O Politécnico de Coimbra está a desenvolver um projeto piloto de tratamento de resíduos utilizando a mosca soldado negro para o processo de bioconversão de resíduos vegetais das cantinas. A Ambiente Magazine conversou com os investigadores Nuno Ribeiro e Rui Costa, os principais responsáveis por este projeto inovador. Nuno Ribeiro começa por explicar que este projeto consiste “numa unidade piloto de tratamento de resíduos vegetais, não processados, através de um processo de bioconversão da matéria orgânica em que o agente é uma mosca”, a mosca soldado negro (Hermetia illucens).
Em primeiro lugar, segundo o investigador, o projeto desenrola-se “com resíduos da cantina” do campus da Escola Superior Agrária de Coimbra. “Estes resíduos são a fração vegetal não processada”, ou seja, que não foi cozinhada nem contaminada por qualquer outro produto ou resíduo. “Estes vegetais são a base da alimentação das larvas da mosca que os digere, que, ao mesmo tempo que vão crescendo e acumulando nutrientes, vão também degradando os resíduos, transformando-os num composto com valor agrícola”, acrescenta. Neste momento, Nuno Ribeiro refere que estão “numa fase inicial de afinação das condições ambientais e de dieta para obter uma população com crescimento estável que permita escalar o processo”. E, para o responsável, “é fundamental o estudo de uma série de variáveis” a fim de “otimizar o processo e obter rendimentos máximos de bioconversão”.
A mosca soldado negro é originária da América do Norte e, ainda que não seja autóctone na Europa, foi-se espalhando e é hoje considerada uma espécie cosmopolita, com distribuição mundial, podendo encontrar-se inclusivamente em Portugal. Rui Costa, também responsável pelo projeto, explica que o facto de este inseto necessitar de condições muito específicas para o seu desenvolvimento, tem “pouco potencial invasor e, embora seja uma mosca, não tem os aspetos negativos que a mosca doméstica, por exemplo, apresenta”. Também, segundo o investigador “não são conhecidos agentes patogénicos associados à Hermetia illucens e que possam causar-nos mal”.
Neste sentido, para os investigadores, a mosca soldado negro é o agente principal neste processo. “São as larvas que decompõem a matéria orgânica e que a transformam em composto”, explica Rui Costa. A escolha deste inseto, segundo o responsável, surge num “momento em que a sustentabilidade do planeta está ser colocada em causa”. Ou seja, “o desenvolvimento de novas fontes de proteína que exerçam menos pressão ambiental é, por demais, uma exigência”, acrescenta. Neste sentido, os investigadores consideram que a obtenção de proteína de insetos “tem, à partida, menos impactes ambientais do que as fontes de proteína convencionais, necessita de menos espaço, consome menos água, consome menos recursos”. Quando comparada com todo os insetos, atualmente criados com o objetivo de produzir uma fonte de proteína, a “Hermetia illucens é provavelmente aquela que apresenta as maiores vantagens”, diz Rui Costa. “É um inseto com altas taxas de conversão da matéria orgânica, rico em proteína e gordura, e tem uma grande versatilidade para se desenvolver. Acresce o facto de poder ser alimentada com resíduos”, explica.
O objetivo deste projeto, segundo Nuno Ribeiro, é “desenvolver um processo de tratamento de resíduos orgânicos obtendo uma nova fonte de proteína”. Nesta fase, “procuramos condições que nos permitam escalar o sistema piloto”. O facto de fazerem parte de uma instituição de ensino superior com uma componente de investigação científica faz com que “os outputs” possam “ser tantos que acabamos por ter objetivos mais específicos, como a produção de conhecimento ou a vertente formativa”, conclui.