A recolha dos biorresíduos alimentares é obrigatória por lei desde 1 de janeiro de 2024. Contudo, uma análise feita pela ZERO baseada em dados de 2024 recolhidos junto dos municípios, constatou que se regista um desempenho insuficiente de forma generalizada, muito assente em projetos-piloto e, portanto, longe de alcançar os 100% de população.
Num contexto em que os aterros estão a chegar ao seu limite, fruto do atual modelo de aposta de sentido único na recolha de indiferenciado, a redução da deposição de resíduos urbanos biodegradáveis (RUB) – 40% do total dos resíduos produzidos – através da recolha seletiva deveria tornar-se uma prioridade absoluta para tentar minimizar a situação e cumprir com a legislação europeia. Mas, infelizmente, não é isso que está a acontecer, ainda que existam algumas boas práticas na gestão de resíduos urbanos por parte de alguns municípios.
Neste sentido, de acordo com os cálculos realizados pela associação, com base numa amostra de municípios selecionados a partir das melhores performances registadas nos dados do Relatório Anual dos Serviços de Águas e Resíduos em Portugal, produzido pela Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos, e considerando o modelo de recolha adotado, Guimarães, Seixal e São João da Madeira lideram as estatísticas, apresentando em 2024 capitações de biorresíduos de 144, 117 e 92 kg/hab de resíduos alimentares recolhidos seletivamente, respetivamente, calculados como o total recolhido desta fração considerando a população abrangida pelo sistema de recolha. De salientar que, ao incluir os resíduos verdes, são cinco os municípios com capitações acima de 90 kg/hab, incluindo Maia e Ourique.
Porta-a-porta e recolha seletiva de alta eficiência são a solução
Os dados recolhidos mostram que as cidades que optaram pelo modelo de recolha Porta-a-Porta (PaP) obtiveram resultados muito acima da média; em muitos casos, com resultados que são o dobro dos obtidos noutros sistemas, como é o caso dos contentores castanhos de proximidade.
Um dos exemplos apresentados é Guimarães, onde em menos de dois anos o sistema conseguiu estabilizar com 45.000 habitantes abrangidos pelo PaP (7.800 dos quais com sistema tarifário PAYT – Pay-as-you-Throw), com taxas de captura sensivelmente superiores a 60% dos biorresíduos disponíveis no sistema para a a população abrangida. No ano de 2024, em Guimarães, foram recolhidas 6.608 toneladas de biorresíduos alimentares através de um sistema porta-a-porta com sacos, das quais 5.536 toneladas são de origem doméstica e 1.072 toneladas provenientes do setor da Hotelaria, Restauração e Cafés (HORECA). Destaca-se ainda uma área com 7.830 habitantes, abrangida pelo sistema PAYT, que contribuiu para a recolha de 1.840 toneladas.
De forma similar, mas com o sistema porta-a-porta com balde de 10 litros, em São João da Madeira foram recolhidas 407 toneladas de biorresíduos alimentares para 20% da população (aderentes à recolha PaP dos biorresíduos) e no Seixal 3.704 (das quais 3.416 de origem doméstica e 288 do setor HORECA). Em Ourique, com o mesmo sistema de recolha, mas a uma escala mais reduzida, foram recolhidas 65 toneladas, representando 84 kg/habitante, de acordo com os dados fornecidos à ZERO.
Também cabe realçar os bons resultados obtidos por outros municípios. Este é o caso de Fornos de Algodres, que implementou um sistema de recolha porta-a-porta que abrange atualmente 38% da população, captando 8 toneladas de biorresíduos por mês e atingindo uma taxa de captura de 25%. O caso de Fornos de Algodres demonstra que a implementação de um sistema porta-a-porta, logo desde o início das suas operações, traz resultados positivos em termos de capitações (kg/hab) mas também na criação de novos hábitos de separação e no estímulo de novos comportamentos da população. O sucesso do modelo deve-se a diferentes fatores, nomeadamente: à implementação progressiva do sistema, garantindo proximidade com a população, à comunicação transparente e frequente dos resultados e às iniciativas educativas, como o uso de autocolantes de diferentes cores para corrigir erros na separação, promovendo hábitos consistentes e incentivando a participação ativa da comunidade.
O descalabro da co-coleção “sacos óticos” na captura dos biorresíduos
A escolha de modelo de recolha é fundamental, pois um conjunto de caraterísticas contribuem para a obtenção de bons resultados: proximidade do ponto de deposição, entrega de kit de balde para a cozinha com/sem sacos biodegradáveis, bonificação na tarifa aplicada aos biorresíduos, sistema de identificação do utilizador (acesso controlado aos contentores), etc. O modelo da co-coleção, com utilização de sacos óticos, promovido pela Tratolixo na suas área de atuação (Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra), baseia-se apenas na sensibilização da população que, embora tenha recebido um balde para a separação na cozinha e sacos específicos de cor verde, entrega de forma voluntária estes resíduos nos contentores do indiferenciado. Este sistema não implica nenhum tipo de controlo sobre a deposição correta e, na ausência de falta de instrumentos financeiros ou penalizações, quase não produz alterações ao comportamento do cidadão. E os resultados falam por si:
- Sintra, com uma população de 75.000 habitantes, recolheu 1.500 toneladas de biorresíduos alimentares correspondendo, apenas, a 20 kg por habitante.
- Cascais, com uma população de 190.000 pessoas, recolheu 3.500 toneladas, o que se traduz em 18 kg por habitante.
A ZERO considera que as toneladas recolhidas e valorizadas organicamente pela Tratolixo, embora significativas em termos absolutos, são insuficientes, já que não permitem o cumprimento de metas comunitárias e não contribuem significativamente para evitar a deposição de biorresíduos em aterro. Para além disso, acarretam elevados custos de investimento para a implementação da infraestrutura necessária na alta (sistemas de gestão de resíduos), desobrigando as entidades em baixa (municípios) da responsabilidade de melhorar a recolha.
Atribuição de financiamento tem de estar ligada ao desempenho do sistema
Este cenário é muito preocupante, pois continua a existir um elevado número de entidades municipais que ainda não recolhem os biorresíduos e muitas das que recolhem ou adotaram modelos pouco eficientes (sacos óticos, recolha de proximidade), ou pensam adotá-los a breve prazo, muitas vezes recorrendo a investimentos de fundos nacionais e comunitários disponibilizados por entidades que estão preocupadas apenas com a execução e muito pouco com a eficácia.
A ZERO defende que seja revisto o modelo utilizado para atribuição de verbas, contando com uma componente indexada à obtenção de resultados, por forma a evitar que os municípios optem por medidas, sejam elas pequenos pilotos ou grandes obras, sem qualquer viabilidade financeira, nem impacto sobre os indicadores desejados. Isto é, as entidades gestoras de fundos ou intermediárias (Fundo Ambiental, Programas Operacionais, Comunidades Intermunicipais) deverão escolher novas fórmulas de cálculo outcome-based, premiando aqueles modelos que têm vindo a demonstrar resultados, e aumentando a transparência dos processos para evitar que se gastem inutilmente os escassos recursos existentes.