A União Europeia quer travar a poluição gerada por produtos descartáveis no meio ambiente. As medidas preconizadas na diretiva de plásticos de uso único, que pretendem dar resposta a este objetivo, vêm trazer novas exigências e chamar mais agentes à limpeza urbana. O CEO do Electrão, Pedro Nazareth, fala sobre os desafios que a diretiva traz ao setor dos resíduos. Os futuros sistemas, a criar com base no princípio da responsabilidade alargada do produtor, para a gestão destes novos fluxos, terão que cobrir não só os custos de gestão e sensibilização, mas também de limpeza do espaço público. Esta é a segunda parte da Grande Entrevista
Qual a vantagem da gestão diferenciada destes plásticos de uso único incentivada pela diretiva?
Existe desde logo uma vantagem muito importante relacionada com a monitorização dos comportamentos de littering dos cidadãos e do envolvimento das empresas visadas na promoção da alteração do descarte inadequando dos seus produtos pelos seus clientes no pós consumo. Mas também, não menos importante, será de esperar que se desenvolvam modelos de avaliação de desempenho das diferentes atividades da limpeza urbana e de determinação dos gastos custo eficientes para que esta possa acontecer. Entendemos ser de interesse público perceber a evolução comportamental dos cidadãos portugueses em termos de descarte de resíduos, o desenvolvimento de métricas de avaliação da resposta municipal em termos de limpeza das cidades e de transparência dos respetivos gastos.
Acresce que existe sempre um ângulo de maior justiça social resultante da implementação da responsabilidade alargada do produtor na medida em que os gastos incorridos na gestão de fim de vida passam a estar incluídos no preço dos produtos que consumimos. Ou seja, há uma transferência do custo suportado do cidadão contribuinte para o cidadão consumidor.
Na prática como vão ser operacionalizados estes sistemas entre os vários agentes?
A atividade de limpeza urbana é assegurada no terreno pelas câmaras municipais e pelas juntas de freguesia a quem tenha sido delegada essa competência. São estas entidades, em alguns casos com contratação a operadores de gestão de resíduos, que garantem a varredura das ruas de forma manual ou mecânica e que asseguram a manutenção das papeleiras nos jardins e espaços públicos. Caberá às empresas abrangidas pela diretiva a comparticipação financeira destas atividades operacionais, bem como de outras atividades complementares, como as de sensibilização ambiental para o adequado descarte de resíduos no espaço público e de gestão de dados.
Apesar da diretiva não conter nenhuma orientação concreta relativa à forma como devem ser calculados estes custos que as autarquias têm com a limpeza urbana, são esperadas em breve algumas indicações metodológicas por parte da Comissão Europeia. Está, no entanto, especificamente consagrado que os custos a cobrir pelas empresas têm de ter por base a eficiência económica da prestação dos respetivos serviços e devem ser estabelecidos de forma transparente entre os diferentes intervenientes.
Quais são as vantagens desta mudança de paradigma? O que têm a ganhar os vários agentes envolvidos na limpeza urbana?
Diria que têm todos a ganhar: empresas, municípios e cidadãos. Temos a expetativa de que com a cobertura parcial de gastos os municípios fiquem em condições de desenvolver e melhorar a sua atividade de limpeza urbana, evitando que muitos resíduos venham a contaminar solos, linhas de água e cheguem ao mar. Como já foi referido, a própria participação empresarial na gestão do fim de vida dos produtos terá certamente um reflexo de maior monitorização do desempenho desta atividade, começando pelo desenvolvimento e uniformização dos indicadores de suporte e terminando na promoção da transparência dos gastos com esta atividade no orçamento municipal.
Não menos importante poderá também ser a reação das empresas ao nível do reforço das suas estratégias de conceção ecológica de produtos, agora que foram especificamente chamadas a uma responsabilização financeira direta na gestão de fim de vida.
Queremos continuar a servir as empresas na gestão de fim de vida de todos os seus produtos e na transição para um modelo de negócio mais circular. A diretiva dos plásticos de uso único surge como mais uma oportunidade para continuar a prestar serviços às empresas, algumas das quais são já nossas clientes.
O Electrão beneficia de quase duas décadas de experiência de conceção, implementação e gestão de sistemas de reciclagem com base na responsabilidade alargada do produtor.
No âmbito dos três sistemas de reciclagem que gerimos atualmente criámos inúmeras sinergias operacionais e comerciais. Muitas das empresas clientes e dos parceiros operacionais são os mesmos e os procedimentos de funcionamento são idênticos e estão rotinados. Isto permite potenciar economias de escala e trazer eficiência económica à gestão de todos os sistemas de fim de vida em que participamos. Esta é a nossa vantagem competitiva e é nisto que temos sido pioneiros em Portugal.
Que passos já foram dados nesse sentido?
Temos vindo a dinamizar grupos de trabalho com as empresas visadas pela obrigação de implementação de novos sistemas de reciclagem e de fim de vida da responsabilidade alargada do produtor com o propósito de fazer uma aprendizagem conjunta e de desenvolver os contactos iniciais com as partes interessadas conducentes ao desenho destes sistemas.
Como é que o Electrão se propõe apoiar essas empresas que colocam no mercado produtos que estão na mira desta diretiva?
Além da aprendizagem conjunta, já referida, fazemos questão de contextualizar estas empresas em relação à forma de funcionamento do setor da gestão de resíduos e da responsabilidade alargada do produtor.
Concretamente, no caso dos plásticos de uso único, desenvolvemos estudos de observação e inquirição do comportamento de descarte de resíduos e de consumo destes produtos por parte dos consumidores portugueses. Realizámos também o estudo já descrito, que pensamos ser único em Portugal até ao momento, de caracterização técnica e económica dos resíduos das atividades de limpeza urbana.
Por último, não menos importante, já encetámos um conjunto de diversos contactos com partes interessadas, em representação destas empresas, com a Associação Limpeza Urbana, Associação Nacional de Municípios Portugueses, Agência Portuguesa do Ambiente e Secretaria de Estado do Ambiente e da Energia, apenas para citar alguns exemplos.
Em sua opinião quando é que estas mudanças, ditadas pela diretiva, irão concretizar-se?
No médio prazo, num horizonte de três anos, o país verá emergir um conjunto de novos sistemas de responsabilidade alargada do produtor que vão contribuir para uma melhoria muito significativa da limpeza urbana através de um reforço da educação ambiental dos cidadãos e de uma estreita relação com municípios. O primeiro destes sistemas será direcionado para os produtos de tabaco com filtro. Temos a expetativa de que seja operacionalizado já em janeiro de 2023, assim seja publicada a revisão do Decreto-Lei n.º 78/2021 com a transposição integral da diretiva. Os outros sistemas suceder-se-ão.
A longo prazo, na persecução do objetivo último de colocar um travão ao lixo marinho e proteger o ambiente, esperamos ajudar a incutir no cidadão comportamentos de descarte de resíduos mais adequados de forma a tornar mais limpas as cidades e praias. Queremos empresas mais motivadas a modificar os produtos de maior impacto ambiental e uma sociedade mais justa na distribuição do esforço de financiamento do pós consumo.
*Esta Grande Entrevista foi incluída na edição 98 da Ambiente Magazine