Écom “muitas dúvidas” que Tiago Fiuza, sócio e responsável nacional de comercial e contratos, e Filipe da Veiga Malta, associado sénior da área de contencioso e arbitragem da PRA – Raposo, Sá Miranda & Associados, avaliam para a proposta provada pelo Parlamento Europeu (PE) e que proíbe a comercialização na União Europeia de novos automóveis ligeiros de passageiros e comerciais exclusivamente movidos a combustíveis fósseis a partir de 2035, com o objetivo de reduzir as emissões de CO2 e combater as alterações climáticas.
Esta nova legislação prevê “emissões nulas de CO2 dos novos automóveis de passageiros e veículos comerciais ligeiros em 2035”. A legislação não é novidade, mas os dois especialistas notam que a “inovação” está na amplitude e abrangência: “A partir de 2035, todos – ou quase todos – os automóveis novos que entram no mercado não podem emitir nenhum CO2”. Por isso, “quando referimos ‘quase todos’, estamos a considerar a derrogação prevista para fabricantes responsáveis por pequenos volumes de produção no ano civil (entre 1000 a 10.000 novos automóveis de passageiros ou 1000 a 22.000 novos veículos comerciais ligeiros) até ao final de 2035 e a isenção prevista para os fabricantes que matriculam menos de 1000 novos veículos por ano”, notam os responsáveis, constatando que “a derrogação e isenção previstas confirmam exceções ao regime”. Isto significa que, por um lado, “não permitem estabelecer um nexo entre os objetivos normativos – impacto neutro – e o regime de exceção” e, por outro lado, “se fizermos um juízo de prognose, atenta a redução de produção e a rácio custo-benefício, será de admitir que este regime irá favorecer os fabricantes de veículos de gama alta e considerados de luxo, de coleção ou de alta cilindrada, circunstância que irá promover a alteração definitiva do mercado automóvel, com as irreversíveis consequências ao nível da mobilidade e da circulação, com a necessária afetação de direitos inerentes e basilares como o da livre circulação de bens e de pessoas, e que vai intrincar com a generalidade da cidadania”. A questão que se coloca é: “Será que os fabricantes não vão dar preferência à redução do volume de produção em favorecimento da qualidade e em detrimento dos veículos elétricos e a bateria? O futuro dirá!”, atentam.
Dando nota que alguns Estados-Membros, como a Itália ou a Alemanha, declararam publicamente a sua discordância com a proibição ou a amplitude da proibição, Tiago Fiuza e Filipe da Veiga Malta apontam também dúvidas quanto à “bondade da norma”, nomeadamente para a “concretização dos seus objetivos finais”.
Os especialistas reconhecem que se tratam “matérias muito complexas” com “consequências diretas e irreversíveis” no quotidiano dos cidadãos: “As previsões para o crescimento económico colocam Portugal cada vez mais na ponta da cauda da União Europeia e, segundo dados da Associação Automóvel de Portugal, 25% do parque circulante tem mais de 20 anos”. Por isso, “é imperativo adequar os objetivos europeus às diferentes capacidades (e dificuldades) dos seus Estados-Membros”, atentam os responsáveis, que defendem uma “discussão pública de forma analítica e sintética, com base fundamentada em estudos técnicos, multidisciplinares, sistémicos e evolutivos”, que sejam o “somatório e o resultado dos diferentes entendimentos dos distintos atores envolvidos”.
“os veículos a combustão que foram adquiridos até 2035 não estão, à partida, impedidos de circular e de serem vendidos em segunda mão, por exemplo, mesmo após 2035”
Questionados sobre as estimativas sobre a redução das emissões de CO2 após um ano da implementação desta legislação, os especialistas afirmam que “ainda não é possível” dar previsões, visto que “a data prevista para a entrada em vigor da proibição tem como pressuposto que os veículos têm um período de vida útil de 15 anos”, sendo que, “os veículos a combustão que forem adquiridos até 2035 já não estarão em circulação em 2050 (meta para a emissão neutra)”. De acordo com os responsáveis, este “pressuposto” mais não é do que uma “expectativa”, ausente de certezas e segurança: “Importa ter sempre presente que os veículos a combustão que foram adquiridos até 2035 não estão, à partida, impedidos de circular e de serem vendidos em segunda mão, por exemplo, mesmo após 2035. O que se proíbe é a venda e a colocação no mercado de novos veículos que emitam CO2”.
Mas, no caso de Madrid, já se verifica, por exemplo, a “proibição de circulação de veículos a combustão ou exclusivamente a combustão” em determinadas áreas da cidade: “Caso seja este o modelo seguido e implementado nos próximos anos na maioria das grandes cidades europeias, forçosa é a conclusão de que a circulação dos veículos a combustão, a partir de 2035, apesar de aparentemente permitida, será enormemente restringida e condicionada”, precisam.
Ao nível de incentivos para os fabricantes, Tiago Fiuza e Filipe da Veiga Malta referem que “está previsto que se mantenham os benefícios fiscais atuais até 2030”, não se conhecendo “outros incentivos” a partir de 2035. Da mesma forma, também não são ainda conhecidas as penalizações para quem compra ou vende carros a gasolina ou gasóleo: “O regime ou quadro-sancionatório ainda não é conhecido. Contudo, admite-se que recairá sobre os Estados-Membros a sua materialização”. Sem embargo, “tal como se apresenta a nova lei, os agentes de prováveis infrações nesta matéria vão ser os fabricantes e os vendedores”, afirmam os responsáveis, relembrando que a legislação proíbe a “fabricação e a colocação no mercado de veículos novos”.
“devem emergir as preocupações ambientais, a jusante e a montante”
Apesar de concordarem que esta norma pode ser um “impulso” para a proibição de circulação de transportes movidos a combustíveis fósseis, os responsáveis admitem que “é difícil antecipar os seus resultados”, designadamente quando “a meta se encontra a mais de 25 anos”.
Assim, Tiago Fiuza e Filipe da Veiga Malta atentam para algumas questões que não podem ficar de fora. Por um lado, “há que apurar os custos inerentes ao consumo de energia elétrica e a capacidade para fornecer (incluindo os conhecidos problemas de operação de rede) e pagar esta energia numa equação que considere o número de veículos, o número de pontos de carga, a energia máxima e mínima necessária e os custos inerentes, etc.”. Por outro, “devem emergir as preocupações ambientais, a jusante e a montante, isto é, há que apurar os níveis e os recursos que carece este tipo de tecnologia, desde logo, na produção e utilização das baterias elétricas e da matéria-prima necessária para a sua criação e manutenção, qual o seu tempo útil de vida e qual o destino final que deve ser dado quando convertidas em resíduos”. Tão crucial é “diversificar os combustíveis alternativos para veículos de zero emissões”, nomeadamente “o hidrogénio, reforçando os apoios e incentivos à produção de automóveis e infraestruturas”, considerando “as alegadas vantagens desta solução por comparação com os veículos ‘elétricos'”, rematam.