Municípios enquanto “aliados” do Governo no combate às alterações climáticas

No rumo à neutralidade carbónica, qual é o papel dos municípios? Que percurso têm feito? E que desafios as autarquias enfrentam no combate às alterações climáticas? Estas foram algumas das questões levantadas pela Ambiente Magazine a vários investigadores e entidades “porta-vozes” dos municípios.

Para Jorge Veloso, presidente do Conselho Diretivo da ANAFRE (Associação Nacional de Freguesias), o percurso que as autarquias têm feito é já notório: “São já muitos e bons os exemplos de municípios que investem nesta área e a priorizam como estratégica no seu exercício político”. E face às metas governamentais para a descarbonização, é “imperioso” que os municípios desenvolvam “políticas cada vez mais inovadoras, ambiciosas e mais amigas do ambiente”, assumindo um “papel determinante” na promoção da sustentabilidade, com o aumento do seu “espectro de ação”, passando a gerir bens como a “água”, “áreas naturais protegidas” ou a “adoção de medidas de limitação de consumo combustíveis fósseis”. O presidente da ANAFRE afirma que os municípios podem ainda ser “aliados” determinantes do Governo nesta promoção, até porque detêm “conhecimento privilegiado” do seu território e a “maior proximidade com a população” pode permitir o desenvolvimento de “políticas e projetos” com efeitos mais rápidos e mais duradouros. A sensibilização ambiental junto dos atores locais, a valorização de políticas de transporte público, a criação e preservação de áreas naturais protegidas e a implementação de políticas de combate à pobreza energética são apenas alguns exemplos onde a ação dos municípios pode ser determinante. Para Jorge Veloso, a recetividade das populações e os apoios financeiros governamentais devem “constituir uma janela de oportunidade” para desenvolvimento de projetos que visem a construção de municípios mais sustentáveis.

Por seu turno, Luísa Schmidt, conselheira do CNADS (Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável) e docente no ICS-ULisboa (Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa), considera que o percurso dos municípios tem sido “diferenciado” consoante as áreas ambientais: “As áreas com o percurso mais positivo a nível municipal (organizado ou não em entidades gestoras que agregam municípios) têm sido as do abastecimento e qualidade de água para consumo humano, das águas balneares e, ainda, a recolha e gestão de resíduos urbanos”. Já as áreas com o balanço “mais negativo” têm sido as da “proteção e recuperação de habitats naturais e da biodiversidade”, o “restauro ecológico de paisagens degradadas” e o “défice na conservação da floresta e no contributo direto para prevenção de incêndios”. Mesmo que não sejam os municípios os principais responsáveis em algumas destas matérias, Luísa Schmidt acredita que poderiam ter um papel mais proativo.

Desta forma, Luísa Schmidt subscreve a posição das Nações Unidas: “As autarquias são os palcos onde a batalha pelo desenvolvimento sustentável será ganha ou perdida”. Em muitos casos, têm sido “exemplares na aplicação dos princípios de sustentabilidade” em todos os domínios dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), “envolvendo as forças vivas de cada concelho”. São “governos de proximidade” e, por isso, “podem fazer a maior diferença junto dos cidadãos”, refere. Aliás, as autarquias deveriam ser a “linha da frente” na aplicação de todos os programas e estratégias nacionais na área do ambiente, e em todos os domínios. Com o “Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)” e com o “Fundo Ambiental”, as autarquias devem ser agentes ativos para promoverem a “transição climática e energética”, melhorando a “performance dos seus edifícios, instalando energias renováveis” e “combatendo a pobreza energética, promovendo a mobilidade suave e transportes públicos limpos” ou “gerindo e reaproveitando as águas e investindo nos espaços públicos adotando soluções baseadas na Natureza”.

[blockquote style=”2″]Municípios portugueses chegaram tardiamente às questões ambientais[/blockquote]

A plataforma ODSLocal é uma das iniciativas que visa monitorizar o empenho dos municípios nos caminhos da Agenda 2030 e dos ODS. João Guerra, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL) e porta-voz da ODS Local, constata que os municípios portugueses e o país chegaram “tardiamente” às questões ambientais: “Ainda que, nas últimas décadas, as políticas municipais tenham mostrado uma evolução positiva, a verdade é que nem todas terão surtido o efeito desejado, como o maior envolvimento das populações e das comunidades municipais na promoção da qualidade de vida e da qualidade ambiental”. Ainda assim, significaram uma “tomada de consciência” que, globalmente, não deixou de ter efeitos.

As autarquias têm incorporado as questões da sustentabilidade como aspeto central da sua atuação: “Isso decorre de um modelo de governança tendencialmente mais participativo e envolvente e reflete-se na sua comunicação com os munícipes que têm maior sensibilidade para as questões do desenvolvimento sustentável”. Tão ou mais relevante, diz o docente, é ainda o papel que os municípios têm tido em “políticas específicas” como a “educação ambiental e a promoção da separação de lixo, com vista a aumentar o fornecimento de materiais para cadeias de economia circular” ou o “papel desempenhado para que o ambiente natural dos seus territórios se mantenha com qualidade suficiente para as gerações presentes e futuras”. Sobre como é que os municípios podem ser “aliados” do Governo nas questões ambientais, João Guerra destaca o “lugar mediador” que cada um ocupa: “A sua proximidade aos cidadãos e aos problemas oferece-lhes um lugar estratégico na governança”. Numa altura em que as mudanças ambientais deixaram de ser apenas um “problema do futuro”, os municípios ganham particular importância, sendo chamados a “ampliar os domínios em que contribuem ativamente para a sustentabilidade ambiental de que depende a sustentabilidade social e económica”. Ter um município “mais verde” tem como “primeiro desafio” uma “definição clara e coerente” daquilo que se pretende para o seu território. Para tal, a “partilha de conhecimento” e a “capacidade de recolher e disponibilizar dados objetivos sobre as diferentes realidades municipais são elementos cruciais que permitirão chegar a melhores e mais consensuais decisões”. Quanto às oportunidades, o docente destaca o papel dos municípios no combate às mudanças ambientais e climáticas como “componentes-chave de um esforço combinado”, capaz de “reduzir a degradação ambiental em geral”.

Olhando para os últimos 15 anos, Rogério Ivan, diretor executivo da OesteSustentável, admite que o percurso feito pelos municípios tem sido positivo: “Ao comprarmos as políticas locais de hoje com as de há 15 anos, encontra-se enormes diferenças, sendo essas bastante caracterizadas por uma evolução enorme”. Também os investimentos nas questões ambientais são evidentes, sendo um bom exemplo disso a criação generalizada por todo o país de Agências de Energia e Ambiente: “Um organismo especializado nestas matérias e com a missão de apoiar os municípios na implementação de políticas energéticas e uma estratégia de desenvolvimento sustentável numa dimensão local e regional”.

Quando se fala em sustentabilidade, poucas dúvidas restam acerca da importância dos municípios que desempenham um papel determinante: “A responsabilidade da sustentabilidade, mais propriamente da utilização dos recursos naturais de forma sustentável é uma responsabilidade de todos nós enquanto cidadãos, e as autarquias têm como função a gestão local do território e como tal, com a necessária proximidade da população e assim dos cidadãos”.  E é precisamente através da proximidade com a população que os municípios podem ser “verdadeiros aliados” do Governo nestas matérias: “A promoção da sustentabilidade, baseada nesta proximidade, conhecendo as diversas realidades e necessidades locais, promove entre outros uma maior participação publica e uma mais eficaz alteração de comportamentos através da adoção de práticas diárias mais sustentáveis”.

Quanto aos desafios, Rogério Ivan destaca a necessidade de se entender devidamente a problemática de ter conhecimento acerca do que é ser “mais verde” e “mais sustentável” e, também, ter uma perceção do “custo das soluções” necessárias de serem implementadas: “Por exemplo o do investimento necessário na sociedade, na educação e no civismo, promovendo a participação pública”. Contudo, o facto de a época atual estar marcada pelo digital e pelo conhecimento pode representar uma oportunidade, nomeadamente, para se “criarem iniciativas que respondam às necessidades de mudança na sociedade” e “nos padrões excessivos e desequilibrados de consumo de recursos naturais” que refletem a “atual insustentabilidade” do planeta. Hoje, “temos à nossa disposição todas as ferramentas necessárias para que a mudança aconteça”, remata.

 

Este artigo foi publicado na edição 88 da Ambiente Magazine.