Levar água a Lisboa
Por Francisco Fialho Serranito, diretor de Operações de Abastecimento Água da EPAL
O Subsistema de Abastecimento de Castelo do Bode é considerado uma das 100 maiores obras de Engenharia realizadas em Portugal no século XX, tendo constituído um marco histórico no contexto do abastecimento de água à região de Lisboa, bem como um exemplo da gestão partilhada do recurso hídrico para diferentes usos.
A entrada em serviço, em 1987, deste sistema de abastecimento de água permitiu ultrapassar os problemas relacionados com a quantidade e a qualidade da água, que se registavam ao nível do abastecimento a Lisboa e aos concelhos limítrofes servidos, à época, pela EPAL. A construção do sistema adutor ao longo de uma extensão da ordem de 98 quilómetros, entre Castelo do Bode e Vila Franca de Xira, possibilitou a criação de novos abastecimentos de água a diferentes municípios situados ao longo do percurso, dinâmica esta que veio a constituir a base do modelo de desenvolvimento implementado pelo Grupo Águas de Portugal no âmbito das diferentes empresas regionais de abastecimento de água que foram sendo criadas no território continental.
Atualmente, o sistema tem capacidade para produzir 625.000 m3/dia de água potável de excelente qualidade, constituindo a origem de cerca de 70% dos volumes de água para consumo humano que a EPAL fornece, direta ou indiretamente, a 35 municípios, abrangendo uma população residente superior a 2,5 milhões de habitantes.
Esta água é captada através de uma torre de captação, localizada na albufeira de Castelo do Bode, que está ligada, através de um túnel, às instalações de elevação da água, sendo depois transportada para a Estação de Tratamento de Água (ETA), situada na Asseiceira. Na ETA a água é submetida aos mais rigorosos processos de tratamento antes de ser encaminhada para o sistema adutor que a transporta para os reservatórios dos municípios servidos e para os da EPAL, que fornece diretamente aos consumidores em Lisboa.
Hoje temos água de qualidade e em quantidade em toda a região da Grande Lisboa. Mas, nem sempre foi assim… Efetivamente, em meados dos anos 80 do século passado, a EPAL debatia-se com sérias dificuldades ao nível do abastecimento a Lisboa e concelhos limítrofes. Havia falhas de água recorrentes e era frequente a presença de coloração na água, resultante da forte presença de ferro em uma das captações então utilizadas. A construção e subsequente entrada em funcionamento do Sistema de Castelo do Bode, com uma capacidade de produção inicial de 375.000 m3/dia, tornou possível que todas essas limitações e constrangimentos passassem à história.
O sistema foi concebido de forma a viabilizar sucessivas ampliações da sua capacidade caso a evolução das necessidades de água o viesse a justificar. Esta necessidade rapidamente se fez sentir, uma vez que as disponibilidades e a qualidade da água produzida pelo Sistema de Castelo do Bode constituíram um importante fator de atração, conduzindo a que, de forma sucessiva, diversos municípios situados ao longo do sistema viessem a ser abastecidos pelo mesmo.
Assim, ao longo de mais de três décadas revelou-se necessário proceder a várias intervenções de ampliação do sistema, envolvendo as suas diversas vertentes – capacidade de elevação (Estação Elevatória de Castelo do Bode), sistema de tratamento (ETA da Asseiceira) e sistema de adução, mediante sucessiva duplicação de diversos troços do adutor – que foram permitindo o ajustamento das disponibilidades de água às necessidades de consumo, salvaguardando ainda a necessária folga para responder, com segurança, a situações excecionais ou de emergência.
A duplicação do sistema adutor de Castelo do Bode, que se encontra praticamente concluída, tem como objetivo aumentar a segurança e resiliência do sistema, para além de, naturalmente¸ incrementar a respetiva capacidade de transporte de água.
O Sistema de Castelo de Bode representa um exemplo de pioneirismo de planeamento estratégico no setor do abastecimento de água e também no que respeita à gestão integrada água-energia. De facto, durante as obras de construção da barragem de Castelo do Bode, inaugurada em 1951, foi construída parte da atual Torre de Captação, em particular as respetivas fundações e parte do corpo da torre, que foi elevado até sensivelmente à cota 85m. Esta obra de primeira fase permitiu que, mais tarde, em 1986/87, a restante componente da Torre de Captação pudesse ser construída, dando continuidade aos trabalhos executados em 1951, sem necessidade de esvaziar a albufeira, tendo apenas sido necessário rebaixar o respetivo nível até um pouco abaixo da cota 85 m.
O projeto de levar água a Lisboa, num trajeto de quase 100 quilómetros, provou ser possível encontrar soluções inovadoras para a gestão da água, comprovando igualmente a mais-valia da gestão integrada do abastecimento de água.
Concluídas as obras de ampliação que garantem a qualidade da água e a segurança do abastecimento, os principais desafios que se colocam para o futuro do sistema de Castelo do Bode prendem-se com a promoção de uma maior eficiência, com intervenções ao nível da modernização e renovação infraestrutural e tecnológica da ETA da Asseiceira e da redução da dependência externa ao nível do fornecimento de alguns reagentes críticos para o tratamento de água e também da promoção da autonomia energética e da economia circular.
Para tal estão em curso diversas intervenções de modernização na ETA da Asseiceira, a instalação de uma unidade de produção de Hipoclorito de Sódio in situ, a construção de três mini-hídricas e de um conjunto de instalações fotovoltaicas e a promoção da utilização, para fins diversos, de subprodutos gerados no processo de tratamento da ETA.
Estes são exemplos de como antecipamos desafios e continuamos a investir na resiliência e eficiência do maior sistema de abastecimento de água do nosso país.