Saber quais são os grandes desafios que se colocam ao setor energético em Portugal nos próximos tempos foi aquilo a que se propôs a Ambiente Magazine neste trabalho. Para isso, ouvimos associações e empresas que nos apontaram a transição energética como um dos maiores desafios, indicando o que se pode fazer para atingir os resultados ambicionados.

Serão vários os desafios que o setor da energia enfrenta e a Ambiente Magazine falou com algumas associações para perceber quais identificam como sendo prioritários. No lado da ADENE, não há dúvida de que o maior desafio é “garantir uma transição energética tranquila que cumpra as metas da neutralidade carbónica até 2050”. Isso mesmo nos diz Nelson Lage, presidente da Agência para a Energia, que explica que, uma vez que esta e qualquer outra transição só se faz com pessoas, o maior desafio de todos acaba por ser a informação e a formação contínua na área da energia. O responsável defende que Portugal deve apostar e investir na informação ao cidadão e na qualificação dos profissionais do setor, em especial na investigação e inovação, proporcionando “um ambiente favorável para um futuro energético mais sustentável”. Em termos genéricos, o dirigente associativo explica que o nosso país deve investir nas suas infraestruturas energéticas, promover a inovação, reforçar a aposta nas energias renováveis e na eficiência energética e ter capacidade de mobilizar os recursos financeiros que garantam o cumprimento dos objetivos da descarbonização e da sustentabilidade.
Para Nelson Lage, os maiores desafios de Portugal estão bem expressos no último Índice de Desempenho das Alterações Climáticas, que coloca Portugal em 15º lugar no grupo dos países com melhor desempenho, mesmo tendo caído duas posições. Segundo o documento, apesar de Portugal estar no pelotão da frente do desempenho climático, precisa de acelerar, ainda mais, o uso das energias renováveis, apostando na diversificando da sua matriz energética.

Por sua vez, João Torres, presidente da direção da Associação Portuguesa da Energia (APE), lembra que Portugal está alinhado com as metas de descarbonização e energias renováveis da União Europeia, e que estas são “ambiciosas e exigem que uma percentagem significativa do consumo energético seja de fontes renováveis”. E indica que a dependência de energias renováveis, como a solar e a eólica, requer uma infraestrutura de armazenamento eficiente para lidar com a variabilidade dessas fontes. É verdade que, atualmente, o país está a investir em soluções de armazenamento (baterias e bombagem), mas o responsável diz que a adequação da capacidade de armazenamento continua a ser um desafio importante, sublinhando que “para atingir estas metas ambiciosas são necessários grandes investimentos e eficiência na execução de projetos”.
O que se verifica é que a integração de grandes quantidades de renováveis exige uma rede elétrica mais inteligente e flexível, defende a APE, capaz de gerir fluxos variáveis de energia, otimizar o uso de recursos e aumentar a resiliência. Como país periférico, Portugal enfrenta o desafio de melhorar as suas interconexões com o resto da Europa, para garantir a segurança energética e poder exportar excedentes de renováveis. Para João Torres, “uma maior integração com a rede europeia poderia reduzir a necessidade de investimentos internos em capacidade de armazenamento, permitindo um fluxo de energia mais flexível”.
Relativamente aos combustíveis fósseis, o dirigente associativo refere que Portugal é totalmente dependente da importação e “a sua substituição por fontes renováveis é essencial, mas exige tempo e um aumento de investimentos”.
Já no que se refere à mobilidade elétrica, é necessário uma infraestrutura de carregamento nacional robusta e acessível, recorda o presidente da APE, que explica: “O incremento do número de veículos elétricos e a crescente eletrificação de processos industriais levará a um aumento do consumo de eletricidade, pelo que o país necessita assegurar que a sua rede elétrica esteja preparada para suportar esta maior carga”.

Por fim, Pedro Amaral Jorge, CEO da APREN – Associação Portuguesa de Energias Renováveis, começa por dizer que a Comissão Europeia tem estado focada na transição energética e que, no seguimento da crise geopolítica verificada desde 2022, avançou com uma série de medidas que promovessem a segurança de abastecimento energético europeia, a par com a transição para energias verdes. E Portugal tem vindo a adaptar-se, através de diferentes revisões legislativas nos últimos anos no sentido de acelerar e simplificar o licenciamento de projetos renováveis. Neste momento, está em curso a transposição da Diretiva das Renováveis e a Diretiva e Regulamento do Desenho de Mercado de Eletricidade. Ou seja, frisa o responsável, “vamos continuar num processo de introdução de novas revisões, onde se realça a necessidade de harmonização entre os diferentes diplomas e a necessidade de uma visão interpretativa igual para todas entidades envolvidas”.
A APREN lembra que tem também alertado, nos últimos anos, para a falta de disponibilidade de rede elétrica, que coloca Portugal numa situação crítica, condicionando a captação de investimento “pois não existe visibilidade para novo investimento para além de prejudicar a competitividade do país”.
Por último, Pedro Amaral Jorge chama a atenção para a questão da gestão territorial, lembrando que existem cada vez mais desafios na compatibilização dos usos dos solos, disponibilidade de terrenos para o desenvolvimento de projetos e competição com outras atividades económicas, o que irá impor uma visão mais integrada e com soluções que já estão ser desenvolvidas pelos promotores para assegurar múltiplos usos dos solos e também garantir o restauro dos ecossistemas.
A visão das empresas

Ouvidas que estão as associações deste setor, falámos também com algumas empresas e, da parte da Helexia Portugal, é importante não esquecer que, embora Portugal seja já uma referência em matéria de produção de energia renovável, “ainda há muito caminho pela frente, e o aproveitamento de coberturas e telhados para produção de energia, o armazenamento energético e a eletrificação da indústria são áreas que podem crescer”, explica João Guerra, diretor de Marketing e Comunicação desta multinacional especializada em soluções de transição energética. O responsável indica que, no caso específico do armazenamento, os investimentos previstos no PRR, que incluem a meta de 500 MW até 2025, “são cruciais e devem ser priorizados”, pois trata-se de projetos que vão permitir uma maior integração de energias renováveis, melhorando a estabilidade da rede e aumentando a competitividade do país no mercado energético global. Por outro lado, a Helexia defende que é importante estimular a eletrificação da indústria em Portugal, ou seja, a substituição de fontes de energia baseadas em combustíveis fósseis por eletricidade, preferencialmente gerada a partir de fontes renováveis. “Esta transição para uma indústria eletrificada não só reduz as emissões de gases com efeito de estufa, como também aumenta a eficiência energética e consequentemente, a competitividade das empresas”, frisa João Guerra.

Também Gonçalo Sampaio, managing director da Omexom Portugal, empresa do grupo VINCI Energies Portugal, concorda que são vários os desafios energéticos que se colocam a Portugal, sendo a transição para fontes de energia renovável, nomeadamente solar e eólica, uma prioridade. Mas tal requer investimentos substanciais em infraestrutura e tecnologia, aponta. E sublinha: “A integração das energias renováveis na rede elétrica, a modernização das infraestruturas existentes e a garantia da segurança do abastecimento são questões cruciais. Daí, também, a importância do reforço das interligações energéticas, nomeadamente elétricas, da Península Ibérica com o resto da Europa”. Por outro lado, a urgência climática e a consequente necessidade de redução das emissões de carbono, em linha com os objetivos da UE, são desafios contínuos, que exigem “uma abordagem coordenada e integrada, tanto a nível nacional como europeu, para garantir uma transição energética justa e sustentável”.

Já para Raul Santos, CEO da SunEnergy, são quatro os grandes desafios identificados. Desde logo, superar a dependência energética em relação ao exterior, não só em termos de energia primária (petróleo e gás), como também de energia elétrica. O segundo desafio é “conseguir rentabilizar ainda mais o investimento nas renováveis, estimulando a aposta em sistemas de armazenamento de pequena e média escala, e de forma descentralizada nas nossas casas e nas empresas”, refere. Por outro lado, há que melhorar as interligações das redes de transporte com o resto da Europa, de forma a permitir a exportação de energia renovável a médio e longo prazo e, por último, apostar mais na eficiência energética e na eletrificação dos consumos.

Já André Pedro, co-founder e CEO do Manie, um comparador de preços de eletricidade, recorda que Portugal enfrenta o desafio da transição energética, que inclui a integração de fontes renováveis de forma eficiente, a redução da dependência de combustíveis fósseis e a implementação de soluções de armazenamento de energia. Mas alerta que “a descarbonização do setor energético e o alinhamento com as metas do ‘Fit for 55’ da UE exigem investimentos significativos e inovação tecnológica para garantir uma transição justa e equilibrada”.

A Ambiente Magazine falou ainda com a Coopérnico, a primeira cooperativa portuguesa de energias renováveis, cuja coordenadora executiva, Ana Rita Antunes, faz questão de apontar que o pensamento sobre o planeamento energético evoluiu, tal como a rede, que foi interligada de Portugal à Europa, através de Espanha. Atualmente, “a inovação assente na digitalização das redes e ativos permite vislumbrar um futuro mais interessante e equitativo”, admite, mas adianta que também “implica sermos claros sobre o sistema energético que pretendemos ter”. A responsável sublinha que para “uma transição que transcenda a descarbonização e garanta um setor que integre a sociedade como uma força de estabilidade e não um empecilho, teremos de dar voz aos cidadãos e potenciar o seu envolvimento”.
Publicado na edição 108 da Ambiente Magazine