Com a época de elevado risco de incêndios a aproximar-se a passos largos, Portugal volta a estar alerta para os perigos nas zonas rurais e florestais. A Ambiente Magazine está a auscultar vários especialistas da área para perceber o que está a ser feito neste âmbito e como se encontra o nosso país para dar resposta a este desafio.
Num altura em que as previsões dão nota de “períodos meteorológicos severos”, Vasco da Silva, coordenador de Florestas e Vida Selvagem da ANP|WWF, chama ainda a atenção para o “acumulado combustível florestal”, nos últimos 50 anos, em algumas regiões do país e que se deve ao abandono da gestão da vegetação: “Caso hajam condições de ignição e desenvolvimento do fogo, a propagação do mesmo pode ser acima da capacidade de extinção dos meios de supressão”.
Apesar desta realidade, são já reconhecidos os esforços da União Europeia para apoiar os Estados-Membros, tendo duplicado a capacidade de combate com meios aéreos durante a época de incêndios. Além disso, “os sistemas nacionais e europeus de informação sobre fogos florestais vão fornecer previsões do perigo de incêndio a curto prazo” e, “se articulado com a campanha “Portugal Chama”, os portugueses podem contribuir, evitando comportamentos de risco”, acrescenta. Para além do “imediatismo da chamada ‘época de fogos'”, Vasco da Silva defende que, no médio e longo-prazo, os investimentos devem continuar precisamente na “transformação da paisagem”, para reduzir o risco de incêndio de forma estrutural.
“As paisagens passaram a ser dominadas pela grande continuidade de elevadas cargas de combustível”
O facto do primeiro incêndio ter ocorrido no início de abril só demonstra de que as previsões estão corretas e que o risco de incêndio em Portugal tende a crescer com o aumento da ocorrência de eventos climáticos extremos devido às alterações climáticas: “A ocorrência de incêndios fora do período crítico de fogos é um efeito desta mudança de padrões climáticos, que é uma realidade”. Por isso, “é urgente adotar medidas para combater os seus impactos, reforçar a resiliência e a capacidade de adaptação do nosso território a catástrofes naturais como são os incêndios, mas também as inundações”, atenta, relembrando que, “neste novo normal”, é fundamental “proteger as populações e dotá-las de conhecimentos para serem mais resilientes”, bem como “proteger a natureza que também é seriamente afetada pelos incêndios”.
Em jeito de antevisão para este ano corrente, o responsável acredita que a “perigosidade meteorológica de incêndio será elevada”, resultando em períodos de seca, com temperatura elevada e baixa humidade relativa do ar e vento: “Condições que aumentam o risco de incêndio”. O facto de muitas vezes se insistir que espécies como o eucalipto que alteraram o regime de incêndios em Portugal, Vasco da Silva atenta que neste novo tipo de mega-incêndios a “preferência” do fogo por diferentes tipos de vegetação não está demonstrada: “Estes incêndios são de tal forma violentos que não é por a vegetação ser diferente que eles vão ser menos perigosos e devastadores”. Para o especialista, a dimensão dos grandes incêndios é determinada pela estrutura da paisagem: “Em consequência do abandono das atividades agrícolas, da intensificação florestal e/ou da falta de gestão florestal, as paisagens passaram a ser dominadas pela grande continuidade de elevadas cargas de combustível”. Estas paisagens homogéneas são assim “mais potenciadoras do risco de incêndio”, em contraste com o chamado “mosaico heterogéneo” proporcionado, por exemplo, por “sistemas agroflorestais, com baixa densidade de árvores e culturas agrícolas ou pastagens”, explica.
“É preciso reduzir a área florestal, em alguns casos até 50% dependendo da região”
Apesar da Carta de Perigosidade ter sido suspensa pelo Governo até dezembro de 2024 e de continuarem a vigor as cartas dos PMDFCI (Planos Municipais de Defesa da Floresta contra Incêndios), Vasco da Silva espera que a Comissão Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais acautele que “as áreas prioritárias de prevenção e segurança sejam identificadas na Carta de Perigosidade à escala municipal ou intermunicipal”, e assim este diploma seja adaptado à realidade de cada território: “A Carta de Perigosidade é fundamental para o planeamento das medidas de prevenção e para a alocação de meios de vigilância e combate pois identifica os territórios onde os incêndios são mais prováveis de ocorrer e com maior severidade, sendo por isso uma componente da cartografia de risco de incêndio”.
Questionado sobre outras medidas que deveria ser aplicadas, o responsável refere que projetos como o “FireSmart” ou o “Pessoas e Fogo”, que terminaram no âmbito do Programa para a Prevenção e Combate de Incêndios Florestais da FCT, apontam que “é preciso reduzir a área florestal, em alguns casos até 50% dependendo da região”. Esta redução da área florestal consegue-se pela “reconversão do uso do solo”, nomeadamente pelo “aumento da área agrícola através de incentivos à valorização da agricultura familiar e/ou biológica”, e pela “valorização do pastoreio extensivo, práticas essenciais para a manutenção de habitats e conservação da biodiversidade”, remata.
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