É necessário uma análise da tensão existente entre atividade agrícola e floresta: “Quando se fala na atividade agrícola, é a atividade e o território que merecem a maior discussão. Quando o tema se centra na floresta, (o assunto) é sobre o tronco e a copa”: o primeiro é “um bem económico que podemos usar já se a tivermos disponível”; a segunda “é onde se se faz a fotossíntese”.
Foi nesta dualidade floresta-atividade agrícola que João Pedro Matos Fernandes, ministro do Ambiente e da Ação Climática, se debruçou na sessão de encerramento da conferência “Alterações climáticas: que desafios para o setor agroflorestal nos próximos anos?”, que se realizou, esta terça-feira, no auditório da reitoria da Universidade Nova de Lisboa.
De acordo com o governante, dois terços do território português são compostos por florestas, matos e pastagem, sendo que o outro terço representa a parcela significativa correspondente à agricultura, classificada como sendo “cada vez mais monocultural e cada vez menos se espalha em mosaico no território. Não tenho dúvidas do que é que pode produzir mais, mas permito-me ter dúvidas sobre o que é que é melhor e essa discussão que tem de ser feita”, alerta.
É por isso que, quando se fala em “sequestro de carbono”, “deve-se mesmo incentivar o mínimo de perturbação no uso do solo”. Aliás, Matos Fernandes não deixou de reiterar para a importância da agricultura ser “muito mais respeitadora do limite daquilo que são os sistemas terrestres e muito mais adaptada às condições naturais que existem. Se há atividade económica que mais sofre com as alterações climáticas, é a atividade agrícola”, afinca. Uma agricultura “bem feita” pode desempenhar um papel importante no “ordenamento do território” ou na “fixação da população em condições dignas em territórios de baixa densidade”, sendo mesmo “essencial para biodiversidade” de Portugal.
E o Memorando de Entendimento do projeto “Ação climática – avaliação mitigação e adaptação às alterações climáticas no sector agroflorestal”, assinado durante a conferência, vai ajudar a construir “vários modelos” que permitam à agricultura “fomentar, desde a sua génese, as cadeias curtas de produção e de consumo”, além de a tornar mais “produtiva”, mas que seja mais adaptada ao seu território: “Quem tem que se adaptar somos mesmo nós. A ideia do “just fit” é mesmo aquela que existe em cada ecossistema e vale a pena olhar sempre para eles”, reforça o ministro.
Voltando à ideia inicial, o governante quis reforçar a ideia de que a floresta é muito mais do que um somatório de árvores: “Temos que, decididamente, ser capazes de olhar a floresta como o maior recinto da biodiversidade que Portugal tem. Temos mesmo que saber olhar a árvore pela copa porque, ao promovê-la, vamos também dar mais valor ao tronco: a madeira desse tronco vai passar a ser utilizada para (atividades) mais nobres”.Tendo a floresta um papel essencial, enquanto sumidouro do carbono, Matos Fernandes não vê nenhuma razão para que a floresta do carvalho ou do azibo não seja também de produção: “Em muitas destas árvores, quando devidamente maduras, podem ser aproveitadas a madeira”.
Reconhecendo que, num clima mediterrânico, os fogos vão continuar a existir, o chefe da pasta do Ambiente alerta que os mesmos vão ter a dimensão que tiveram num passado pouco distante: “Combater esses fogos é, entre outras coisas, promover a biodiversidade e é criar condições para promover o investimento na floresta”. Por isso, reduzir para metade a área ardida até ao final da década, ou seja, seis milhões de hectares de mato, floresta e de pastagens é a grande aposta: “Temos de ter capacidade de intervir, nesta década, um quinto desta paisagem, ou seja 1,2 milhões de hectares, reconstruindo o mosaico paisagem, por forma a garantir, no limite, a paisagem que existia no país antes destes fogos terem esta dimensão”.
Se, nos últimos anos, o foco se centrava na redução dos gases de efeito de estufa, Matos Fernandes acredita que, muito brevemente, a expressão central será o restauro dos ecossistemas: “Vai ganhar um força impressionante e a pandemia mostrou isso de forma cristalina: discutir saúde humana sem discutir saúde animal e ambiental é, de facto, uma coisa muito parcelar e, por isso, o restauro dos ecossistemas é essencial”.