Marcelo critica “cegueira” face às alterações climáticas, mas elogia Portugal
O Presidente da República criticou ontem a “cegueira” de decisores políticos a nível mundial face às alterações climáticas, mas elogiou Portugal, em contraponto, considerando que se verifica um “consenso” nesta matéria, mesmo em período de campanha eleitoral. Marcelo Rebelo de Sousa falava na Culturgest, em Lisboa, na cerimónia de entrega do Prémio Pessoa 2018 ao biogeógrafo, investigador e professor universitário Miguel Bastos Araújo, distinguido pelo seu trabalho nas áreas da biodiversidade e das alterações climáticas.
À saída, questionado pela comunicação social se entende que Portugal deveria decretar o estado de emergência climática, como fizeram o Reino Unido e a Irlanda, o chefe de Estado manifestou-se convicto de que “os decisores políticos portugueses estão muito atentos e, se houver necessidade de dar um passo desses, o darão”, refere a agência Lusa.
Antes, contudo, referiu que essa decisão “depende naturalmente de quem tem poder executivo” e argumentou que “noutros países isso aconteceu porque se atingiram patamares e se ultrapassaram patamares, em termos de Acordo de Paris e daquilo que eram os grandes objetivos, muito preocupantes”, ou seja, “é uma decisão que tem muito a ver com a especificidade de cada país”.
“Eu penso que Portugal está, nesta matéria, felizmente, bem, porque temos consenso. Vejam que, em campanha eleitoral, como fora de campanha eleitoral, não há divergência sobre este tema”, considerou Marcelo Rebelo de Sousa. No seu entender, existe “uma grande coligação” na sociedade portuguesa, e as políticas seguidas por “vários governos” denotam uma “grande confluência”. “Felizmente, é daqueles pontos em que não há forças políticas, movimentos socias, iniciativas inorgânicas cegas como há noutros pontos do mundo”, reforçou.
No seu discurso na cerimónia de entrega do Prémio Pessoa 2018, o Presidente da República utilizou a expressão “cegueira” para descrever o comportamento que “muitas vezes tem caracterizado os decisores políticos económicos e sociais” face às alterações climáticas, “na sua incapacidade de ver o estado do mundo à sua volta e a necessidade imperiosa de repensar comportamentos, políticas, modos de vida e consumo”.
“Neste passo, não posso deixar de sublinhar o contraste entre o consenso existente no domínio versado na sociedade portuguesa e a posição de decisores responsáveis a nível mundial que teimam em não querer ver, que teimam em manter um discurso absurdo e deslocado da realidade, que teimam em não respeitar os compromissos internacionais, que teimam em sobrepor discursos internos eleitorais àquilo que é o futuro do mundo”, acrescentou, sem nomear ninguém.
Na sua intervenção, Miguel Bastos Araújo apelou aos governos para que falem “em uníssono” sobre o impacto das alterações climáticas na biodiversidade que, alertou, “compromete de forma irreversível a futura evolução do planeta”. “Já não vamos a tempo de evitar uma crise climática e biológica no planeta. A escolha que temos em frente é termos impactos graves ou muito graves”, afirmou.
Segundo o investigador, “a meta [do Acordo] de Paris de limitar o aumento global de temperaturas a menos de dois graus face ao período pré-industrial parece hoje irrealista, visto não existirem sinais de abrandamento da taxa de emissões de gases com efeito de estufa”.
O premiado agradeceu ao Estado português “por garantir a existência de universidades de qualidade, financiadas com fundos públicos onde uma parte importante dos seus cidadãos pode desenvolver a sua formação académica” e destacou o papel da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) no apoio a jovens cientistas. “Já fui um desses e por esse apoio estarei sempre agradecido”, disse.
Marcelo Rebelo de Sousa enalteceu o “excecional percurso” de Miguel Bastos Araújo em termos nacionais e internacionais, “um dos cientistas mais citados no mundo na sua área”.
Nesta cerimónia discursou também o presidente do grupo Impresa, Francisco Pinto Balsemão, que pediu atenção para o trabalho deste biogeógrafo, salientando que o Prémio Pessoa “não é um prémio de carreira e visa estimular os premiados a prosseguirem e a fazerem mais e melhor”.
O Prémio Pessoa é atribuído anualmente, há 32 anos, a uma personalidade nacional que se tenha destacado nas áreas cultural, literária, científica, artística ou jurídica. É uma iniciativa do jornal Expresso, com o patrocínio da Caixa Geral de Depósitos (CGD), e tem atualmente o valor monetário de 60 mil euros.