Hoje em dia, a descarbonização e a transição energética estão no topo das prioridades de Portugal e da União Europeia. Para que a meta da neutralidade carbónica até 2050 seja alcançada, é preciso que todos os atores estejam envolvidos. Decisores políticos, cientistas, empresas e cidadãos devem estar em sintonia para responder à emergência climática. É precisamente este o foco da ADENE (Agência para a Energia), que se afirma como parte agregadora de todos estes atores da sociedade. Nelson Lage, presidente da ADENE, foi o nosso convidado para uma Grande Entrevista, onde ficou claro o compromisso desta entidade em prol de um planeta mais neutro e, consequentemente, mais verde.
O que é a ADENE? Que importância tem a Agência para a Energia junto dos cidadãos?
A ADENE tem no centro da sua missão as pessoas. São os cidadãos informados que decidem o nosso futuro comum. Para garantir a participação ativa dos cidadãos precisamos de os capacitar com os meios de informação necessários. A literacia energética é crucial para o nosso desenvolvimento, até porque hoje os cidadãos estão cada vez mais atentos e procuram estar mais informados sobre as questões da energia e da sustentabilidade. A transição energética só se fará com sucesso se estiver centrada nas pessoas.
A ADENE tem igualmente a responsabilidade de desenvolver atividades de interesse público na área da energia e colaborar com os decisores políticos e os organismos da Administração Pública, mas também com a Academia, as empresas e outras agências de energia, sejam elas locais, nacionais ou internacionais.
- E na prática, além da certificação e dos sistemas, como chega a ADENE ao grande público?
Chegamos de muitas e variadas formas. Através de uma informação permanente nas nossas redes sociais e junto da comunicação social, mas também vamos ao terreno e estamos juntos de todos.
Em março, criámos a Rota da Energia, um projeto que pretende envolver toda a sociedade, através de campanhas de informação e sensibilização, promovendo a literacia energética e fornecendo orientação técnica e qualificação para os profissionais, empresas e público em geral.
A Rota da Energia já chegou a mais de 7 mil pessoas. Realizámos perto de 90 sessões com alunos do 3º ciclo envolvendo, 27 escolas, estivemos com cerca de 200 técnicos municipais, conversámos com cerca de 100 representantes de empresas e da indústria e estivemos com mais de quatro mil cidadãos em oito sessões. Em 2021 a Rota da Energia abrangeu 19 Municípios, com a realização de ações dirigidas a escolas, técnicos municipais, cidadãos e entidades e empresas, mas queremos prosseguir este trabalho e em 2022 iremos a novos municípios.
- Há em curso vários programas de apoio à transformação de edifícios. Acha que os apoios previstos no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), são suficientes?
Muito dirão sempre que nunca é suficiente. O que sei é que nunca houve, num só período, um volume orçamental tão elevado para financiar o edificado nacional. Desde logo, o Programa de Apoio “Edifícios + Sustentáveis” revelou-se um sucesso.
Está também no terreno um importante de apoio às famílias mais desfavorecidas, o “Vale Eficiência”, do Fundo Ambiental que visa mitigar a pobreza energética. Até 2025, serão distribuídos 162 milhões de euros a 100 mil famílias, que só desta forma, poderão ter acesso a serviços, materiais ou equipamentos para melhorar o desempenho energético nas suas habitações. Este é um apoio direto a famílias em situação de vulnerabilidade económica e com carências energéticas. O “Vale Eficiência”, que conta com o apoio técnico da ADENE, apoia assim o combate à pobreza energética.
Cada vale eficiência, no valor de 1600 euros (com IVA), pode ser usado na troca de janelas ou portas energeticamente eficientes, no revestimento de paredes ou na compra de equipamentos como painéis fotovoltaicos para a produção de energia para autoconsumo.
Já no passado mês de dezembro, o Ministério do Ambiente e da Ação Climática lançou, por via do Fundo Ambiental, mais um aviso de apoio à eficiência energética de edifícios, desta vez dirigido à Administração Pública. O “Aviso para Apoio à Renovação Energética dos Edifícios da Administração Pública Central” representa um investimento de 40 milhões de euros e está enquadrado no PRR. Porque o Estado tem de dar o exemplo, este apoio tem por objetivo impulsionar a produção de energia de fontes renováveis em regime de autoconsumo, apresentando metas ambiciosas de redução, em média, de 30% do consumo de energia primária nos edifícios públicos e 20% do consumo de água. Este é mais um bom exemplo do que está a ser investido no edificado nacional e, diria, que não será por falta de dinheiro que não se fará a transição energética.
- E nestes Programas dedicados aos edifícios é intenção da ADENE continuar a estender esta parceria a outros programas?
A ADENE, neste caso em concreto, é um parceiro. Na divulgação destes programas, além de aproximar proprietários e empresas de modo a agilizar a realização de obras de melhoria, temos apoiado tecnicamente o Fundo Ambiental na definição e operacionalização dos Programas “Edifícios mais Sustentáveis”, “Vale Eficiência” e do “Aviso para Apoio à Renovação Energética dos Edifícios da Administração Pública Central”, que têm sido bem-sucedidos no incentivo à realização de medidas de melhoria da eficiência energética e hídrica nos edifícios existentes. É intenção da ADENE continuar e estender esse apoio técnico a outros programas de incentivo previstos no âmbito do PRR, nomeadamente para os edifícios de Comércio e Serviços, cujos apoios devem surgir em breve.
- A ADENE é conhecida pelo seu trabalho enquanto entidade responsável por vários sistemas de gestão e certificação. Qual a importância da certificação, enquanto instrumento de referência para a eficiência energética?
A Certificação é cada vez mais um instrumento essencial à descarbonização e apoia a transição energética. O certificado é um aliado dos cidadãos, pois por exemplo, ajuda a vender ou arrendar um imóvel, ou aceder a financiamentos públicos destinados a melhorar a eficiência energética.
A ADENE, enquanto responsável pela gestão do sistema de certificação energética de edifícios, contribuiu para a recente transposição da Diretiva europeia do desempenho energético dos edifícios para a legislação nacional. Além disso, adaptámos o sistema informático de suporte ao SCE à nova legislação e apostámos no apoio direto a todos os agentes envolvidos, disponibilizando documentação de referência e respondendo a dúvidas e questões técnicas.
Queremos assegurar que os técnicos se sintam acompanhados no seu trabalho e que os certificados sejam cada vez mais rigorosos e reconhecidos como um instrumento útil para os cidadãos que queiram tornar a sua casa mais eficiente.
- Qual a melhor forma dos cidadãos conhecerem os certificados energéticos?
De forma a tornar mais visível este instrumento, a ADENE lançou, em março, o Portal casA+, uma ferramenta de apoio aos proprietários no processo de implementação das oportunidades de melhoria de eficiência das suas casas. Através do casA+ os cidadãos podem solicitar propostas às mais de 1300 empresas registadas.
- Que outros instrumentos de ajuda ao cidadão desenvolveu a ADENE?
Sabendo que etiquetagem é um importante instrumento para a promoção da eficiência energética, a ADENE tem vindo a desenvolver sistemas de base voluntária que, cada vez mais se vão afirmando como instrumentos de política pública para a transição energética e climática.
Aqui não posso deixar de destacar o CLASSE+, uma classificação energética de janelas que depressa se tornou uma referência de mercado pela adesão de mais de mil empresas de caixilharia (mais de 60% do mercado) e emissão de mais de 250 mil etiquetas energéticas. O CLASSE+ disponibiliza informação ao cidadão para a escolha de janelas eficientes, e aposta também na formação de profissionais.
As nossas apostas não se cingem apenas à eficiência energética. Também a eficiência hídrica está nas prioridades da ADENE e o AQUA+ está a afirmar-se como um sistema pioneiro tendo sido finalista dos European Enterprise Promotion Awards (EEPA2021) na categoria “Apoio à Transição Sustentável”.
Após dois anos de atuação no setor residencial, a ADENE vai mais longe, com o lançamento do AQUA+ Hotéis, destinado a empreendimentos turísticos, em parceria com o Turismo de Portugal.
- A ADENE prevê a criação de novos sistemas com vista à transição energética?
A aposta na economia circular é outra das prioridades da ADENE e, por isso, pretendemos lançar em 2022, um novo sistema de classificação para avaliar o desempenho em economia circular de organizações. Estou certo de que este sistema tornará possível às organizações conhecerem e comunicarem o grau de adaptação das suas práticas aos princípios de economia circular, contribuindo assim para um futuro mais sustentável.
*Esta entrevista foi publicada na edição 91 da Ambiente Magazine.