Com a época de elevado risco de incêndios a aproximar-se a passos largos, Portugal volta a estar alerta para os perigos nas zonas rurais e florestais. A Ambiente Magazine está a auscultar vários especialistas da área para perceber o que está a ser feito neste âmbito e como se encontra o nosso país para dar resposta a este desafio.
Miguel Jerónimo, Coordenador do Renature no GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente, começa por recuar a 2010 para dizer que, desde esse ano, já arderam em Portugal cerca de um milhão e meio de hectares: “É urgente a execução de medidas de prevenção a esta problemática recorrente”. Quando questionado sobre as causas deste flagelo, o responsável aponta o “clima mediterrânico”, o “abandono agrícola”, a “desertificação humana do Interior”, a “falta de ordenamento florestal”, a “ausência da transformação da nossa paisagem, a “estrutura de posse e dimensão da terra” ou a “falta de aplicação do conhecimento científico”, como alguns dos principais, acrescentando ainda as “alterações climáticas”. As várias causas, “infelizmente, revelam a impreparação de Portugal” para prevenir e combater os incêndios, constata.
Sobre o facto de o primeiro incêndio ter acontecido já no início de abril, Miguel Jerónimo cita os dados do ICNF, para dizer que, desde o início do ano e até dia 30 de maio de 2023, “arderam 8509 hectares”, num total de 3398 ocorrências: “Utilizando 2022 como referencia, temos de perceber que 78% das ignições resulta da ação humana, 42% dos incêndios rurais registados em 2022 tiveram origem nas queimas e queimadas, seguido do incendiarismo, que representa 28%. Acresce ainda que 8% dos incêndios ocorrem por causas acidentais, como o uso negligente de maquinaria”, descreve o investigador, acrescentando que os fogos florestais são um “fator ecológico do clima mediterrânico” e, como tal, são inevitáveis. “(Agora), não precisam de atingir as dimensões que verificamos todos os anos e muitas ignições podiam ser evitadas simplesmente com a adoção de comportamentos responsáveis na floresta”, frisa.
“Após seis anos do ano trágico de 2017 os problemas estruturais da floresta portuguesa mantêm-se”
Sobre a Carta de Perigosidade de Incêndio Rural implementada pelo Governo, o Coordenador do Renature atenta que a mesma se encontra “suspensa até 2024”, sendo a sua aplicação nula. Do ponto de vista pedagógico, Miguel Jerónimo defende a importância de “os cidadãos conhecerem o risco de incêndio do território que habitam”, chamando, contudo, à atenção para o facto de “as medidas a adotar terem de ser aplicadas em equilíbrio com o normal dia-a-dia dos cidadãos, sob pena de condenar esses territórios a um confinamento sempre que há um elevado risco de incêndio”. O mais importante é que “todos os cidadãos tenham em mente a situação e a dinâmica de onde estão e, mais importante, que comportamentos adotar em todos os cenários”, precisa.
Entre outras medidas urgentes e defendidas pelo Grupo, Miguel Jerónimo destaca, desde logo, a importância de um “desenvolvimento sustentável da floresta com recurso a espécies autóctones”, como “o carvalho, sobreiro, azinheira, castanheiro, nogueira, cerejeira, espécies ecologicamente bem-adaptadas ao território”, considerando ser a melhor opção para a conservação do solo e a redução do risco de incêndio: “26% da nossa floresta é ocupada por uma monocultura de eucalipto em desacordo com o equilíbrio ecológico do nosso território”. A necessidade da aposta em “melhorar a coesão e o desenvolvimento territorial”, facilitando e apoiando as iniciativas empresariais e públicas de base local, também é algo sublinhado pelo investigador: “É necessário que o Estado execute as verbas destinadas ao investimento no desenvolvimento rural e à prevenção dos incêndios”. Outra medida identificada é promoção da “cooperação florestal em áreas onde predominam as propriedades de pequena extensão”, sendo disponibilizados os instrumentos necessários para potenciar a boa gestão florestal, assim como “desenvolver e expandir capacidades de proteção da floresta, especialmente no setor público, onde deve ser incluído o planeamento à prevenção de incêndios”. Finalmente, é também necessário promover a literacia sobre a floresta e a cidadania: “É essencial dar a conhecer o mundo rural e a natureza aos jovens”, defende.
Em jeito de antevisão de 2023, o responsável não está otimista: “Após seis anos do ano trágico de 2017, os problemas estruturais da floresta portuguesa mantêm-se, o que deixa o país altamente dependente das condições climatéricas durante o verão e do seu agravamento ou não”. O facto de Portugal estar a atravessar um período de seca é um fator que contribui negativamente para toda a situação, potenciando a ocorrência de incêndios: “Esta realidade é muito perigosa e que se agravará com a ocorrência de ondas de calor expectáveis durante o verão”, atenta.
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