“A Descentralização Energética – O Prosumer Público” foi o tema do segundo painel que esteve em debate na Conferência promovida pela TELLES e pela APREN (Associação de Energias Renováveis). O evento, que decorreu na passada terça-feira em Lisboa, teve como mote “O Desafio da Transição Energética”.
Moderado por Catarina Godinho Santos, associada da TELLES, este segundo painel ficou marcado pela perspetiva dos agentes do setor sobre “mudança de paradigma” e onde o “próprio consumidor passa a ser produtor de energia”. Esta é uma nova realidade em termos de “expressão territorial”, onde surgem “novas realidades energéticas locais” e uma “nova figura” no panorama energética: “o Prosumer”. Sobre este cenário, a moderadora lançou para debate se “as políticas têm acompanhado esta realidade? Têm sido um exemplo a seguir? E são mesmo um Prosumer?”
Maria José Rodrigues, da Lisboa E-Nova, sublinha que a Agência de Energia de Lisboa está em “em linha” com o município no que toca à “política de energia e ambiente da cidade”. No ano passado, “fizemos aprovar o Plano de Energia e Sustentável do Clima” com a Assembleia Municipal a votar no instrumento por “unanimidade. O que significa que, nesse plano, Lisboa instituiu a visão que rege o país: a Neutralidade Carbónica 2050”, sublinha a docente, alertando, no entanto, para a necessidade de haver “objetivos muito ambiciosos do ponto de vista de eficiência energética e no setor da mobilidade”, como a meta de energia solar de “8 MW de capacidade em instalação de edifícios. Quando foi estabelecida, estávamos a partir de uma base de 2 a 3 MW”, afirma Maria José Rodrigues. Neste momento, “estamos a perder um aumento de 4x a potência instalada”, o que significa “um grande salto”, quer no investimento camarário, quer do setor privado e empresarial.
Este salto será ainda maior em 2030 com o objetivo de estarem instalados na capital 100 MW. Maria José Rodrigues sublinha que o município lisboeta está a prosseguir uma política de “efetivação das comunidade de energia. Temos aqui um vazio muito grande e há vontade de criar um mercado de agregação e uma lógica distinta da que temos”, refere a responsável. Esta visão de que “podíamos consumir numa altura e produzir noutra em pontos distintos da produção” pode ser impulsionada graças a um decreto-lei que rege estas questões mas que “passou despercebido. Não sendo um regime de licenciamento, institui um incentivo à mobilidade elétrica coletiva, sendo totalmente omisso em termos de procedimentos o que se entende por produção renovável”.
Municípios também podem ser Prosumer
A cidade de Lisboa tem em cima da mesa vários projetos. Como é o caso da instalação de uma central fotovoltaica de 2MW em terrenos sem utilidade de um cemitério. Este tema, a juntar-se aos autocarros elétricos “que também estão a chegar”, são temas “quentes” na Câmara. A mobilidade elétrica é sem dúvida um ponto “foco” no Roteiro da Neutralidade, no Plano de Energia e Clima e nos municípios que são “quem gere” estes temas, afirma Maria José Rodrigues.
Uma outra perspetiva da cidade de Lisboa é o “ativo” em termos de edificado na cidade com mais de 600 edifícios. Há uma “proatividade que Lisboa persegue”, diz Maria José Rodrigues, notando que cabe ao município a responsabilidade da gestão neste campo do mercado residencial, “não só do que existe como no investimento em nova habitação”. A docente diz que o mercado está a sofrer “remodelações profundas para mitigar os efeitos de pobreza energética”, existindo a “possibilidade” de produção energética “para zonas comuns com um grande sistema para meio urbano”. No entanto, esta energia só pode ser usada em zonas comuns, estando a ser desperdiçada uma grande quantidade que poderia “ser dada de benefício aos habitantes, que em larga maioria, acedem a uma tarifa social”. A maior dificuldade será “fazer evoluir a legislação em autoconsumo”, sendo necessário “encarar com coragem a agregação ao nível das redes e de quem é que as paga”, sublinha a docente.
Por seu lado, “a descentralização elétrica parece já ter chegado à cidade do Porto”. Esta é a afirmação de Rui Pimenta, da Agência de Energia do Porto. O profissional apresentou um “caso prático” onde se comprova que o município do Porto é um Prosumer.
Com uma “panóplia” de edifícios municipais com grande exposição solar adequados e disponíveis para produção fotovoltaica, assim como Lisboa, o Porto é uma cidade “atenta” a esta questão. Como nota, o responsável referiu que cerca de “15% da habitação residencial” no Porto “é propriedade de município”.
Apoiado pela Agência de Energia do Porto, um projeto fotovoltaico aposta nas escolas e no carácter pedagógico, “espelhando que os projetos fotovoltaicos têm um grande potencial e são o futuro”, explica. O projeto já está na fase final mas outros projetos estão prestes a ser lançados a concurso, como é o caso da instalação de 34 centrais, o que permitirá uma “poupança anual ao município de 200 mil euros”, tendo um “payback de cinco anos” e uma “injeção na rede de 17%”.
Para 2020, o grande objetivo da câmara do Porto passa por conseguir “introduzir mais 2 MW”. Embora existem edifícios com menos potencial e onde não podem ser colocados painéis fotovoltaicos, o profissional é perentório ao afirmar que “há uma diversidade de outras soluções adequadas à realidade do município”. Contudo, é preciso estar alerta para alguns desafios como a “definição urgente das comunidades energéticas” e um “enquadramento legal para este tema”. A expectativa é a de “aumentar o número de instalações” e isso vai “obrigar a uma adequação da rede de distribuição em baixa tensão”. Por fim, e não menos importante, são as viaturas elétricas que “funcionam com dispositivos de gestão carga”. O que tem que ser garantido no final do dia é a “qualidade de serviço da eletricidade que chega aos consumidores”, sublinha.
Do lado lisboeta, Maria José Rodrigues deixa um alerta para a necessidade de “rapidez no processo. Estamos todos alinhados”. Para a docente, é fundamental “experimentar modelos”, sejam eles de “agregação física ou virtuais. Como conhecemos mal, temos de experimentar”, diz.
Já Rui Pimenta avalia a importância da necessidade dos municípios serem uma “parte integrante” neste processo. “Grande parte deste tema é vivido nas cidades e os municípios estão disponíveis para sugerir alterações legislativas e para atingirmos as metas que estão definidas” como, por exemplo, no Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050.