São várias as soluções que contribuem para uma mobilidade sustentável, mas aquela que recebe maior atenção do Governo é a mobilidade elétrica, através da eletrificação a 100%. Contudo, é reconhecido que essa transição não se faz de um dia para o outro, havendo espaço para os veículos Plug-in, para o hidrogénio e para a incorporação de biocombustíveis. Neste processo de transição, a União Europeia, também, já aprovou a regulamentação que obriga os construtores de automóveis a uma redução drástica de emissões dos veículos colocados em circulação até ao final da década. A Ambiente Magazine juntou vários players para perceber em que fase se encontra a mobilidade sustentável e qual a abertura para os biocombustíveis neste processo.
Face aos desafios, os construtores automóveis souberam responder com soluções: “Não é por acaso que esta indústria é a que mais investe em ID na União Europeia”, afirma Hélder Barata Pedro, secretário-geral da ACAP (Associação Automóvel de Portugal), constatando que é essencial criar condições para os consumidores optarem por veículos elétricos, seja pelos “incentivos à sua compra”, seja pelo “desenvolvimento das redes de carregamento”. Hoje, o responsável considera que um elétrico é uma “solução bastante viável” para os consumidores e empresas, apesar das incertezas que ainda existem aquando da compra de um veículo elétrico. Mas cabe aos poderes públicos reforçar os incentivos: “Para muitos consumidores, o preço ainda pode ser um obstáculo à sua aquisição”, assim como a “rede de carregamentos”. Quanto aos híbridos Plug-in, a ACAP considera que são uma “solução muito importante”, enquanto contributo para a diminuição de emissões: “Existe uma grande oferta deste tipo de veículos e a sua compra tem, naturalmente, vindo a aumentar”. Defensores do princípio da “neutralidade tecnológica”, o secretário-geral da ACAP é da opinião de que construtores e consumidores devem ter a oportunidade de, em cada momento, escolher aquela que é a melhor opção para ajudar na descarbonização: “Criticamos o facto do anunciado pacote “Fit for 55” referir já que, em 2035, deverão deixar de ser comercializados veículos com motor de combustão”. A ACAP acredita que, “até 2035, outras soluções poderão surgir” e que “só em 2028 se deveria definir essa meta”, avaliando, nessa altura o mercado: “Os combustíveis verdes poderão, naturalmente, fazer parte da mobilidade sustentável”, sustenta.
Para o Automóvel Club de Portugal (ACP), a questão da mobilidade sustentável não tem uma única solução: “É a conjugação de todos os tipos de mobilidade”. Apesar da tendência centrar-se, exclusivamente, na troca de automóveis elétricos, esta entidade não tem dúvidas que “não se conseguem alcançar as metas previstas para 2035, se não atuarmos no parque circulante que é altamente poluente”. Desta forma, é necessária uma “política de abate dos carros muito envelhecidos e altamente poluentes”, devendo ser “economicamente incentivado o seu abate para dissuadir a venda a terceiros e a perpetuar a vida poluente do automóvel”. A “conversão de parte da frota a combustão para a utilização de combustíveis sintéticos, neutros do ponto de vista carbónico”, permitindo que o “parque automóvel continue a circular, sem que haja um grande investimento na aquisição de outra viatura” é outra solução partilhada pela associação de condutores, assim como o “investimento no incentivo à aquisição de viaturas elétricas e às infraestruturas de carregamento”. Apesar dos carros 100% elétricos serem a única solução que não emite gases poluentes no seu uso, têm, contudo, um entrave relativamente à “autonomia” e ao “stress” associado à gestão do carregamento: “Tem de haver um investimento nos pontos de carregamento para que seja fácil e prático”. A entidade considera que as “incertezas dos consumidores” sobre veículos 100% elétricos “têm diminuído”: “A grande incerteza centra-se sobre o carregamento e o preço a que se o faz. Este é um mercado que precisa de ser regulado”, sublinha. A nível político, tem de haver uma “politica de incentivo a médio prazo”: “A compra de elétricos e dos sistemas de carregamento exige um investimento adicional de particulares e de empresas e tem de haver uma política que permita a quem decide a compra uma estabilidade fiscal de, pelo menos, quatro anos a partir do momento da sua compra, para poder “amortizar” este esforço”. Sobre os híbridos Plug-in, o ACP acredita que são uma “solução de transição”. Contudo, a caraterística de “associar o motor de combustão interna a um motor elétrico e a uma bateria”, traduz-se também num acréscimo de peso, penalizando a eficiência.
No entender da APDCA (Associação Portuguesa do Comércio Automóvel), as soluções para uma mobilidade mais sustentável dividem-se entre as de longo prazo e as de curto e médio prazo: “A transição energética será, necessariamente, muito progressiva, não só porque o parque rolante ainda é composto, na sua esmagadora maioria, por automóveis a combustão como a rede de abastecimento elétrica ainda está em adaptação”, afirma Nuno Silva, presidente da APDCA, acreditando que a “eletrificação do parque automóvel” é uma “solução de futuro, mas ainda há muita vida nos motores de combustão”. O recente desenvolvimento dos “combustíveis sintéticos” poderá prolongar a viabilidade destes motores, destaca o responsável. Sobre a viabilidade de um carro 100% elétrico, Nuno Silva destaca o “tipo de utilização do cliente” e a “facilidade de acesso do mesmo a uma rede de abastecimento fiável e constante”. Apesar da “evolução tecnológica”, há ainda “muitos condutores que não têm possibilidade de carregar um automóvel elétrico em casa ou perto do emprego”, além de que a “distribuição geográfica dos postos de carregamento ainda não é uniforme”, atenta. Sobre os híbridos plug-in, a APDCA acredita que “são uma solução intermédia muito interessante, especialmente para quem ainda não quer ou não está preparado para dar o salto para um automóvel 100% elétrico”. Integrados numa política global de redução de emissões, os biocombustíveis podem também ser parte da solução no rumo a uma mobilidade mais verde, “não só porque libertam menos gases poluentes como podem ser considerados uma fonte de energia renovável”, sendo uma “excelente alternativa para uma fase de transição”, sustenta. No entanto, há o reverso da medalha: é que, para “produzir a matéria-prima que lhes dá origem, é preciso recorrer à agricultura intensiva e em larga escala”, o que pode provocar, por si só, “efeitos nefastos” para o meio ambiente.
[blockquote style=”1″]A viabilidade dos biocombustíveis[/blockquote]
Embora os óleos alimentares usados (OAU) sejam vistos como um resíduo, a verdade é que, se corretamente encaminhados para reciclagem, são matéria-prima para a produção de, entre outras coisas, biocombustíveis, uma energia renovável que contribui para acelerar o processo de descarbonização: “Ao recolher o óleo alimentar usado e ao depositá-lo nos oleões disponíveis um pouco por todo o país, temos um triplo impacto positivo”, afirma Ana Calhôa, secretária-geral da Associação de Bioenergia Avançada (ABA), lembrando que “não estamos só a prevenir que este contamine os cursos de água e prejudique o bom funcionamento das ETAR´s, como também a possibilitar a produção de uma energia renovável amiga do ambiente e a reduzir as emissões de gases de efeito de estufa do setor dos transportes”. Enquanto aliados à mobilidade sustentável, os OAU recolhidos são encaminhados para destinos de valorização, que os transformam em matéria-prima para a produção de biocombustíveis. Lembrando o estudo da Federação Internacional do Automóvel, que indica que, “em 2040, só 27% dos carros em todo o mundo serão 100% elétricos”, Ana Calhôa não tem dúvidas de que “a ideia de que para mudar o mundo é preciso trocar de carro por um veículo zero emissões está longe de ser verdade. O que observamos na realidade portuguesa é que esta transição não está ao alcance de todos e que estas alternativas, sozinhas, não conseguiriam dar resposta à procura”. Por isso, a responsável realça a “relevância da bioenergia avançada” que permite reduções de emissões de gases de efeito de estufa de, pelo menos, 83% em relação ao gasóleo e à gasolina”. Os benefícios da bioenergia avançada não se ficam pela descarbonização da mobilidade: “Contribui também para a promoção da economia circular e para uma melhor gestão de resíduos, enquanto evita a sobre-exploração de recursos naturais”. Comprovada a viabilidade, Ana Calhôa considera que um dos maiores desafios que se impõe são o “reconhecimento da sociedade e a obtenção de matéria-prima”.
Com sede em Vila Nova de Gaia e centros logísticos e de pré-tratamento noutros pontos do país e no estrangeiro, a Hardlevel possui uma capacidade instalada de recolha e pré-tratamento de 50 mil toneladas anuais de OAU e 4.500 metros cúbicos de armazenagem instantânea. “Como submetemos os OAU recolhidos a um pré-tratamento, das nossas instalações saem os óleos já sem impurezas, sem contaminação de metais nefastos aos catalisadores das biorefinarias e com diversos outros parâmetros corrigidos”, explica Salim Karmali, administrador e cofundador da Hardlevel – Energias Renováveis, acrescentando que “(os biocombustíveis) serão depois usados numa percentagem determinada por lei, na incorporação dos combustíveis convencionais”. Para o responsável, restam poucas dúvidas sobre a viabilidade dos OAU enquanto matéria-prima para a indústria: “Estamos a falar de um exemplo muito prático de economia circular, que contribui para um mundo mais sustentável”. Acresce que os OAU são “duplamente aliados” da mobilidade sustentável: “Trata-se do reaproveitamento de um resíduo que, depois de processado, é introduzido ao serviço dos circuitos de mobilidade, sob a forma de biocombustível, mais ecológico”, evitando “o uso de matérias-primas virgens”. No entanto, Salim Karmali não deixa de sublinhar as “limitações técnicas” à incorporação de biocombustíveis, designadamente um “limite legal máximo de incorporação de 7,00% de ésteres metílicos (biodiesel) no gasóleo convencional” por “alegadas incompatibilidades técnicas com os motores de combustão a diesel.Mas a evolução da tecnologia, com a produção de outros biocombustíveis, vêm oferecer uma solução robusta para o aumento das taxas de incorporação”. A rede Hardlevel abrange atualmente as áreas metropolitanas, contando com mais de 2.500 Oleões Smart S+ espalhados pelo país.
Reconhecendo já potencial e benefícios associados, também a Prio recorre aos OAU para descarbonizar o setor dos transportes: “O produto ECodiesel, disponível em algumas estações, possui 15% de biodiesel com efetiva reduções de GHG”, refere Sónia Henriques, diretora de Produção e Melhoria Contínua da Prio, constatando que são um aliado para um mundo mais eficiente. Enquanto “exemplo claro de uma economia circular”, os OAU, após a sua transformação em Biodiesel ajudam contribuem para que haja mais alternativas verdes na mobilidade: “Até 2050, Portugal quer alcançar uma economia neutra em carbono, contando com Biodiesel produzido a partir deste resíduo para alcançar esta meta”. Outro projeto que demonstra a viabilidade dos biocombustíveis é o “Beato BioBus”, que recorre aos óleos alimentares para garantir uma mobilidade mais verde. Integrado no programa HCB Living Lab, o projeto convida a comunidade local a reciclar óleo alimentar usado, para que seja transformado em Biodiesel que “irá abastecer os autocarros da Carris que circulam na Zona do Beato”, fazendo com que população sinta que teve um papal fundamental na descarbonização. Apesar do leque de oportunidades, Sónia Henriques não deixar de lamentar os desafios, sendo a “falta de clareza de uma política ambiental para o setor dos transportes a longo prazo, nomeadamente para os biocombustíveis”, o mais evidente: “É um setor que apresenta instabilidade. No final de cada ano, não sabemos o que nos espera no ano seguinte”.
Este artigo foi publicado na edição 93 da Ambiente Magazine