Eunice Maia, Ana Filipa Sobral e Joana Benzinho são as vencedoras da 10.ª edição do Prémio Terre de Femmes, iniciativa promovida pela Fundação Yves Rocher que todos os anos distingue mulheres com projetos a favor do ambiente.
Os galardões, no valor de 18 mil euros, foram entregues esta sexta-feira, 29 de março, num evento que contou com a presença de Marie-Anne Gasnier, responsável da Fundação Yves Rocher, associações e ONG’s, representantes políticos e antigas laureadas.
Eunice Maia, uma professora minhota emprestada a Lisboa que desenvolveu o projeto Maria Granel, levou para casa o primeiro lugar do prémio, com uma recompensa no valor de 10 mil euros. Com o objetivo de combater o desperdício alimentar e a produção de resíduos e numa altura em que a emergência do combate ao plástico se começava a popularizar, Eunice pôs mãos à obra e criou, em 2013, a Maria Granel, uma mercearia claramente à frente do seu tempo. Seis anos depois, chega o galardão.
Foi a primeira “Zero Waste Store” europeia e uma das pioneiras em todo o mundo a dispensar totalmente as embalagens de plástico e a vender exclusivamente a granel. Em Portugal, esteve na vanguarda do conceito “BYOC” (Bring Your Own Container) e com ele já incentivou milhares de portugueses a levarem o seu próprio recipiente para reabastecer na loja apenas com a quantidade de produto de que necessitam, evitando assim desperdício alimentar. Em menos de três anos, contribuiu para desviar mais de um milhão de sacos de plástico do caminho dos aterros.
O compromisso desta minhota é com o futuro, ou não fosse ela professora. Para Eunice, ser empresária não é o fim em si mesmo, mas um meio para contribuir para a redução da pegada ambiental e para assegurar a sustentabilidade do ecossistema. Isso mesmo está materializado em todos os produtos que disponibiliza na loja: são 100% biológicos, certificados e livres de organismos geneticamente modificados (OGM), respeitando os solos e o ritmo das estações do ano e da terra.
Eunice Maia quer fazer claramente a diferença na vida dos seus fregueses e, por isso mesmo, disponibiliza gratuitamente consultas com uma nutricionista e workshops que promovem um estilo de vida “zero waste”.
Na sua “to do list”, Eunice regista todas as semanas o seu desígnio maior: mostrar a cada vez mais pessoas que é possível reduzir a produção de resíduos e o desperdício alimentar. E é por isso que a professora desenvolve também o “Programa Z(h)ero”, uma iniciativa Maria Granel que pretende incentivar e sensibilizar escolas e instituições para a redução do desperdício e do plástico. Só em 2018, este programa chegou a mais de mil crianças, alcance que Eunice Maia pretende mais que quintuplicar em 2019. Para o efeito, será precisamente neste programa de sensibilização que a recém-laureada canalizará o galardão recebido pelo Terre de Femmes.
Eunice Maia vai agora representar Portugal na corrida ao Grande Prémio Internacional, no valor adicional de 10 mil euros, numa competição que juntará também as primeiras laureadas dos restantes países onde já existe o Prémio Terre de Femmes, nomeadamente, Alemanha, Espanha, França, Itália, Marrocos, México, Rússia, Suíça, Turquia e Ucrânia.
Recorde-se que já em 2015 foi a uma portuguesa, à bióloga Milene Matos, a quem coube também a distinção internacional.
Primeira Base de Dados Fotográfica de Jamantas Chilenas vence 2.º lugar
É a primeira base de dados fotográfica de jamantas chilenas em todo o mundo – uma espécie de raia pouco conhecida que visita todos os anos Açores sem se saber porquê –, foi desenvolvida pela bióloga portuguesa Ana Filipa Sobral, conta com a participação ativa de dois milhares de cidadãos-cientistas, e acaba de receber o segundo lugar do Prémio Terre de Femmes, no valor de cinco mil euros.
Há sete anos, com o objetivo de aumentar o conhecimento sobre as espécies de jamantas que visitam o arquipélago e contribuir para a sua preservação, Ana Filipa Sobral criou o projeto Manta Catalog Azores.
Sendo os Açores um local com especial interesse para o turismo e atividades de mergulho, a investigadora desafiou mergulhadores, turistas e comunidade local a vestir a pele de “cidadão-cientista”. Para tal, só teriam de recolher imagens sempre que avistassem uma jamanta, fosse em fotografia ou vídeo. Dessa forma e devido às marcas e padrões únicos que se encontram na face ventral de cada um destes animais, que podem ser usados como verdadeiras impressões digitais, seria possível construir uma base de dados com informação precisa acerca da constituição da população, bem como dos movimentos migratórios da mesma.
Desde o início do projeto, Ana Filipa Sobral já reuniu mais de dois mil mergulhos de cidadãos-cientistas, cinco mil fotografias e 58 horas de vídeo.
Hoje, a bióloga marinha sabe que existem três diferentes espécies de jamantas nos Açores – a manta oceânica, a jamanta chilena, e a jamanta gigante –; que os montes Ambrósio, perto da Ilha de Santa Maria, e Princesa Alice, perto das ilhas do Faial e do Pico, são os únicos locais conhecidos em todo o mundo onde as jamantas chilenas formam grande agregações, entre junho e outubro; e que todos os indivíduos que visitam estas águas são adultos e muitas das fêmeas estão grávidas. É possível, por isso, que as águas açorianas sejam preponderantes para a reprodução da espécie, apesar da escassez de informação científica não permitir, ainda, retirarem-se dados conclusivos sobre estas visitas anuais das jamantas chilenas ao arquipélago.
A razão exata porque se formam grandes grupos de jamantas chilenas nos Açores pode ser ainda um mistério, mas a investigadora quer garantir que estas populações são devidamente protegidas. Nesse sentido, a investigadora propôs ao Governo Regional a criação de um santuário de jamantas nas águas à volta da ilha de Santa Maria.
Têm o corpo em forma de losango, cauda longa, os maiores cérebros de todos os peixes, podem atingir os sete metros de envergadura, estão entre os mergulhadores mais profundos do oceano e podem viver até aos vinte anos. São espécies altamente migratórias e demoram muitos anos a atingir a maturidade sexual, reproduzindo-se muito pouco, tendo apenas uma ou duas crias a cada dois ou cinco anos.
Atualmente são conhecidas dez espécies, mas pouco mais se sabe sobre as jamantas. Apesar disso, são já consideradas espécies ameaçadas, quer em consequência da crescente procura do mercado medicinal asiático pelas suas guelras — por se acreditar que curam um largo espectro de doenças, pese embora não haver evidência científica que o demonstre –, quer pela quantidade de jamantas capturadas de forma acidental. A pressão sobre estas espécies tem sido muito grande e algumas populações têm vindo a demonstrar declínios superiores a 80%.
Com o valor do Prémio Terre de Femmes, Ana Filipa Sobral pretende alugar embarcações indispensáveis para a recolha de dados e amostras genéticas e comprar material para o reforço desta base de dados. Para além disso, a investigadora pretende também reforçar as ações de sensibilização junto da comunidade para a importância da conservação destes animais.
3.ª Eco-cidadã instala descascadoras de arroz na Guiné-Bissau que permitem às meninas voltar à escola
O terceiro lugar do Prémio Terre de Femmes foi entregue a Joana Benzinho, a portuguesa que rumou até à Guiné-Bissau para instalar máquinas descascadoras de arroz que criam tempo, permitindo que as mulheres se possam dedicar a outras atividades económicas e que as meninas voltem à escola e recebam educação em iguais circunstâncias que os meninos.
Joana Benzinho é fundadora e presidente da Afectos com Letras, ONGD que concentra a sua atividade na Guiné-Bissau, e, numa das muitas viagens que fez a este país, chamou-lhe a atenção o facto de muitos habitantes das aldeias se dedicarem ao cultivo do arroz, sendo a sua descasca uma tarefa bastante penosa, feita manualmente e geralmente por mulheres e meninas.
Daí até Benzinho levar para a Guiné-Bissau descascadoras de arroz que criam tempo, arroz de melhor qualidade, uma maior capacidade financeira das populações e que contribuem para a autonomização das mulheres e meninas guineenses, foi um instante.
As máquinas, que permitem a descasca do arroz de forma automatizada, um rendimento de 800 quilos por hora, são de uso comunitário e já estão nas aldeias de Barambe, Blequisse e na ilha de Jeta.
As mulheres passaram a ter tempo para outras atividades económicas, as meninas a poderem ir à escola, e o arroz produzido até já está a caminho de receber a certificação BIO, o que permitirá que as famílias o possam vender, reforçando os seus rendimentos.
Com o galardão de três mil euros que acaba de receber, Joana Benzinho pretende dotar agora Quilum com uma descascadora, possibilitando que os cerca de 300 habitantes da aldeia e aqueles que vivem nas povoações circundantes possam também usufruir desta máquina que cria tempo. Para além disso, Benzinho pretende ainda adquirir quatro máquinas de ensaque, de modo a que as comunidades possam embalar e comercializar o arroz biológico que produzem.
Recorde-se que, escolhidas entre dezenas de candidaturas, as agora conhecidas eco-cidadãs do ano foram selecionadas por um júri independente e altamente qualificado, composto pela bióloga e antiga laureada Milene Matos; por Luísa Schmidt, socióloga e investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa; Susana Fonseca, investigadora no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e membro da direção da Associação Zero; e Mário Grácio, técnico especialista do Ministério do Ambiente.
A distinguir projetos a favor do ambiente desde 2009, em terras lusas o Terre de Femmes já premiou 22 mulheres e apoiou com mais de 100 mil euros projetos que têm revelado um forte impacto social, ambiental e económico. A nível internacional, o Prémio Terre de Femmes vai na 18.ª edição, tendo apoiado já mais de 400 mulheres em mais de 50 países, num investimento total de 1,8 milhões de euros.