É engenheiro civil e homem do Norte. Quando recebeu o convite para liderar a pasta do Ambiente, já sabia qual o “desafio” que tinha pela frente. Já lá vão quase seis anos que João Pedro Matos Fernandes lidera um Ministério “muito completo”, onde se dedica não só às questões ligadas ao “Ambiente” como também às da “Ação Climática”. O percurso ainda é longo e os desafios que se colocam tendem a ser cada vez mais ambiciosos. Mas, do percurso já feito, são muitos os motivos de orgulho. Foi sobre o passado, o presente e o futuro que esta “Grande Entrevista” se resume, onde, pela primeira vez, tivemos o privilégio de conversar com o atual ministro do Ambiente e da Ação Climática.
- Licenciado em Engenharia Civil, passou pela Administração dos Portos do Douro e Leixões e do Porto de Viana do Castelo. Foi presidente da Águas do Porto. O que é que levou João Pedro Matos Fernandes a aceitar o desafio de liderar o Ministério do Ambiente e da Ação Climática?
Pela surpresa do convite e pela dimensão da tarefa. Já lá vão quase seis anos: na altura, já era um Ministério maior do que teria sido no passado porque aliava as questões do Ambiente e dos transportes coletivos e esta foi uma decisão tomada pelo primeiro-ministro, na qual não participei. Aliás, quando o convite foi feito, já vinha o “pacote completo”. E faz todo o sentido: de facto, 25% das emissões em Portugal são fruto do nosso sistema de mobilidade e a melhor forma de garantir uma mobilidade eficiente é colocá-la nas mãos do Ministério do Ambiente, porque tem metas muito claras para cumprir. Depois, com o tempo e com o compromisso da neutralidade carbónica, passamos a ter também a Energia. Se o setor da mobilidade é um setor essencial, o setor electroprodutor ainda é mais: se pensarmos bem no nosso Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050, as duas áreas que têm metas de emissão zero em 2050 são exatamente o setor eletroprodutor e a mobilidade terrestre. Já a parte da “Ação Climática” concentrou num só Ministério, que é um dos três Ministérios coordenadores do Governo, os três verbos de Paris “Mitigar, Adaptar e Sequestrar”, para além de que, visto que o grande sumidouro de carbono, em Portugal, é de origem florestal, passamos a ter também a gestão da floresta.
- Atualmente, qual é o maior desafio de um Ministro do Ambiente?
O primeiro grande desafio é afirmar que o investimento na sustentabilidade é aquele que melhor contribuirá para o crescimento da economia, garantindo que esta economia é completamente diferente do passado, porque é neutra em carbono, regenera recursos e cabe dentro dos limites do sistema terrestre, ou seja, é, de facto, o ambiente a deixar de ser o pano de fundo ou de ser o cenário para ser o ator principal naquilo que é a transformação da sociedade. O outro é o da transformação da paisagem e, consequentemente, do restauro de ecossistemas associados. Temos uma população cada vez mais urbana e mais distante dos valores da ruralidade e temos um país muito marcado pelo seu passado, onde a população desenvolvia atividades em todo o território e a biodiversidade foi conquistada e completada por aquilo que foi a atividade tradicional agro-silvo-pastoril. E quando não há pessoas para o fazer, não podemos deixar de o fazer. É óbvio que há coisas mais escatológicas como os fogos rurais, mas a riqueza da biodiversidade está muito associada à intervenção do que podemos fazer na paisagem. Direi que estes são os dois grandes desafios que tenho, porque quem é ministro há quase seis anos já não tem propriamente necessidade de mostrar muita coisa e de ter “quick wins” como tivemos no passado. Por exemplo, o PART (Programa de Apoio à Redução Tarifária nos Transportes),a constituição do Fundo Ambiental, os leilões da energia solar ou o início da reutilização das águas residuais.
- Desde que lidera a pasta do Ambiente, que feitos já viu serem concretizados e que tiveram mais impacto na vida dos portugueses?
Acho que aquele que teve mais impacto na vida dos portugueses foi mesmo o PART, que fez com que os passes em Lisboa, que custavam 150€, passassem a custar 40€. Ou no Porto, de 90€ para 40€. Isso foi uma revolução na criação de condições de base para que as pessoas utilizassem os transportes coletivos. Direi que, enquanto medida de choque, essa foi a mais importante de todas. Agora, nós somos um Ministério com muitas agendas: do PNPOT (Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios), do PNEC (Plano Nacional de Energia e Clima), do Plano de Ação para a Adaptação às Alterações Climáticas, do Plano para a Economia Circular… todas elas, vão trazendo paulatinamente ganhos.
- Já disse muitas vezes que as preocupações (ambientais) de hoje não são as mesmas de há uns anos. O que é que mudou?
Há, claramente, uma segunda geração de políticas ambientais. A primeira é muito de base infraestrutural para resolver problemas básicos que as pessoas tinham. Nunca direi que ela pode estar concluída, mas, há 20 anos, só 46% da água da torneira era boa e hoje é 99%. Direi que, aqui, havendo ainda muito para fazer, demos aqui um salto enorme. Fecharam-se as lixeiras todas em dois ou três anos. Portanto, do lado das infraestruturas é totalmente diferente. Hoje, o que é preciso é afirmar esta primazia do investimento na sustentabilidade como grande motor da alteração da economia.
- Qual deve ser, hoje, a mensagem quando se fala em políticas ambientais?
Nós não podemos construir o futuro com os instrumentos do passado. Isto obriga a uma transformação que vai mexer com todos nós. A procura por uma economia regeneradora de recursos e neutra em carbono não se faz sem esforço: este é um esforço público, um esforço das empresas e um esforço dos cidadãos. Um cidadão tem também que pensar assim: “eu não posso levar este produto para casa porque eu não sei o que fazer com esta embalagem”. Não podemos estar à espera que todo o sistema que a autarquia nos monta nos consiga dar um bom destino a todas as embalagens que levamos para casa. Temos de perceber qual é o sistema de transportes coletivos que está à nossa disposição, acompanhar aquilo que é a melhoria dos passeios e as condições para podermos andar de bicicleta, abandonar o automóvel individual. No caso dos automóveis individuais, quando me tornei ministro, só 1% dos veículos que se vendiam em Portugal eram elétricos. No primeiro trimestre deste ano, já foram 16%. Portanto, sim, as coisas estão a mudar. Queremos também investir na eficiência energética dos nossos edifícios: lançamos o Programa de Apoio a Edifícios Mais Sustentáveis de 4 milhões de euros no passado mês de setembro (2020), pensando que o mesmo ia durar 15 meses. Enganamo-nos completamente: ao fim dos quatro meses, dos 4 milhões prometidos, estávamos a investir 9,3 milhões. Abrimos agora a segunda fase do programa – o primeiro projeto do PRR direcionado para os cidadãos – com 30 milhões de euros de investimento na eficiência energética de edifícios. Contamos pagar aqui 20 mil candidaturas e achamos que ele poderia estar aberto até novembro e já recebemos 8 mil candidaturas, ou seja, temos aqui 135 mil milhões e vamos ter que acelerar tudo isto. Se eu disse que o PART foi a primeira grande medida que pôde valer a um conjunto grande de cidadãos em Portugal melhorar a sua qualidade de vida, estou mesmo convencido que este programa vai ter uma dimensão social quase ao nível daquilo que o PART teve.
- Como é que define atualmente as políticas ambientais e quais são os seus principais eixos estratégicos?
É um conjunto de políticas que têm que encontrar o justo balanço com a redução objetiva das emissões e, com isso, não só temos metas para apresentar, como a redução de 26% das emissões comparado com 2005 ou medidas muito concretas, e que se vêm acelerando, como o encerramento da central a carvão de Sines. Uma segunda dimensão é claramente a adaptação, utilizando, sobretudo, soluções de base natural, mormente, na proteção territorial e nas ribeiras. Temos de perceber, de uma vez por todas, que quem tem que se adaptar somos nós. Não é fazer barragens para ter mais água: a água é vida, sim, mas também é vida para todos os ecossistemas. O restauro dos ecossistemas é essencial. A terceira dimensão é a de olhar para a floresta não como um conjunto de árvores mas como um grande berço da biodiversidade. E deixar de olhar para as árvores pelo tronco, isto é, quanto é que vale a madeira, mas passar a olhar para as árvores pelo bem público que estas geram.
- Portugal assumiu o compromisso de ser neutro até 2050. Acredita que esta prioridade se vai manter com os próximos Governos, independente do partido?
Eu estou muito convencido, respeitando aquilo que é a democracia acima de tudo, que há uma pulsão social que não vai permitir andar para trás. Que este Governo foi o Governo que mais conquistas teve, foi. Um Governo diferente do nosso, nesta mesma legislatura, talvez tivesse menos conquistas, mas algumas teria tido, porque a pulsão social é muito forte. Por isso, temos que caminhar sem deixar ninguém para trás. E é fundamental, em democracia, não deixar ninguém para trás. Vejamos o que foram os “Gilets Jaunes” (“coletes amarelos): é um movimento em França que nasce da existência de um imposto sobre os combustíveis e que gerou uma enorme revolta popular mas, no mesmo dia em que foi concretizado, retira-se o imposto sobre as grandes fortunas. Ora, nós, em Portugal, fizemos muito melhor porque, no mesmo dia em criamos o adicional de carbono para os combustíveis, pusemos essa receita toda no Fundo Ambiental e, portanto, fizemos muito mais: investimentos em prol do ambiente e foi muito mais bem aceite do ponto de vista social. Mas não tenho ilusões: acho que outros Governos podem ter políticas mais progressistas que a nossa, mesmo de alguns dos partidos que se sentem o “rei” desse mesmo progressismo. Acho que temos uma sociedade cada vez mais exigente e esclarecida e que não vai permitir que haja um movimento que deixe alguém para trás nesta transição climática que é necessário.
- Fala muitas vezes que o cenário de crescimento económico é aquele onde é mais provável reduzir as emissões, sendo por isso, tão importante o investimento. A consciência dos empresários portugueses já permite que esses investimentos sejam vistos na ótica como o Governo a deseja?
Sim, cada vez mais. E pela mais pura e dura das razões que move um empresário, que é criar valor. É cada vez mais evidente que quem depender de combustíveis fósseis vai estar fora do mercado muito em breve. E a taxa de carbono está a crescer vertiginosamente: quando foi assinado o Acordo de Paris, estava a 9€ a tonelada de C02 e, este ano, já ultrapassou os 60€. Por isso, é cada vez mais caro utilizar o fóssil e cada vez mais barato utilizar o renovável. Quando eu vejo esta corrida aos fundos para a melhoria da eficiência energética dos edifícios, acho que as pessoas não participam neste sprint apenas porque querem ter uma casa mais confortável e estão preocupadas com o Ambiente, fazem-no também porque querem pagar menos na sua fatura energética.
*Esta entrevista foi publicada na edição 89 da Ambiente Magazine.