Investimento de 400 milhões de euros em novas redes de gás é escandaloso face às metas de descarbonização e às alterações climáticas, alerta GEOTA

O GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente exprimiu a sua  discordância com as propostas de Planos de Investimento nas redes de distribuição de gás para o período 2025 a 2029 (PDIRD-G 2024) apresentadas pelos três operadores, no âmbito da Consulta Pública da ERSE.

“O investimento proposto ascende a 400 milhões de euros, com a construção  de 1 380 km de nova rede e a ligação de 100 mil novos pontos de consumo, sendo completamente alienado dos objetivos de descarbonização de Portugal e mesmo escandaloso perante a realidade das alterações climáticas”, alerta Miguel Macias Sequeira, Vice-Presidente do GEOTA e investigador em energia e clima no CENSE NOVA-FCT.

O GEOTA lembra que Portugal assumiu compromissos internacionais para o combate às alterações climáticas, como o Acordo de Paris, e que tem uma Lei de Bases do Clima que declara a emergência climática e vincula o país com a neutralidade climática até 2050. Também o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 e o Plano Nacional de Energia e Clima 2030 preveem fortes reduções no consumo de gás natural, em concordância com a meta de redução de 55% das emissões de gases de efeito estufa até 2030, face a 2005, consagrada pela Comissão Europeia. Assim, os investimentos propostos pela REN Portgás Distribuição, S.A., Sonorgás, S.A., e Grupo Floene estão em contra marcha face à transição energética em curso e correm mesmo um forte risco de se tornarem ativos encalhados (“stranded assets”) que podem ser ruinosos para os portugueses.

“Apesar das táticas desesperadas e vergonhosas de greenwashing dos operadores das redes de gás, o gás natural é um combustível fóssil e não é, evidentemente, uma fonte de energia ecológica, económica ou segura” esclarece Miguel Macias Sequeira. O gás natural é responsável por emissões de gases de efeito estufa, não só na sua utilização mas também durante a extração, processamento e transporte, contribuindo para o agravar das alterações climáticas. Adicionalmente, a sua queima nas habitações provoca poluição do ar interior com severas consequências para a saúde dos residentes, especialmente crianças e idosos, existindo também o risco de explosão. A vasta maioria dos novos pontos de consumo propostos nos planos de investimentos são habitações, o que irá perpetuar estes riscos ambientais e de saúde pública.

Portugal importa a totalidade do gás natural que consome, sendo que em 2023 quase 80% foi proveniente de apenas dois países (Nigéria e Estados Unidos). Apesar das sanções da União Europeia à Rússia em consequência da invasão da Ucrânia, em 2023, quase 8% do gás natural utilizado em Portugal foi importado da Rússia por via marítima, contribuindo para financiar a guerra. Esta total dependência dos mercados globais de gás coloca as famílias e empresas portuguesas em situação de elevada vulnerabilidade face a crises dos preços do gás, como ocorrido entre 2021 e 2022, e prejudica fortemente a balança comercial do país.

Existem alternativas mais ecológicas, seguras e custo-eficazes que permitem eliminar no curto-prazo o uso de gás em edifícios e na maioria das indústrias. A electrificação do aquecimento de espaços e água nos edifícios, recorrendo por exemplo a bombas de calor, é 3 a 5 vezes mais eficiente do que o uso de gás natural. Esta eletricidade é cada vez mais gerada através de fontes de energia renovável em Portugal (mais de 80% no primeiro semestre de 2024), contribuindo simultaneamente para a descarbonização e para a redução da dependência externa. Por fim, a utilização de hidrogénio verde ou outros gases renováveis em edifícios, muitas vezes apenas numa pequena percentagem misturada com gás natural, é tecnicamente desafiante, extremamente ineficiente e irracional do ponto de vista económico face às alternativas. A utilização destes gases na transição energética deve ser reservada para os setores difíceis de descarbonizar.

“Numa altura em que Portugal assume compromissos ambiciosos em matéria de alterações climáticas e transição energética, o país deveria estar a planear o descomissionamento progressivo das redes de gás de forma a minimizar as consequências negativas para as famílias e empresas e nunca poderia expandir esta rede com fortes investimentos de capital” alerta Miguel Macias Sequeira. O GEOTA espera que a ERSE, no âmbito da consulta pública em curso, rejeite os planos de investimento dos três operadores de rede por se encontrarem em claro conflito com a Lei de Bases do Clima e com o Plano Nacional de Energia e Clima 2030.