No mercado há mais de 25 anos, a INDAQUA afirma-se como uma referência nacional em qualidade e eficiência no setor do abastecimento de água e saneamento de águas residuais. A integração no Grupo Miya, além de posicionar a empresa além-fronteiras, resultou numa maior diversificação da oferta e serviços que, desde então, aposta em projetos de eficiência hídrica. Nesta Grande Entrevista, o convidado especial é Pedro Perdigão, CEO do Grupo INDAQUA, que nos fala abertamente daquele que tem sido o percurso e as conquistas da empresa, não deixando de lamentar o estado atual do setor que, na última década, estagnou. Também, a contínua falta de ambição que existe em Portugal e, nomeadamente, a não valorização do setor privado, num setor que se quer resiliente no combate às alterações climáticas é um alerta que Pedro Perdigão deixa bem presente.
- Como se apresenta a Indaqua?
Atualmente, é um dos maiores operadores no universo das concessões municipais em Portugal, servindo mais de 600 mil pessoas, desenvolvendo também atividade em Angola, nomeadamente, através de projetos de engenharia e assistência técnica nesse setor. Uma liderança evidenciada em inúmeros selos de qualidade e prémios de excelência atribuídos pelo regulador, assim como numa performance ímpar no que toca à eficiência, a INDAQUA é responsável pelos três concelhos com níveis de perdas mais baixos de Portugal, apresentando igualmente, no conjunto das suas concessões, um índice de água não faturada inferior a metade da média nacional. Tirando partido das sinergias resultantes da integração, em 2016, no Grupo Miya (especialista em eficiência na gestão de recursos hídricos, com presença em vários países da Europa, nas Caraíbas, África e Ásia), a INDAQUA diversificou a sua oferta e serviços, apostando em projetos de eficiência hídrica e indo para além do seu tradicional mercado das concessões. Desta integração resultou ainda a capacidade de disponibilizar quadros técnicos altamente qualificados, essencialmente, nas áreas da Engenharia e da Gestão, que estão já a apresentar resultados em vários projetos internacionais de dimensão considerável, liderados pelo Grupo Miya. Esta exportação de know-how português altamente especializado e a importação de novas experiências e competências deixam-nos particularmente orgulhosos.
- Em que consistem esses projetos de eficiência hídrica?
São projetos que assentam num modelo de parceria com partilha de riscos e benefícios económicos garantidos para os clientes. Neste modelo, o parceiro privado realiza investimento cuja remuneração depende dos resultados efetivamente alcançados. Esta componente de remuneração por desempenho não é mais do que a partilha, por parte dos clientes, de uma parcela das poupanças resultantes da redução das perdas de água, à medida que as obtêm.
- Qual tem sido a aceitação destes projetos no mercado?
Como todos sabemos o valor de água não faturada, no nosso país, está estagnado nos 30% há, pelo menos, uma década, pelo que este tipo de projetos tem colhido franca aceitação e apresenta um potencial de crescimento imenso. Em poucos anos, a INDAQUA celebrou já contratos com várias entidades gestoras, com vista a aumentar a eficiência num total de 12 concelhos. Os resultados são muito promissores: em todos os projetos foram atingidos, ao fim do primeiro ano, os objetivos previstos para o segundo.
- Que balanço faz destes últimos anos fortemente marcados pela pandemia da Covid-19?
Ficou evidente, para quem ainda não o tinha claro, que a transição digital veio aumentar a resiliência das entidades gestoras e que esta se assumiu, igualmente, como essencial para a saúde pública das nossas populações. No caso da INDAQUA, onde já existia um grau muito elevado de digitalização de processos, foi possível conjugar a proteção dos colaboradores com altos níveis de qualidade do serviço (por exemplo, mantivemos sempre o atendimento presencial sem necessidade de marcação prévia) e cumprir com os objetivos a que nos tínhamos proposto. Atingimos, em pandemia, o valor mais baixo de sempre de perdas, tendo a água não faturada do conjunto das concessões descido a barreira dos 14%. Mas 2020 afigurava-se, ainda antes da pandemia, como um ano marcante para o setor, uma vez que era o último ano do PENSAAR e do POSEUR 2020.
- Que balanço faz a esse nível?
Infelizmente, a última década entregou-nos o setor como o encontrou – estagnado e com os principais problemas por resolver. Retirando algumas notáveis exceções, de uma forma geral, mantém-se: 1) o desconhecimento das infraestruturas e o insuficiente ritmo da sua reabilitação; 2) as elevadas ineficiências, onde as perdas de água são paradigmáticas; 3) os investimentos subaproveitados, onde a baixa adesão se eterniza; 4) o baixo nível de empresarialização, com entidades que desconhecem até os seus gastos e 5) a não aplicação do princípio do utilizador-pagador, em mais de metade dos municípios portugueses, com fortes repercussões na sua sustentabilidade.
- Considera que os planos estratégicos e programas de financiamento público falharam?
Sim, ainda que não por falha no diagnóstico ou planeamento, mas por falta de ambição e capacidade de execução. Falta o estabelecimento de um quadro geral de governança com os adequados incentivos à mudança e a responsabilização, de facto, de todos os envolvidos. O que se tem observado é, ao inverso, uma redução da pluralidade e um aprofundamento da centralização da decisão e da execução, infantilizando-se, por alegada inimputabilidade, alguns players com enormes responsabilidades e autonomia, como são os municípios. De que adianta termos o diagnóstico certo se, a seguir, apenas estamos disponíveis para distribuir placebos, mesmo que a fundo perdido? Ainda por cima, instrumentalizados para impor modelos de gestão, como se fez com as agregações, em vez de exigir resultados.
- Não vê nas agregações um meio eficaz para aumentar a eficiência que reclama para os municípios?
As agregações, por si, não são boas nem más. São, no entanto, uma ferramenta e não um fim em si mesmas. A opção de usar fundos comunitários para impor determinadas agregações, que não resultam da genuína vontade das partes em encontrar sinergias, quando elas existam, e partilhar autonomia, leva a sociedades em que todas as partes estão, à partida, enganadas. Normalmente, nestes casamentos por interesse, quando acaba o dinheiro, a separação é inevitável. Acrescenta-se a isto o facto de a perda total de autonomia dos municípios, por exemplo, no estabelecimento das tarifas, não ter sido devidamente explicada às populações. Se ainda vemos apenas algumas dissidências é porque vários municípios estão justamente à espera da conclusão das infraestruturas que serão construídas nos seus concelhos.
- Que alternativas se apresentam aos municípios de menor dimensão?
Como se sabe, as concessões a privados asseguram a escala necessária, mesmo a concelhos com menor população e mantêm a autonomia nos municípios que não têm de abdicar de estabelecer a sua política tarifária por 50 anos. Para além disso, asseguram as competências técnicas e de gestão que faltam em muitos concelhos de menor população. Veja-se o caso de Espanha onde cerca de metade da população é abastecida por operadores privados, alguns de dimensão mundial, muitas vezes em contratos de concessão com municípios de muito, muito, pequena dimensão.
- O que falta então ao nosso país?
É preciso ambicionar uma verdadeira transformação. Temos todas as condições para desenvolver um setor que, para além de assegurar, com eficiência, serviços de qualidade e sustentáveis, acrescente valor ao produto nacional.
- Como se materializa essa ambição em mudanças concretas para o setor?
Se tivermos a ambição de querer ser um milagre (como tanto parece que gostamos de ser) precisamos de assumir, de uma vez por todas, que: o princípio do utilizador-pagador é o socialmente mais justo e ambientalmente mais responsável; que a contribuição vinda dos impostos, a existir, deve ser agnóstica aos modelos de gestão, assegurando, acima de tudo, resultados, e que a prestação de contas e a transparência, assim como a competitividade e a concorrência, devem ser transversais. Num contexto de igualdade de condições de acesso à gestão destes serviços e aos fundos públicos (comunitários e nacionais), com um quadro regulamentar que assegure previsibilidade e reduzido risco político, temos as condições para atrair capital e investimento privado nacional e estrangeiro para os investimentos muito elevados e de retorno a muito longo prazo como aqueles de que o setor, de alto a baixo, vai necessitar.
- Como se transforma então um setor consumidor de recursos num setor gerador de riqueza?
Para além das tradicionais valências de engenharia e da indústria, de construção ou de tecnologia, existem já em Portugal vários operadores privados com dimensão e capacidade para assumir contratos que vão desde a prestação de serviços até às concessões, com forte investimento e risco em infraestruturas, em várias geografias, mesmo para lá dos PALOP. Algumas dessas empresas portuguesas integram grupos internacionais de dimensão muito superior aos que existem no nosso mercado, precisamente, pelo reconhecimento do know-how e capacidade de gestão que detêm.
- É, portanto, necessário valorizar o setor privado?
Sim, mais do que nunca faz todo o sentido o objetivo de dinamizar a participação de operadores privados, plasmado em todos os planos estratégicos das últimas duas décadas, quer através de concessões municipais, quer através da subcontratação por entidades gestoras multimunicipais e municipais. Infelizmente, em particular no PENSAAR 2020, este objetivo teve um grau de execução similar ao dos restantes – praticamente nulo. O que não parece fazer sentido é haver entidades públicas a internalizar a operação e manutenção das suas maiores infraestruturas, impedindo a atribuição desses contratos em concorrência e a obtenção das referências a eles associadas por operadores privados que as possam, efetivamente, utilizar em concursos internacionais. A alternativa à dinamização da participação de operadores privados será ter empresas públicas a participar em projetos e concursos no estrangeiro que envolvam fortes investimentos com elevado risco contratual e político em países terceiros – o que não parece, de todo, razoável e teve já resultados económicos catastróficos no passado, nomeadamente no Brasil, Cabo Verde e Moçambique. Não se pode esperar que entidades que não atuam em concorrência no seu próprio país tenham sucesso noutras geografias.
- Perante este contexto, como perspetiva o futuro?
Olhar para a frente implica, antes de mais, interiorizar que as alterações climáticas apenas começaram e que a nossa sociedade deixou de ser analógica para ser digital. Já não temos outra escolha senão adaptarmo-nos o melhor possível a um novo clima (com secas cada vez mais prolongadas, desertificação, escassez de água doce e fenómenos de precipitação mais intensos) e transitar para uma nova sociedade digital, onde a inteligência se vai artificializar e os processos se vão desmaterializar.
- Este setor tem uma responsabilidade acrescida no combate às alterações climáticas?
Sem dúvida. Este setor tem uma enorme responsabilidade e, por isso, tem de dar o exemplo com a sua própria descarbonização, quer reduzindo perdas, quer recorrendo a fontes renováveis de água e/ou energia, ou desmaterializando e digitalizando os seus processos. Para além disso, o setor da água será fortemente afetado pelas alterações climáticas necessitando de melhorar substancialmente a sua resiliência às mesmas. Aliás, a resiliência das nossas cidades dependerá, em larga medida, da resiliência dos sistemas públicos de abastecimento de água e saneamento de águas residuais, para os quais será essencial assegurar níveis máximos de eficiência. Isto é, níveis mínimos de perdas de água, de infiltrações de águas pluviais na rede de saneamento e de consumo energia.
- Como avalia os resultados do país ao nível da eficiência neste setor?
O que temos observado é que são as concessões de sistemas municipais, precisamente por assentarem em modelos com incentivos claros (únicos onde as tarifas não são chamadas a pagar as ineficiências), que apresentam melhores resultados. Veja-se, a título de exemplo, o facto de os operadores privados apresentarem valores de perdas de água próximos da metade da média nacional. Se a este fator juntarmos o contínuo crescimento da exigência na gestão destas entidades e da exigência dos utilizadores em relação à qualidade do serviço, que temos observado nos últimos anos, parece claro que, a médio-longo prazo, iremos observar o crescimento de concursos públicos para estes contratos, em Portugal e na Europa.
- E para o curto prazo, prevê mudanças significativas?
A curto prazo, o destaque vai para a enorme fatia dos investimentos previstos, no Programa de Recuperação e Resiliência, para as transições digital e climáticas – transições críticas para este setor e onde este setor é crítico. Com efeito, entendemos que o papel do setor na implementação do PRR não se deve limitar às verbas previstas para o Algarve, Alentejo e Madeira, sendo crucial que todas as entidades gestoras consigam concorrer a apoios para a sua transição climática e digital.
- Que tipos de modelo de negócio podem servir às entidades gestoras para atuarem no âmbito do PRR?
Neste contexto de urgência e de imperativo de eficácia, parece-nos que os projetos de eficiência e de performance, por assegurarem rapidez de execução e redução do risco para as entidades gestoras nos investimentos tecnológicos que envolvem, serão o modelo a privilegiar, quer no domínio da redução de perdas e de infiltrações, quer da eficácia comercial, com a instalação de contadores inteligentes, por exemplo. Portanto, este será um momento de enorme potencial para o crescimento e implementação alargada deste modelo inovador e que responde eficazmente aos objetivos de transição climática e digital.