Na Covilhã, entre a aldeia da Panasqueira e a freguesia de Barroca Grande, pode encontrar uma exploração mineira de volfrâmio com mais de um século de história e com 19 quilómetros quadrados de área de concessão: as Minas da Panasqueira, que nos dias de hoje são geridas pela empresa Beralt Tin and Wolfram (Portugal). Com cerca de 125 anos de funcionamento, tendo tido apenas três paragens de laboração ao longo da sua história (depois da Primeira Guerra Mundial, por decreto do Governo de Salazar e devido à descida das cotações dos minérios), este complexo mineiro no interior de Portugal é o único a fazer exploração de volfrâmio no país.
Sendo um setor encarado como poluente, e vítima de uma regulamentação ambiental exigente e em constante alteração e de uma opinião pública adversa sobre o impacto da sua atividade na natureza, a verdade é que o produto por si explorado pode fazer parte do movimento de transição energética que tem sido tão urgentemente pedido. Mesmo assim, os ânimos não parecem acalmar e a indústria mineira enfrenta cada vez mais o escrutínio da opinião pública. Assim, a Ambiente Magazine rumou, mais uma vez, à Covilhã, no interior de Portugal, para refletir se os desafiso e as dificuldades desta exploração mineira de volfrâmio se mantêm e qual o futuro deste recurso que é finito.
João Pedro Real começa por explicar-nos que a base de produção e de existência de volfrâmio da companhia é a produção e a venda de concentrados de volfrâmio: “O minério extraído da mina tem uma determinada quantidade de volfrâmio, que posteriormente é concentrado numa unidade de tratamento de minérios, vulgar Lavaria”, explica o gestor. O minério é apurado nesta instalação, até ter um teor de volfrâmio entre 73% e 75% WO3, obtendo-se assim para exportação o melhor concentrado do mundo, não só em teor, como também isento de penalizantes”. Como subprodutos, são produzidos ainda concentrados de estanho e de cobre.
O volfrâmio aqui produzido é então exportado, na sua maioria, para os Estados Unidos da América e Europa, mas a verdade é que já se viram melhores dias na sua procura, essencialmente durante a Segunda Guerra Mundial – momento em que existiu uma forte procura de volfrâmio para a indústria bélica, para endurecimento das ligas metálicas para a construção de armas. Atualmente, o volfrâmio pode ser aplicado a outras indústrias como a extrativa, automóvel, petrolífera, naval, aeronáutica e espacial.
Legislação e falta de escoamento agravam cenário
No entanto, as difiuldades no escoamento da produção têm trazido dias amargos às Minas da Panasqueira: “no ano passado, chegámos a dezembro com 96 toneladas de concentrado de volfrâmio em stock e estamos a falar do concentrado mais puro do mundo”.
A menor procura do mercado internacional, levou a que a companhia tivesse encerrado o ano de 2023 com as 96 toneladas de concentrado de volfrâmio em stock, o que causou problemas de cash-flow. As despesas mantiveram-se e a faturação de mais de um mês de produção não se realizou. Para fazer face a este problema, teve de recorrer a empréstimos, de modo a honrar os compromissos com os seus trabalhadores e fornecedores.
“Estamos inseridos num mercado que não controlamos minimamente. Normalmente, em tempo de guerra a procura do nosso concentrado aumenta e o preço de venda APT dispara. Agora, desde o início da Guerra entre a Ucrânia e a Rússia, constatámos que o preço do APT subiu ligeiramente nos dois primeiros meses e depois manteve sempre uma tendência de descida até hoje. Não só o preço desceu, como também no final do ano passado, diminui a procura, levando à situação descrita acima”, afima o responsável.
Para ter uma ideia da volatilidade do mercado, hoje o APT, que serve de referência à venda do concentrado produzido nas Minas da Panasqueira, está a 312,5 USD/MTU. Em 2016 esteve a 160 USD/MTU e em 2011 esteve a 470 USD/MTU. Atendendo ao que subiram os materiais, mão de obra, eletricidade, etc., nos últimos 13 anos, fica a ideia das dificuldades com que o setor se debate no dia a dia.
“Outra das dificuldades com que nos confrontamos é a impossibilidade de aquisição de novo equipamento mineiro, com a certificação CE. As restrições europeias em termos de emissões são cada vez mais exigentes.
Em 2012 fomos alertados pelos fornecedores de equipamento que, face às sucessivas alterações dos limites de emissões, iriam deixar de fornecer o tipo de equipamento mineiro usado nesta mina, por o mercado europeu não justificar os sucessivos custos de transformação, adaptação, ou desenvolvimento de novos equipamentos, para cumprirem a certificação europeia. Este tipo de equipamento low profile continua a ser produzido, sendo comercializado fora do mercado europeu”, explica João Pedro Real.
A maioria das minas usa equipamento mineiro que é substituído ao final de cinco anos. A Panasqueira está a usar equipamento com 12 a 20 anos de trabalho intensivo, numa mina muito desgastante para o equipamento, com os inerentes custos de manutenção, baixa disponibilidade eletromecânica e produtividade, por impossibilidade de adquirir equipamento novo. Legalmente, a companhia não pode adquirir equipamento novo, que está a ser comercializado fora da Europa, com motores tier 3 (idênticos aos últimos adquiridos pela Panasqueira em 2012), que têm um décimo das emissões dos tier 1, mas pode manter em funcionamento e reconstruir equipamentos com motor tier 1 e tier 2, com emissões, custos de produção e de manutenção muito mais elevados e uma produtividade muito menor. “Que tenhamos conhecimento, a GHH é o único fornecedor de pás mineiras (LHD) low profile com certificação europeia. Infelizmente, não têm nenhuma LHD de tamanho equivalente às utilizadas na nossa mina”.
Os requisitos ambientais têm sido cada vez mais restritivos. A indústria tem-se adaptado a esta nova realidade, mas tem-se confrontado com alguns problemas burocráticos. Enquanto no passado se reportava a uma única entidade estatal, neste momento, a empresa é obrigada a reportar a várias entidades. A mesma informação tem de ser enviada a várias entidades principais (DGEG e APA), alimentando informaticamente os distintos sistemas de cada uma e por vezes enviando a mesma informação a vários departamentos da mesma entidade. “Para quando a centralização dessa informação?”, deixa em aberto o gestor.
Setor mineiro adere às boas práticas ambientais
Nos media assiste-se, frequentemente, a manifestações em defesa do ambiente, “Terra há só uma”, contra qualquer tipo de exploração mineira. “Produzir e transformar recursos minerais na Europa poucos querem,
apesar de haver uma legislação mais restritiva e a exploração desses recursos ter muito menos impacto no ambiente do que se esses mesmos recursos forem explorados em qualquer país de terceiro mundo, onde o controlo ambiental não é tão exigente, ou mesmo inexistente. Na Europa, ninguém quer uma exploração mineira ou uma pedreira próxima da sua casa, mas toda a gente quer carros, aquecedores, telemóveis e televisões”, afima João Pedro Real.
“Nas Minas da Panasqueira tem havido o maior cuidado no cumprimento de toda a legislação ambiental existente, de forma a minimizar qualquer impacto ambiental da nossa atividade. Os investimentos realizados nos últimos anos são prova disso”.
A título de exemplo há a instalação de uma correia transportadora com 500 metros entre a instalação de tratamento de minérios e as escombreiras, reduzindo substancialmente o empoeiramento produzido próximo da escola primária e as emissões de gases, o combustível gastos e as horas de máquina na operação dos dumpers Volvo. Esta correia foi posteriormente ampliada para 1.000 metros e mais tarde para 1.500, reduzindo em três quilómetros cada ciclo dos dumpers. A substituição de vários motores elétricos por motores de última geração, mais eficientes e de menor consumo, e ainda a instalação de novos ventiladores na chaminé principal de ventilação e toda a remodelação feita no circuito primário de ventilação da mina, melhorando substancialmente a ventilação e o ambiente de trabalho da mina.
Houve ainda a instalação de silenciadores na chaminé principal de ventilação, reduzindo o ruído ambiente emitido pelos ventiladores, e a insonorização da instalação de britagem secundária, muito próxima da povoação, com uma redução muito signifiativa do ruído.
Em outro ponto, fala-se da instalação de um fitro de partículas no ar da concentração final, reduzindo eficazmente o pó em suspensão existente naquela área de trabalho.
A nova estação de tratamento de águas de mina (ETAM), com uma capacidade de tratamento de 600 m3/h, que não só aumentou a capacidade de tratamento de água da antiga instalação da década de 50, como também a qualidade da água tratada, que em parte é descarregada para o sistema hídrico a jusante. Toda a água tratada e descarregada na ribeira do Bodelhão, cumpre todos os parâmetros da licença ambiental. Esta instalação chega a trabalhar 24 sobre 24 horas, sete dias por semana, durante o inverno.
O controlo ambiental desta descarga não termina aqui. A BTW monitoriza ainda a qualidade da água a montante da descarga, ao longo da ribeira do Bodelhão e em vários quilómetros do rio Zêzere, a montante e jusante da confluência da ribeira com este rio. A BTW é autossufiiente em água industrial, na alimentação de todo o seu processo produtivo, reutilizando a água tratada na ETAM.
Neste momento, as Minas da Panasqueira estão a proceder à instalação de uma UPAC fotovoltaica que irá fornecer cerca de 20% do seu consumo de energia elétrica.
Especial cuidado tem havido com as lamas produzidas no processo produtivo. A nova célula de deposição deste material está em construção e obedece a todos os requisitos legais existentes. O acompanhamento da construção tem sido uma constante, quer pelo projetista, quer pela entidade licenciada.
O reprocessamento de lamas de processo tem sido alvo de vários estudos e estas poderão constituir um recurso secundário e um ativo bastante interessante no futuro.
A reflorestação com eucaliptos na maioria dos terrenos da empresa, também tem ajudado ambientalmente e permite ter um balanço negativo nas emissões de gases com efeito de estufa.
Recurso finito, mas não para já
Tratando-se de recursos finitos e esgotáveis, a Mina da Panasqueira, tal como qualquer outra, tem fim à vista. Mas não é para já. “Temos reservas para alguns bons anos, mas a longevidade desta mina depende fortemente da cotação do APT no mercado internacional”, explicita o gestor.
“Se o preço do volfrâmio, que é um metal estratégico a nível mundial, subir, as reservas que temos aumentam, por permitirem uma exploração com um teor mais baixo, aumentando a longevidade da mina. Se o preço descer, para fazer face aos nossos encargos, conseguimos dentro de certos limites aumentar o teor desmontado, mas isso reduz substancialmente a longevidade da mina”.
Quanto ao fecho da mina? Tem sido estudado e preparado de acordo com a legislação existente. Tem sido revisto de cinco em cinco anos, com especial atenção na valorização ambiental e no impacto social decorrente dessa situação.
Em termos ambientais, o foco tem sido mantido em garantir a estabilidade geotécnica da instalação de resíduos, a selagem das células de lamas, instalações a ser demolidas, áreas a recuperar, a manutenção pós-fecho do tratamento do efluente da mina, entre outras.
Alguns dos trabalhos previstos para a fase de encerramento da mina, têm sido antecipados. Alguns já foram concluídos e outros estão em curso, como por exemplo, a demolição de alguns anexos mineiros na área da Panasqueira, o fecho de vários antigos acessos ao interior da mina, o reforço estrutural do paredão de jusante da célula 2 A, entre outros.
Em termos sociais e de acordo com as autarquias, tem sido equacionado o aproveitamento turístico de parte das infraestruturas mineiras desta mina centenária. Neste âmbito, já foram cedidas algumas instalações da Empresa, tais como: os tanques de distribuição de água, a antiga escola que foi convertida em estação de correios e anfieatro, alguns pavilhões para a construção da escola primária existente, a antiga cantina onde está a ser concluído o futuro centro interpretativo das Minas da Panasqueira, o edifício dos escritórios centrais para conversão numa nova pousada, o antigo reservatório de combustível que foi convertido pela junta de freguesia num museu (o maior Gasómetro do mundo), o antigo Hospital da Mina agora convertido em Centro Social e Posto Médico, vários equipamentos mineiros para exposição e património futuro desta comunidade.
A UPAC fotovoltaica em construção, bem como subestação da Barroca Grande, também serão um importante ativo para esta comunidade, quando a mina terminar.
“Enquanto a mina laborar, será muito difícil promover o aproveitamento turístico da infraestrutura mineira subterrânea, mas após o encerramento da exploração, será sem dúvida o maior ativo no aproveitamento turístico e o principal promotor do mesmo quer na comunidade, quer na região”, remata João Pedro Real.