“Indústria de pellets está a levar a declínio insustentável do pinheiro-bravo em Portugal”, acusa ZERO

O Barómetro Anual sobre Indústria dos Pellets 2023/24 em Portugal, elaborado pela ZERO, apresenta dados preocupantes ao nível da utilização de troncos de árvores que continuam a colocar em causa a sustentabilidade na utilização de madeira na indústria para a produção de produtos de maior valor acrescentado.

Em 2022, foram produzidas cerca de 750 mil toneladas de pellets de madeira, valor que em comparação com o ano de 2011 corresponde a uma redução de 11,8%, refletindo uma tendência observada em toda a União Europeia. Esta diminuição deve-se à queda da procura dos sectores da energia industrial e do aquecimento doméstico, em resultado dos fortes aumentos de preços associados à guerra na Ucrânia, sendo que a concorrência por matérias-primas escassas em Portugal, em particular pela rolaria de pinho, também é um fator a ter em consideração. A produção de pellets em Portugal em 2022 exigiu cerca de 1,4 milhões de toneladas de madeira, sendo que esta indústria continua a ser o segundo maior consumidor de pinho, representando 20% do consumo total.

Os operadores de fábricas de pellets de madeira afirmam que apenas utilizam biomassa residual na sua produção, referindo, por exemplo, que a indústria “não tem impacto ambiental… e apoia a gestão florestal, ao consumir sobretudo produtos oriundos da limpeza florestal e desperdícios da indústria de madeiras”. Contudo, as fichas técnicas das fábricas de pellets constantes deste Barómetro Anual mostram que grandes volumes de rolaria e troncos de árvores inteiras estão a ser ou foram recentemente utilizados em todas as grandes fábricas de pellets do Centro de Portugal.

Em Portugal, existem seis fábricas de pellets, com uma capacidade de produção unitária superior a 100 mil toneladas por ano, o que corresponde a uma capacidade total instalada superior a 760 mil toneladas anuais.

Esta indústria é um dos motores do “aumento alarmante das extrações em área florestal” observado recentemente em Portugal e, portanto, “um fator que contribui para o declínio dramático observado nos povoamentos de pinhal nas últimas décadas, uma vez que o pinheiro-bravo é a principal espécie usada pelos produtores e a maior parte da matéria-prima provém de operações florestais”, com as fontes secundárias de matéria-prima, como os “subprodutos de serração” (serrim, estilha e costaneira), a constituírem uma pequena fração, ou seja, cerca de 25%.

A subsidiação da produção de eletricidade a partir de biomassa fora de Portugal impulsiona a queima de madeira de qualidade

A central elétrica Drax continua a ser o maior consumidor individual de pellets portugueses e o Reino Unido o maior mercado de exportação, sendo a Dinamarca o segundo maior. Em conjunto, cerca de 300 mil toneladas de pellets portugueses foram queimadas em centrais elétricas no Norte da Europa em 2022, cerca de 40% da produção nacional. A queima de biomassa em centrais elétricas na Europa é fortemente subsidiada, com a Drax a receber cerca de dois milhões de euros por dia em subsídios para energias renováveis.

“Esta situação está a subsidiar indiretamente os produtores de pellets em Portugal que competem na aquisição de madeira com empresas que dependem exclusivamente da oferta do mercado nacional para sobreviverem e manterem postos de trabalho”, explica a ZERO.

Escassez de matéria-prima florestal leva a encerramento de fábricas

Embora no ano de 2022, em Portugal o mercado de produção de pellets em Portugal tenha permanecido relativamente estável em comparação com 2021, registaram-se mudanças significativas em algumas das fábricas de grande escala. Várias fábricas encerraram e a forte concorrência pelas matérias-primas e os aumentos significativos do preço de pinho contribuíram para esta dinâmica. A ATGreen, operada pela Khronodefine Lda., iniciou a produção em abril de 2022 e foi apresentada como a maior fábrica de pellets de Portugal, com uma capacidade de produção anual de 180 mil toneladas. No entanto, fechou as portas em junho de 2023, após pouco mais de um ano de funcionamento. Cerca de 30 trabalhadores foram despedidos, alguns dos quais não receberam os últimos três meses de salário. Os diretores alegaram que o encerramento era temporário, por três ou quatro meses, mas a fábrica ainda não reabriu. A Khronodefine Lda recebeu mais de sete milhões de euros de financiamento público para a construção da fábrica.

A Futerra Fuels também encerrou as suas portas em outubro de 2022, depois de só ter começado a produzir pellets em 2021. A fábrica de pellets com capacidade de 175 mil toneladas (a segunda maior fábrica de Portugal quando em funcionamento) foi apresentada como o maior fabricante mundial de pellets torrificados (ou pretos), mas é improvável que alguma vez tenha sido.

Governo deve intervir no setor

A escassez de matérias-primas está a atingir o ponto de não retorno para a indústria de pellets em Portugal, com duas das maiores fábricas do país a serem forçadas a fechar as suas portas nos últimos dois anos, com perturbações significativas sentidas por outros operadores.

É por isso que a ZERO exige ao Governo português não só quatro ações urgentes em quatro áreas, como também a ponderação de um plano para eliminar gradualmente as fábricas de pellets de grande escala em Portugal. Isto permitiria uma maior proteção das florestas de pinheiro em rápido declínio em Portugal, reduziria a contribuição de Portugal para os impactos climáticos da produção de energia e ajudaria a proteger outros utilizadores industriais de pinho que produzem bens de maior valor e não o queimam, como serrações e fabricantes de painéis de madeira.

Assim, a ambientalista pede o fim do financiamento público para a instalação, remodelação ou aumento de capacidade das indústrias de pellets; a introdução de um parecer vinculativo do ICNF (Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas) relativo à sustentabilidade do abastecimento florestal, tanto para o licenciamento de novas fábricas, como para o aumento da capacidade de produção das existentes; o aumento do financiamento público para a gestão florestal, em particular a dos pequenos proprietários, por forma a inverter a tendência de declínio; e a avaliação do  real impacte da indústria na floresta portuguesa e na restante indústria que compete pela biomassa florestal.