A Associação ZERO participou na consulta pública sobre os planos de desenvolvimento e investimento nas redes de distribuição de gás para o período de 2023 a 2027 (PDIRD-G 2022), promovida pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) e que terminou recentemente.
Apesar da “lamentável votação” por parte do Parlamento Europeu de classificar determinados investimentos no gás fóssil como sustentáveis a partir de 2023, a Associação defende, num comunicado, que a prioridade do sistema energético nacional é a sua “eletrificação”, acompanhada do incremento da “produção renovável de modo a poder-se atingir a neutralidade carbónica em Portugal antes de 2050, preferencialmente já em 2040”, e que “quaisquer investimentos no setor energético devem ser aplicados em soluções de energia renovável verdadeiramente sustentáveis e capazes de conduzir à independência energética”. Foi a esta luz que a ZERO investigou os “três planos em análise”, que contemplam um “montante total de investimentos de 265 milhões de euros na rede de gás”, nomeadamente no seu “alargamento a novos concelhos sem indústria significativa”.
Segundo a ZERO, os planos dos operadores incluem uma “aposta na preparação das atuais redes de distribuição para o hidrogénio verde”, numa mistura que “em volume não deverá ser superior a 15-20%, e em energia menos”. No entender da Associação, deve-se assumir a “mistura de gás fóssil com hidrogénio como transitória e limitada no tempo”, pois tal permitirá “alavancar a produção de hidrogénio em Portugal e as respetivas cadeias de valor sem perpetuar o uso de gás”. Ainda assim, esta é uma opção que “não deverá nunca servir para gerar ou justificar novos investimentos ao nível da expansão da rede de gás”, como os operadores de gás tentam fazer nestes planos: “Este pressuposto dos planos para a rede de distribuição é frágil e requer uma reavaliação”, lê-se no comunicado.
A ZERO defende que a redução do consumo de energia é a forma “mais limpa e mais barata de a sociedade se desabituar do gás (ou de qualquer outro combustível fóssil) e de cumprir os compromissos climáticos” da UE para 2030. Por isso, a “poupança de energia deve receber a relevância que merece”, sendo importante que se retirem as “devidas lições da atual crise energética e se incorporem nos planos para as redes energéticas, como a do risco de expor os consumidores à volatilidade dos preços de combustíveis fósseis, promovendo em contrapartida soluções limpas e de menor custo”, refere o mesmo comunicado.
O alargamento das redes de distribuição de gás, segundo a ZERO, não constitui a opção mais “custo-eficaz” para aquecimento, existindo outras soluções, nomeadamente as baseadas em “bombas de calor”, que consomem eletricidade – crescentemente renovável – e que têm uma eficiência energética várias vezes superior à do aquecimento a gás, tornando-se por isso as “mais baratas para as necessidades energéticas da habitação e ambientalmente mais favoráveis”, contribuindo ainda para a diminuição da pobreza energética no país.
Por esse motivo, vários Estados-Membros da União Europeia (UE) e outros países europeus têm vindo a decretar o fim de caldeiras e esquentadores a gás em novas habitações, como é o caso dos Países Baixos (2026), da Alemanha (2024), da Áustria (2023) ou do Reino Unido (2025), e a ZERO defende mesmo que a UE tome uma medida idêntica em toda a União com efeitos a partir de 2025.
Planos desalinhados dos objetivos climáticos e da independência energética
Nos planos existe um “claro desalinhamento” entre a expansão da utilização de gás fóssil proporcionada pelos novos investimentos previstos e os objetivos climáticos e energéticos do país e da União Europeia, refere a ZERO, lembrando que “estes investimentos deverão ser concretizados até 2027, mas têm um período de amortização de dezenas de anos que pode ir além de 2050, com consequências de longo prazo em termos de emissões de gases de efeito de estufa”.
Por outro lado, no entender da Associação, existem ainda consequências ao nível do tarifário, que constituem um “risco sério” para os consumidores, os quais terão de “suportar a subutilização das infraestruturas e os seus custos irrecuperáveis”.
Os investimentos são ainda contrários ao objetivo da Comissão Europeia de, no âmbito do pacote Objetivo 55, reduzir o consumo de gás em, pelo menos, 30% até 2030 face a 2019, e mais ainda contrários ao objetivo do RePowerEU, onde consta uma redução de gás que corresponde a mais de 50% do consumo de 2019. Ou seja, os presentes planos descuram os seus efeitos nos objetivos climáticos do país, e por isso a ZERO entende que é preciso repensar a forma como os operadores da rede de distribuição de gás desenham este importante instrumento para o desenvolvimento das redes energéticas do país.
Pelo exposto, a Associação considera que os planos cuja consulta agora terminou devem ser “revistos”, e mais concretamente os “investimentos na expansão da rede de gás devem ser travados”.