiental, envolvendo as comunidades e as suas organizações e entidades locais, ao lado da defesa de melhores condições de habitabilidade a bordo, da investigação e da cultura, da valorização do pescado e das condições de trabalho, ou de uma formação mais direcionada e que dignifique a profissão, e que reflita também os saberes a montante, como a construção naval ou a feitura de artes de pesca, mas também sobre os ecossistemas e o comportamento das espécies.
E hoje volta a estar na “linha da frente”, porque em tempos de pandemia as dificuldades foram (e continuam a ser) muitas para muitos. Cuidou primeiro dos seus setores mais frágeis neste período – Pesca e atividades Marítimo-turísticas. E então, sabendo que ninguém poderia ficar para trás agilizou procedimentos e flexibilizou o pagamento de prémios com moratórias de prazos antes da Lei o exigir e para além do que a Lei passou a obrigar: adotou 90 dias de moratória, quando a Lei exige 60, e aplicou esta orientação para todos os seguros, quando a Lei exige apenas para os seguros obrigatórios.
Ontem como hoje a identidade solidária da Mútua dos Pescadores será o maior garante do futuro desta Cooperativa de Utentes de Seguros e a certeza de que continuará a fazer pontes e não contribuir para aprofundar mais mares de contradições.