Fomentar o investimento privado na área do carbono azul é uma das prioridades do novo projeto da Fundação Calouste Gulbenkian. O projeto – “Gulbenkian Carbono Azul” -, lançado esta terça-feira, 8 de junho, Dia Mundial dos Oceanos, quer dar a conhecer e caracterizar os ecossistemas de carbono azul existentes de norte a sul de Portugal Continental, desenhar medidas de proteção e restauro e identificar os respetivos custos que serão necessários para garantir que estes ecossistemas continuem com a função de remover carbono da atmosfera. Mas, afinal, o que é o carbono azul? E qual a importância de preservar e restaurar os ecossistemas marinhos?
De acordo com Filipa Saldanha, subdiretora do Programa Gulbenkian Desenvolvimento Sustentável, carbono azul é o termo utilizado para designar o carbono capturado e armazenado pelos ecossistemas marinhos e costeiros: “Em Portugal, temos três tipos de ecossistemas de carbono azul reconhecidos com maior potencial para a mitigação do aumento de CO2 na atmosfera: pradarias marinhas, sapais e florestas de algas”. Este projeto reveste-se ainda de grande importância por tocar numa área “carbono azul” essencial para as negociações da COP27, Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas.
Criada a “base de conhecimento” que, até agora é inexistente no país, a Fundação Calouste Gulbenkian está confiante de que o projeto vai não só incentivar o investimento em projetos de carbono azul, como também contribuir para o combate à crise climática e proteção da biodiversidade e alcançar as metas do Acordo de Paris de 2015.
Dividido em três fases, o Gulbenkian Carbono Azul, numa primeira, que decorrerá até novembro de 2022, vai focar-se em gerar o conhecimento de base científico e, em particular, serão mapeados e caracterizados todos os ecossistemas de carbono azul em Portugal Continental, nomeadamente nas nove áreas que estão identificadas como zonas de elevado potencial para se prestar carbono azul: Parque Natural da Ria Formosa, Reserva Natural de Castro Marim, Estuário do Rio Arade, Ria de Alvor, Estuário do Mira, Reserva Natural do Estuário do Sado, Reserva do Estuário do Tejo, Ria de Aveiro e Lagoa de Óbidos. “Em cada uma das áreas serão identificadas a dimensão, a condição em que se encontra o ecossistema, a taxa anual de sequestro de carbono, entre outras características”, explica Filipa Saldanha, acrescentando que, o “mapeamento e a caracterização detalhada destes ecossistemas nestas nove áreas” permitirá definir as medidas de proteção e restauro adequadas. Ainda nesta fase, será desenvolvida uma “carteira de intervenções de conservação e restauro de ecossistemas”, incluindo tanto a “quantificação do carbono que será absorvido com respectivos custos”, como também “concluir outros tipos de serviços e benefício que sejam de relevância para investidores”, como por exemplo, a “proteção das zonas costeiras que têm sido um serviço do ecossistemas que muitas seguradoras a nível mundial já estão a olhar para além do sequestro do carbono”.
Na segunda fase, a Fundação Calouste Gulbenkian vai dar o primeiro passo, sendo a primeira instituição a investir nesta carteira: “É um montante que será no mínimo suficiente para compensar a pegada de carbono da Fundação que não foi possível evitar em 2021 (2.238 toneladas de dióxido de carbono equivalente, que incluem as emissões de gases de efeito estufa provenientes da eletricidade ou calor adquiridos e consumidos)”. Após este investimento, começar-se-á com a implementação de medidas de proteção e sequestro na área piloto selecionada conjuntamente com os parceiros: “Esta segunda fase decorrerá até ao final de 2022, início do próximo ano”.
Por fim, na terceira fase, que se vai sobrepor com a segunda, pretende-se escalar o Gulbenkian Carbono Azul, através de uma campanha de Advocacy, que dê origem à constituição de um mercado de carbono azul em Portugal: “Queremos fomentar a criação de uma quadro regulamentar que não pode ser complexo, mas suficiente para dar confiança a outros investidores”, refere. Basicamente, na segunda-fase, o projeto já terá uma “série de investidores-piloto” e, na terceira-fase “acreditamos que ao ter um mercado voluntário de carbono podemos ter condições reunidas para escalar o valor de investimentos em projetos de carbono azul” no país, precisa.
[blockquote style=”1″]”O Roteiro para a Neutralidade Carbónica (…) não faz referência aos ecossistemas de carbono azul no país”[/blockquote]
Para explicar a importância deste projeto para para a mitigação das Alterações Climáticas, Rui Santos, investigador no CCMAR – Universidade do Algarve, refere que os ecossistemas de carbono azul são mais eficientes do que as florestas a sequestrar carbono: “Embora só ocupem 0,5% da área do oceano, contribuem com mais de 50% do carbono que está sequestrado no sedimento do oceano”. Contudo, nas últimas décadas tem-se assistido a um “declínio global” com “50% das áreas ocupadas a desaparecem”, nota o especialista, acrescentando que, “além da perda de sequestro nos sedimentos ao longo dos milhares de anos”, a inexistência destes ecossistemas contribui para o “retorno de todo o stoque de carbono para a atmosfera”. Portanto: “É preciso não só preservar, mas também restaurar os ecossistemas degradados”.
Numa altura em que se fala de neutralidade carbónica, Rui Santos dá nota que o Roteiro para a Neutralidade Carbónica identifica o reforço da capacidade de sequestro de carbono pelas florestas – “carbono verde” – mas, não faz referência aos ecossistemas de carbono azul no país: “Está fora do roteiro e da contabilização dos gases de efeito de estufa que Portugal é obrigado a fazer”. Apesar do “carbono azul” não existir em termos de “governança”, Rui Santos reconhece que o “desconhecimento” já se começa a reverter: “Pela primeira vez, na Lei de Bases do Clima, há referência aos ecossistemas de carbono azul”.
No entender do responsável, iniciativas como o “Gulbenkian Carbono Azul”, são fundamentais “não só para sabermos o que temos na costa portuguesa”, mas também para “investir na recuperação da degradação: estamos a perder vastas áreas de ecossistemas costeiros de carbono azul e temos que parar com a degradação e implementar medidas de restauro”, remata.
A ANP | WWF (Associação Natureza Portugal) em associação com a WWF, e o CCMAR – Universidade do Algarve são os parceiros do projeto que conta com o Professor Carlos Duarte (King Abdullah University of Science and Technology) como embaixador. Dado que os ecossistemas marinhos e costeiros são domínio público marítimo, a Fundação e os seus parceiros vão ainda colaborar com as entidades públicas responsáveis pela sua conservação e gestão, nomeadamente as que estão na dependência do Ministério da Economia e do Mar (DGPM, DGRM, IPMA) e do Ministério do Ambiente e Ação Climática (ICNF).
O lançamento do Gulbenkian Carbono Azul inscreve-se na participação da Fundação Calouste Gulbenkian na Conferência do Oceano das Nações Unidas, que decorre em Lisboa entre 27 de junho e 1 de julho. A apresentação do Gulbenkian Carbono Azul ao público será feita no dia 27 de junho, às 16h45, no auditório do Fórum Oceano no Pavilhão de Portugal.