Grupo de cientistas pede avaliação não condicionada sobre novo aeroporto
Um grupo de 43 cientistas, de diferentes especialidades e instituições académicas, enviou esta segunda-feira uma carta ao primeiro-ministro a pedir uma avaliação ambiental estratégica alargada e fundamentada e não condicionada, com vista à nova infraestrutura aeroportuária, noticiou a Lusa.
“Os cientistas pedem uma avaliação não condicionada por planos ou programas nos quais o projeto da nova infraestrutura se venha a enquadrar. Denunciam que o lançamento do procedimento de Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) a duas localizações com três opções, está a adulterar os princípios por que se rege” a avaliação, refere um comunicado de imprensa, ao qual a Lusa teve acesso.
O grupo lembra que a AAE solicitada pelo Governo “irá avaliar três opções, sendo que duas delas implicam uma nova infraestrutura aeroportuária na Base Aérea N? 6 (Aeroporto do Montijo) e na terceira opção essa nova infraestrutura seria localizada no Campo de Tiro de Alcochete”.
No entender estes especialistas, a AAE “devia ter subjacente um processo com uma definição de âmbito abrangente, rigorosamente fundamentado, com base no desenvolvimento de uma cultura verdadeiramente estratégica, com a incorporação dos valores ambientais e privilegiando a cooperação e o diálogo para a obtenção de consensos alargados”, refere o comunicado.
Neste sentido, enviaram uma carta ao primeiro-ministro, António Costa, a “apelar para que a AAE integre, sem rodeios ou ambiguidades, o conhecimento científico obtido até à data sobre as localizações definidas, sob risco de se realizar uma AAE apenas para cumprir requisitos formais, ignorando a defesa dos valores do património ambiental e indo ao arrepio dos compromissos europeus a que Portugal tão bem anuiu”.
Na missiva, da qual seguiu uma cópia para o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e para os deputados da Assembleia da República, o grupo defende que “se o interesse desta infraestrutura é reconhecidamente nacional e estratégico, como indicado no referido comunicado, então o procedimento de AAE não se deve limitar a apenas duas localizações”.
“Deverá sim ter uma definição de âmbito abrangente, assente numa fundamentação rigorosa, com critérios bem definidos e que resulte dum consenso alargado, onde não apenas algumas entidades, mas também especialistas e o público interessado possam participar, cumprindo assim o objetivo de alterar mentalidades e criar uma cultura estratégica nacional no processo de decisão”, argumenta.
Este grupo composto, entre outros, por especialistas nas áreas da ecologia, biodiversidade, ambiente e transportes, refere que “da mesma forma que a ciência tem servido o atual desafio de saúde pública”, também eles solicitam que o Governo “considere os pareceres dos profissionais nas várias áreas relevantes, encontrando consensos alargados em prol da sustentabilidade ambiental no contexto atual”.
“Preocupados com a alarmante degradação dos sistemas naturais dos quais a nossa sociedade depende, solicitamos que se digne a utilizar o procedimento de AAE por forma a que a decisão acerca das características de um determinado projeto (entenda-se a localização de uma nova infraestrutura aeroportuária) não se encontre já previamente condicionada por planos ou programas nos quais o projeto se enquadra”, escrevem.
Os especialistas pedem que “sejam solicitados pareceres às entidades às quais, em virtude das suas responsabilidades ambientais específicas, possam interessar os efeitos ambientais resultantes da aplicação do plano ou programa”.
No entender deste grupo, ao limitar o estudo a duas localizações, com três opções, “falharão também os três objetivos concretos, tal como descritos no Guia de Melhores Práticas para AAE”, entre os quais, “alterar mentalidades e criar uma cultura estratégica no processo de decisão, promovendo a cooperação e o diálogo institucionais e evitando conflitos”, lê-se na notícia da Lusa.
A carta assinala ainda “vários aspetos” que “devem ser considerados de forma estratégica” como o da atual pandemia, que “pode e deve permitir que se transformem problemas em oportunidades” como o de “repensar o papel do transporte de passageiros, nomeadamente a ferrovia, e dos modelos de mercados” com “mudanças significativas na mobilidade de longo curso no “pós-covid”.
O grupo argumenta ainda com a “Estratégia Nacional de Conservação da Natureza” aprovada em Conselho de Ministros, assim como “o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050” e “as metas estabelecidas no Pacto Ecológico Europeu a 11 de dezembro de 2019, que propõem a defesa da biodiversidade e o alargamento das áreas protegidas, como aspetos fundamentais para a salvaguarda da biodiversidade”.
A carta termina com um lamento pelo “tempo e custo financeiro que o Estado português já despendeu com o objetivo de expandir a capacidade aeroportuária”, mas defende que “apenas uma decisão bem informada poderá conduzir à solução que o desenvolvimento estratégico do país, nas suas várias dimensões, económica, social e ambiental, exige”.