Esta nova bactéria poderá abrir caminhos na investigação para ajudar a proteger o ecossistema, ajudando a salvar os corais, e com um potencial impacto em reciclagem de resíduos marinhos – a Endozoicomonas lisbonensis tem a capacidade de reduzir nitratos a nitritos, um dos passos do ciclo do azoto (essencial aos ecossistemas oceânicos e, em particular, aos corais), uma característica que os seus parentes mais próximos não possuem.
Trata-se, assim, de uma bactéria simbionte dos corais, o que significa que estes dois organismos se beneficiam mutuamente – sem a presença desta bactéria, os corais poderiam ter maior dificuldade em sobreviver.
A bactéria foi inicialmente isolada em 2022, mas só após uma sequenciação completa do seu genoma foi possível confirmar que se trata de uma nova espécie. Desenvolve-se melhor na presença de sal, consegue mover-se e nadar graças a uma pequena estrutura chamada flagelo e é um organismo anaeróbio facultativo, o que significa que pode crescer tanto com ou sem oxigénio.
A descoberta e identificação desta nova bactéria é fruto do trabalho de investigação de Daniela Silva, Matilde Marques e Joana Couceiro, alunas de mestrado e doutoramento do Técnico, com o acompanhamento de Tina Keller-Costa e Rodrigo Costa, investigadores do Instituto de Bioengenharia e Biociências (iBB), unidade de investigação associada ao Técnico, e professores do Departamento de Bioengenharia do Técnico, e da Diretora de Biologia e Conservação Núria Baylina e da aquarista supervisora Elsa Santos, do Oceanário de Lisboa.
Outra das características desta bactéria é a sua capacidade de degradar hidratos de carbono complexos comuns no ambiente, incluindo celulose, xilano e quitina. “O nosso interesse centra-se especialmente na degradação da quitina, tanto pelo seu potencial biotecnológico – como a descoberta de novas enzimas que possam ajudar na reciclagem de resíduos da indústria do marisco – como pelo seu possível papel na interação com os corais”, afirmam os investigadores do Técnico.
Os corais alimentam-se através de uma dieta rica em quitina, pelo que estes microrganismos podem desempenhar um papel na disponibilização de nutrientes ao seu hospedeiro. Além disso, a quitina e as enzimas que a degradam (quitinases) podem estar envolvidas na comunicação entre as bactérias e os corais ou até na defesa contra patógenos fúngicos. “No entanto, muitas destas hipóteses ainda precisam de ser testadas”, relembra a investigadora Tina Keller-Costa. “Compreender os mecanismos exatos e os fatores evolutivos por detrás destas interações é o que mais nos entusiasma”.
As células e colónias desta bactéria são geralmente muito pequenas e podem facilmente passar despercebidas. Além disso, tendem a crescer lentamente em laboratório, o que faz com que sejam facilmente ultrapassadas por outras bactérias de crescimento mais rápido nos estudos de cultivo – muitas espécies deste grupo de bactérias ainda não conseguem ser cultivadas em laboratório, provavelmente porque precisam de condições muito específicas ou de nutrientes que recebem dos seus hospedeiros marinhos. “Recriar essas condições fora do seu ambiente natural pode ser bastante difícil. Parte da nossa investigação foca-se precisamente em superar este viés de cultivo, desenvolvendo novas formas de cultivar bactérias que até agora não conseguiam crescer em laboratório. Isto permite-nos não só compreender melhor o seu papel no ecossistema e explorar o seu potencial biotecnológico, mas também contribuir para a preservação da diversidade microbiana do nosso planeta”, partilhou Keller-Costa.
A equipa do Técnico tem um grande interesse no estudo da diversidade microbiana marinha, tanto do ponto de vista da investigação fundamental como das suas possíveis aplicações. Grande parte do seu trabalho centra-se nos microrganismos associados a animais marinhos, incluindo corais – tanto os que vivem em ambientes naturais como os que habitam ecossistemas artificiais, como é o caso no Oceanário de Lisboa.
“Os aquários contribuem para o estudo de muitas espécies difíceis de monitorizar e estudar no meio natural, como é o caso desta bactéria”, afirma Núria Baylina, reforçando que “os estudos realizados com espécies em ambientes controlados (ex situ) complementam aqueles realizados no meio natural (in situ) e a junção das duas abordagens permite avançar mais rápido no conhecimento científico sobre as espécies, o seu papel no equilíbrio dos ecossistemas e as ameaças que enfrentam”.
“Explorar o microbioma dos corais do Oceanário de Lisboa é particularmente entusiasmante”, segundo Tina Keller-Costa, “porque permite compreender a estabilidade da relação entre os corais e os seus parceiros microbianos”. A par disso, a caracterização do microbioma que foi feita no Oceanário pode ajudar a monitorizar e compreender melhor potenciais doenças microbianas no sistema, permitindo desenvolver estratégias eficazes para a sua prevenção e mitigação.
A descoberta da nova espécie recebeu apoio financeiro da agenda mobilizadora PRR Pacto da Bioeconomia Azul, no âmbito do projeto de capacitação Biobanco Azul Português.