Um apaixonado pela cidade do Porto. Este é talvez o melhor adjetivo que descreve o nosso entrevistado que, desde 2013, sente um imenso orgulho em poder fazer algo em prol da cidade. Nasceu em 1976, é engenheiro eletrotécnico de formação e isso nunca foi motivo suficiente para deixar o Porto: hoje, assume a vice-presidência da Câmara Municipal do Porto, com o pelouro de Ambiente e Transição Climática e de Inovação e Transição Digital. É de Filipe Araújo que falamos: um portuense de gema que nos fala da trajetória ambiental e dos feitos que a cidade tem conseguido conquistar. Esta é a segunda parte da Grande Entrevista.
Um dos recentes projetos do Porto foi o lançamento do Pacto do Porto para o Clima. Este é um documento que pretende tornar a cidade do Porto líder, a nível nacional, em ação ambiental, tendo por isso, antecipado a neutralidade carbónica para 2030. O que implica este compromisso numa altura em que se “corre contra o tempo”, tal como alertou António Guterres? E porquê agora?
O Porto tem vindo a fazer o percurso, em termos de neutralidade carbónica. Quando assumi a pasta (2013), o Porto tinha a ambição de atingir, em 2020, 45 de redução das emissões de CO2 na cidade, comparando com o ano de 2004. caminho de 2013 até 2020 á oi muito bom: em 2020, atingimos 52 de redução, portanto não s cumprimos a meta como a superamos. E este é um caminho que, certamente, está muito relacionado com as políticas nacionais de produção de energia cada vez mais renováveis, algo que importa cidade porque somos um consumidor dessa energia que é produzida pelo país. Todo este trabalho já feito conduziu-nos a estruturar o pensamento até 2030. E aquilo que sabemos é que conseguimos atingir a neutralidade carbónica na próxima década, se envolvermos toda a cidade e se criarmos um desígnio para todos (empresas, instituições, organizações e cidadãos): só temos de acelerar esse caminho para conseguirmos. E o Porto quer dar esse exemplo: assumiu o compromisso e, por isso, o Pacto do Porto para o Clima é dar corpo ao desígnio. É uma grande ambição, mas estamos certos de que, envolvendo todos, conseguiremos ultrapassar. E aqui, há um ponto que convém salientar: a atividade do município do Porto é responsável, apenas, por 6% dessas emissões, o que significa que, por si só, não seria suficiente. E esta é uma ambição que, claramente, tem de ultrapassar ciclos políticos – o desígnio é muito maior – e achamos que 2030 é um cenário a atingir.
Não é objetivo tornar este Pacto um “conjunto de intenções”, mas sim de adesões. Como é que se consegue conciliar o desafio de crescer o número de subscritores com a ação que é necessária?
Queremos ser muito pragmáticos na forma como olhamos para este desafio de sermos neutros em carbono em 2030. E o nosso pragmatismo assenta em vários pontos. Pacto do Porto para o Clima é um compromisso público das entidades e, para tal, lançamos e criamos um equipa que está operacional e que se vai encarregar de trabalhar em conjunto com as várias entidades e subscritores do Pacto, assim como pôr em prática a Missão Cidades da Comissão Europeia, que encerra uma série de iniciativas que vamos ter de realizar. Ao mesmo tempo, esta equipa vai ocupar-se de monitorizar o caminho que estamos a fazer no sentido de não perdermos o rumo. Óbvio que não somos alheios a toda conjuntura geopolítica e internacional e aos problemas que nos estão a afetar no dia-a-dia, mas temos a noção que há uma série de decisões que nos podem levar a este caminho. Para além disso, tem de haver investimento e financiamento. Da o compromisso assumido pelo Governo de trabalhar para o país, mas também a mudar as cidades a conseguirem atingir estes desígnios.
Outro desafio que é sentido cada vez mais nas grandes cidades, como o Porto, é o crescimento urbano. E as previsões confirmam que este é um crescimento que vai continuar. Como é que se cresce sem prejudicar o meio ambiente? Qual tem sido a resposta da cidade do Porto?
Tudo se resume a esta premissa: faz-se planeando e faz-se tendo a noção daquilo que podemos fazer no território e na forma de o ter adaptado s alterações climáticas e de o ter mais sustentável e com melhor qualidade de vida. E a o Porto tem-se apoiado no conhecimento: elaboramos um novo Plano Diretor Municipal, que envolveu muitas equipas e oi multidisciplinar em variadas áreas que, normalmente, não seriam chamadas a desenhar. com muito agrado que vemos que este Plano tem, na sua base, a primeira carta da estrutura ecológica municipal. Isto quer dizer que o desenvolvimento da cidade está muito relacionado com a preservação dos valores ecológicos e ambientais que temos de preservar num ambiente de 42 quilómetros quadrados, que temos de gerir, e em que te- mos uma rente de rio e uma rente de mar. maior garante de termos este desenvolvi- mento de forma mais sustentável é de toda a nossa estratégia e desenvolvimento estarem relacionados com este conhecimento.
O Porto foi uma das cidades eleitas pela Comissão Europeia para participar na “Missão Cidades”, uma iniciativa da União Europeia que visa promover cidades neutras e inteligentes até 2030. O que significa e, ao mesmo tempo, o implica esta distinção para o município?
A distinção que tivemos é um orgulho porque sabemos a dificuldade e exigência de um processo com duas componentes: uma parte, que passou por avaliar o que tínhamos feito em prol dessa missão, e, depois, numa lógica de compromisso futuro. Estamos cientes que a Comissão Europeia valida aquilo que é a nossa estratégia para o futuro e a forma como queremos atingir os nossos objetivos: é uma responsabilização em relação ao plano que temos desenhado.
Um dos objetivos deste prémio é justamente promover cidades neutras e inteligentes. Como é que se encontra o Porto no senti- do de “cidade inteligente”? Que exemplos de projetos têm colocado o Porto como “smart”?
A inovação e o digital estão muito na ordem do dia. Fruto do nosso trabalho, somos selecionados para fazer parte do grupo das 10 cidades mentoras pela Comissão Europeia no projeto “100 Intelligent Cities Challenge” – para ajudar essas 100 cidades a serem “smart”. O importante na cidade é que o digital este a ao serviço da população e daquilo que é aumento da qualidade de vida em vários aspetos. Por exemplo, o digital para ajudar a ter melhores serviços: criamos não só o Portal do Munícipe, como também um número único de cidade que se chama Linha Porto. Outro exemplo assenta em perceber como é que, através do digital, conseguimos criar uma maior e ciência nos serviços públicos: no caso do Porto, destaca-se o investimento em tecnologia para gerir a nossa rede de abastecimento e tarifa de água, que é das mais baixas porque temos um sistema que permite sermos ágeis a detetar fugas. Esta tecnologia aplicada levou-nos a reduzir as perdas de água para apenas 14%. Outro serviço é o “Explore Porto.” onde, através do telemóvel, conseguimos fazer uma gestão dos transportes disponíveis (onde se encontram, quanto tempo demora, quantas trotinetes disponíveis, etc). Não restam dúvidas que o digital é muito importante na transformação das cidades: temos 60 das casas com contado- res inteligentes de água, temos inteligência na iluminação pública e um centro de gestão integrada com mais de 250 câmaras espalhadas pela cidade que monitoriza 24 sobre 24 horas o que se passa na mobilidade da cidade. Há uma panóplia de coisas que fomos fazendo e que tem um impacto mais invisível, mas que, sem esse investimento, o Porto não era gerido com a dinâmica atual.
Olhando para o panorama atual, e, enquanto assumir a liderança da pasta do Ambiente e da Inovação na cidade do Porto, quais são os objetivos/desejos que gostava de ver concretizados até ao fim do mandato?
Temos um conjunto de iniciativas que queremos ver realizadas, nomeadamente nesta lógica de expansão de áreas verdes. Gostaríamos de ver concretizado o Parque da Alameda de Cartes, o Parque Urbano da Lapa e outros jardins de proximidade que estamos a planear. Gostaria de ver esta lógica de maior eficiência e de transparência dos serviços muito vocacionados aos cidadãos. São desígnios estratégicos e globais, mas a verdade é que gostamos de ver concluídas as iniciativas que vamos propondo.
Se pudesse avançar 10 anos, como imaginaria a cidade do Porto em matéria ambiental?
Aquilo que eu gostaria de ver era uma cidade mais verde, uma cidade mais azul, uma cidade produtora da sua energia e que trabalhasse para a sua independência energética, utilizando a maioria dos transportes públicos de forma limpa. Uma cidade que tivesse níveis de reciclagem que conduzissem a implementar os desígnios de economia circular de uma maneira efetiva. Uma cidade que tivesse um crescimento com estes parâmetros e tendencialmente muito mais sustentável e proporcionando sempre as melhores condições aos cidadãos. Se, daqui a 10 anos, mantivermos o trabalho feito e da forma como está planeado, acredito que o Porto continuará a ter uma excelente qualidade de vida, ainda melhor que a de hoje.
*Esta é a segunda parte da Grande Entrevista incluída na edição 96 da Ambiente Magazine