A mobilidade é um tema-chave no contexto de vários acordos e estratégias internacionais, desde Acordo de Paris aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030, passando pelo Pacto Ecológico Europeu ou o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Havendo ainda um longo caminho em termos de sistemas locais e globais de mobilidade sustentável, a questão que se coloca é: “Que caminhos para a mobilidade sustentável?” Esta interrogação serviu de mote para mais uma sessão “Conversas sobre Sustentabilidade“, promovida pelo BCSD Portugal.
Poucas dúvidas restam sobre o futuro da mobilidade que será certamente “elétrico, partilhado, autónomo, multimodal, conectado digitalmente e movido a energias renováveis”. Mas, apesar dos “atributos” já conhecidos, as emissões provenientes dos transportes representam ainda “um quarto das emissões de gases com efeito de estufa” na União Europeia e continuam a aumentar. O Pacto Ecológico Europeu pretende reduzir essas emissões em 90% até 2050. “Será possível cumprir estas metas? E quais as alavancas que poderiam acelerar a transição que é precisa para a mobilidade sustentável?”. Estas questões são de João de João Menezes, secretário-geral da BCSD Portugal, a José Manuel Viegas, professor catedrático do Instituto Superior Técnico e especialista em transportes e mobilidade.
O docente acredita que é possível cumprir tais metas, mas alerta para a necessidade de não se mobilizar apenas a tecnologia de tração: “Temos que recordar que a mobilidade sustentável inclui outras dimensões, além das emissões. A eficiência na mobilidade implica fluidez no tráfego e a equidade no acesso implica uma cobertura mais uniforme no território, não só pelas redes de transporte acessíveis ao público mas também da existência de ligação eficientes entre os vários pontos”, explica. Por isso, mesmo que a eletrificação seja realmente urgente, os “veículos elétricos têm custos de utilização muito mais baixos do que os veículos com combustíveis fósseis”, podendo, por isso, “originar mais tráfego e congestionamento”. Assim, defende José Manuel Viegas, é fundamental induzir, em paralelo com as “mensagens e estímulos à eletrificação”, os “correspondentes para as soluções de transporte que sejam mais competitivas face ao transporte individual e mais eficazes no combate ao congestionamento”. Posto isto, o docente atenta no facto de os “requisitos atuais de mobilidade nas aglomerações urbanas serem muito variados e vão muito além do casa-trabalho”, não podendo, por isso, serem “palete de duas cores”, isto é, transporte individual e transporte coletivo programado: “São precisas paletes de cores mais ricas, implicando criatividade no domínio do enquadramento regulamentar e no domínio fiscal, mas, acima de tudo, coerência nas políticas para que se possam ter resultados desejados”.
[blockquote style=”2″]O ecossistema da mobilidade sofreu em 20 anos uma enorme transformação[/blockquote]
Por seu turno, Tiago Farias, presidente e CEO da Carris, fez o exercício de, em vez de “olhar” para os próximos anos, “olhar” para o que aconteceu nos últimos 20 anos: “Não havia veículos 100% elétricos a preços competitivos e de produção em massa”. Por isso, palavras como “disrupção” ou “inovação” fazem todo o sentido quando se fala no setor dos transportes, mesmo com os serviços essenciais (transportes públicos) a terem alterações menos profundas. Mas o “ecossistema da mobilidade sofreu em 20 anos uma enorme transformação”, reforça, mas que ainda é necessário “garantir que há uma transferência modal do transporte individual para os transportes mais sustentáveis” e isso tem de ser feito ao nível do “planeamento” e na “gestão da mobilidade e espaço público” cada vez mais focado na pessoa, bem como como em haver uma maior “facilidade de aderir ao sistema” de transportes públicos “com mais informação aos clientes”, mas, também com o sistema a ser “mais abrangente” e, acima de tudo, “mais descarbonizado”. A transferência para transportes mais sustentáveis está também ligada a uma “cultura individual” que está a ter uma “nova atitude perante os desafios das alterações climáticas”, algo que Tiago Farias considera “fundamental”, defendendo que essa cultura deve ser “partilhada” e “incentivada”. Ainda assim, olhando para o último ano marcado pela pandemia da Covid-19, Tiago Farias reconhece que os padrões de mobilidade serão muito diferentes: “O grande desafio tem que ver com a forma como cada um olha para a mobilidade e gera a sua mobilidade dentro destas novas soluções disponíveis”.
A Carris, que tem a meta de atingir a neutralidade carbónica até 2040, já está a trabalhar nesse sentido: “Um dos aspetos fundamentais está em descarbonizar a frota e, para isso, temos um roadmap traçado”. Em março, a empresa celebrou o primeiro aniversário da primeira carreira 100% elétrica: “Foi um teste para aquilo que queremos fazer que é o caminho da eletrificação”, declara. E mesmo em ano de pandemia, com quebras na procura, a empresa colocou “mais quilómetros, mais oferta e mais serviço de qualidade” à cidade de Lisboa: “O investimento é sempre feito com foco no cliente, garantindo mais oferta e recorrendo às tecnologias que serão a transição para o futuro, ou seja, a eletrificação”, sustenta. Ainda assim, Tiago Farias não deixou de salientar uma “barreira” que pode e que marca o setor da mobilidade que tem que ver com “investimento inicial” que é muito elevado: “Os serviços têm que caminhar para ser mais flexíveis e integrados”, sustenta.