Numa altura em que Portugal está, finalmente, a pensar na recuperação, depois de dois anos marcados pela pandemia da Covid-19, vários especialistas juntaram-se numa mesa redonda para partilharem a sua visão sobre qual tem sido a evolução do país no que à transição energética diz respeito. Intitulado por “Mobilidade sustentável: impulsionando a recuperação verde”, o debate foi promovido no âmbito da apresentação da Global Mobility Call que se realizou esta quinta-feira, 17 de fevereiro, na Residência da Embaixadora de Espanha em Portugal.
Sofía Tenreiro, investidora e especialista em energia, começa por chamar atenção para o verdadeiro conceito de transição energética, lembrando que a prosperidade que surgiu nos últimos anos deve-se, acima de tudo, aos combustíveis fósseis: “A transição energética não é, apenas, conseguirmos passar para uma energia mais verde, mas também pensar como conseguimos influenciar o setor do transporte, as cadeias de valor, de produção e de distribuição para terem um impacto menor”. Ainda assim, a investigadora reconhece que Portugal tem feito um caminho muito positivo: “Temos empresas a investir muito nas diferentes formas desta transição energética”. Tão importante é, de acordo com Sofía Tenreiro, existir, no país, empresas cada vez mais focadas no cliente e a recorrer ao digital, sendo este último fundamental no processo: “Vamos conseguir automatizar muitas das tarefas que emitem emissões, atrair mais consumidores para um mundo mais verde e ter empresas a trabalhar novas capacidades”.
Sendo que o setor dos transportes é responsável por um quarto das emissões de CO2, a mobilidade sustentável surge não só como um contributo para a evolução ambiental que se deseja, mas também se relaciona com a competitividade e com a criação de riqueza na economia . Quem o diz é António Pires de Lima, CEO Brisa-Via Verde, que defende um caminho de cooperação entre público e privado, sem nunca abdicar da mobilidade: “Assim que acabaram as limitações de circulação, o tráfego nas autoestradas voltou aos números de 2019. A mobilidade é fundamental para a qualidade de vida e para o bem-estar das pessoas”.
A Brisa tem como meta a redução de 60% das emissões de CO2 até 2030, quando comparado com o ano de 2019, sendo que, em 2020, já conseguiu uma redução de 40%: “Estamos a fazer um trajeto para aquele que depende de nós, isto é, sermos uma atividade completamente sustentável sem abdicar do nosso papel como grande operador na área da mobilidade”. Um projeto que mostra bem o compromisso da Brisa é o “Via Verde Electric” onde, juntamente com sete parceiros, foi possível realizar-se um investimento de pontos de carregamento nas áreas de serviço em que a empresa opera: “Hoje, já é possível fazer as autoestradas da Brisa do Minho ao Algarve de carro elétrico, fazendo paragens de 10 a 15 minutos para carregar o veículo”, refere. Este é um investimento que, no entender do responsável, responde a uma das muitas ansiedades sentidas pelos condutores portugueses, nomeadamente a autonomia dos carros elétricos: “O que nos move neste projeto é a consciência social que temos do papel que é fundamental para a mobilidade sustentável”. Ou seja, é um “esforço coletivo” que depende de todos: “De pouco vale a Brisa cumprir o objetivo (de reduzir as emissões) se os nossos clientes continuarem a usar os automóveis tradicionais”, refere. Apesar de não existir ainda um retorno económico deste projeto, António Pires de Lima acredita que, no final, é a valorização que vai ganhar: “Seremos mais valorizados pelos clientes, stakeholders, entidades que nos regulam e Estado se formos um parte ativa e liderante nestes esforços”.
[blockquote style=”2″]Temos uma parte privada que tenta fazer e uma parte pública que não faz rigorosamente nada[/blockquote]
Relativamente ao interesse dos portugueses na mobilidade sustentável, António Oliveira Martins, diretor geral da LeasePlan, comprova que há um “apetite” no mercado por esta transição: “Da nossa parte há um empurrão, enquanto catalisadores assumidos nesta transição”. O papel da LeasePlan é, precisamente, de ajudar naquela que é a “ansiedade da própria adoção de um carro diferente”, como por exemplo, na manutenção ou na tecnologia: “É o papel de assumir todos esses riscos por conta dos nossos clientes e transformar um carro elétrico em algo palpável que é uma renda mensal com todos os serviços incluídos e economicamente atraente”. Em 2021, 4% da frota da LeasePlan era de carros elétricos, sendo que 11% eram híbridos plug-in. Em 2022, de acordo com a carteira de encomendas, a percentagem dos 4% subiu para 8%, e a dos 11% subiu para 30%. Nestas percentagens, o diretor-geral da LeasePlan chama atenção para os híbridos plug-in: “São um passo importante na mudança e são importantes na transição porque educam os condutores no carregamento”.
Questionado sobre os efeitos positivos e negativos da pandemia, António Oliveira Martins destaca que, por uma lado, conseguiu-se uma “maior ligação com a tecnologia” e, por outro lado, “desacelerou-se uma renovação do parque automóvel” que estava em curso: “Quando temos uma média de parque com 13 anos significa que temos carros com 20 ou 30 anos e esses são os verdadeiros poluentes”. Tão importante nesta equação da transição e, que do ponto de vista de António Oliveira Martins, tem ficado esquecido é que a transição parece que só acontece nos ligeiros de passageiros, sendo que os automóveis de mercadorias estão a escapar: “É necessário que a transição aconteça nestes veículos”, reclama.
Quem não parece estar tão otimista sobre a transição é Carlos Barbosa, presidente do Automóvel Club de Portugal (ACP), que segundo um estudo da Federação Internacional do Automóvel, em 2040, só 27% dos carros, em todo o mundo, serão 100% elétricos. Isto significa que a solução passa pelos “novos combustíveis” e o futuro pela adoção dos híbridos plug-in: “Fazem o papel deles que é ter uma autonomia de 50 a 60 km para fazermos o nosso dia-a-dia elétrico”, refere.
Nesta intervenção, Carlos Barbosa não deixa de lamentar aquela que tem sido a atuação dos governantes, nomeadamente dos autarcas portugueses, em prol da transição: “São os maiores inimigos da mobilidade sustentável”. Um bom exemplo que ilustra bem esta realidade é a cidade de Lisboa: “Nas grandes cidades, já não se discute proibir os carros, mas como vamos arrumar os carros: uma coisa é ter sítio para deixar os carros e utilizar transportes públicos, outra coisa é não ter um sítio para o fazer”. Na ótica do responsável, é importante que os governantes percebam que não é só decretar: “Temos uma parte privada que tenta fazer e uma parte pública que não faz rigorosamente nada”, lamenta.
Aproveitando a ocasião, Sofía Tenreiro não quis deixar de reiterar importância dos híbridos plug-in: “Não podemos acabar com os motores de combustão, assim como não haverão carros 100% elétricos, até porque não há infraestrutura para tal”. Portanto, aquilo que parece ser um “entrave à ação das empresas” é, precisamente, a “excessiva burocratização de licenciamento”, bem como a “complexidade que existe nas cadeias de abastecimento”, afinca.
Para falar de tendências que vão marcar o futuro da mobilidade sustentável Miguel Eiras Antunes, Smart Cities & Urban Transformation Global Leader da Deloitte, chama a atenção para aquele que é o maior desafio que persiste na maioria das cidades: “Mais difícil do que a tecnologia é o tema do ecossistema que envolve competências de energia, gestores de infraestrutura, gestores de tecnologia, consultores ou empresas de telecomunicações”. Ou seja, “o mais difícil em montar uma solução de mobilidade como serviço é montar um ecossistema sustentável”, atenta. Outro aspeto a ter em conta é que a “mobilidade sustentável” ou o conceito de “cidade dos 15 minutos” é algo recente e que começou a ser discutido há quatro anos: “É um conceito que requer muitas transformações e que vai demorar”, refere.
Mesmo assim, são várias as tendências que vão marcar o futuro da mobilidade. Segundo a Deloitte, a “eletrificação”, a “partilha” e a “intermodalidade” registam um claro aumento, com as soluções de mobilidade “inteligente” para crianças e idosos a acompanhar este ciclo. A “mobilidade de bens” e os transportes públicos assumem-se como um complemento dos restantes modos.
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